quinta-feira, julho 29, 2010

Diário de Viagem - Dia 9

Diário de Viagem – Dia 9

Acordo hoje com o sentimento de que, esta lebre está quase corrida, faltando apenas esse pequeno senão que se chama: quase!
Tal como as finais são para se vencer, os destinos também são para se cumprir, e esta é a nossa sina; pedalar até atingirmos aquela pedra rectangular que anuncia o fim de todas as viagens de todos os que aí se propuseram chegar e, acreditem, vêem mesmo de toda a parte!

O dia de ontem foi prazenteiro, um dia de Verão minhoto com algum calor mas também muita frescura à mistura, o que fez com que ficasse na nossa memória, como a etapa mais ligeira deste nosso percurso até terras de Santiago.

À saída de Valença a moral era alta e a pose era de vencedores.

Saímos de Valença por essas nove horas, e em cinco minutos já estávamos do outro lado da fronteira depois de percorrida a velha ponte que atravessa o Rio Minho, essa fronteira comum aos dois povos irmão que habitam deste e do outro lado da fronteira, mas que afinal são a mesma gente, o mesmo querer e quase a mesma língua.

Circulando por terras de Espanha - mais propriamente em Túi.

A estrada é boa e as escapatórias largas o que permite que circulemos em amena cavaqueira, sabendo que cada quilómetro a mais no nosso conta-quilómetros é um quilómetro a menos no que falta para lá chegar, e falta tanto e tão pouco, dependendo dos estados de alma.
Depois de Tui o nosso destino imediato é Porriño, distância que galgámos sem grande esforço, mas desengane-se quem pensar que este percurso são favas contadas. Santiago fica a 800 metros acima do nível do mar e depois de Padrón será sempre a olhar para cima, mas nessa altura faltarão apenas vinte e poucos quilómetros para o final, mas por hora ainda falta muito asfalto para galgar.

Em Porriño recuperamos a estrada que doutros anos conhecemos e Redondela fica ali a pouco mais de uma dezena de quilómetros. Já com Pontevedra na imaginação, vamos degustando a gloriosa paisagem das Rias Baixas que serpenteia em paralelo com a estrada por onde agora circulamos.

O grupo vai animado e alguém comenta o meu estado de saúde no pretérito ano, o que me faz lembrar as agruras de uma etapa que só eu sei o que passei com o raio da alergia solar. Todo o meu corpo latejava e à medida que avançava no terreno a minha cara ia-se desfigurando de inchada, mas isso são contas de outro rosário que já aqui contei e que só recordo, porque o Joaquim Piteira que vai aqui ao meu lado mo fez recordar.

A distância que falta percorrer já é só de dois dígitos e em breve faremos a nossa última paragem em Caldas de Reis. Quando aí chegarmos estaremos a pouco mais de 30 míseros quilómetros do nosso destino final.
Não demorou muito a que este posto avançado do nosso itinerário estivesse na nossa mira. Agora a hora é de relaxar, de nos alimentarmos bem, até porque o que a seguir virá, será duro osso de roer.

Picnicando em Caldas de Reis


Por hora estamos em Caldas de Reis junto a este rio de águas sempre correntes que tem no meio uma espécie de ilha com um choupo que produz sombra galega da melhor qualidade, daquela fresca e frondosa.

Arlindo banhando-se da cintura para baixo, desfrutando da fresquidão da água num belo registo fotográfico.

O soba peregrino Joaquim Miguel imitando o Arlindo


Por aqui assentámos arraiais e piquenicámos à boa maneira portuguesa. Alguns dos meus confrades deliciaram-se lavando pés e alma na fresquidão das águas, outros lavavam-na por dentro a custo de cañas de Estrella ou mesmo San Miguel, já que mesmo em frente a este nano pedaço de paraíso existe um bar que nos serve de apoio a estes consentidos disparates.

Quando o Sol começa a fazer a sua curva descendente é hora de nos montarmos nas nossas máquinas e agora sim; fazer a última parte de um percurso que a mim me demorou nove dias a cá chegar e aos meus companheiros seis.

A partir daqui é sempre a subir, e mesmo conhecendo o caminho, temos sempre a esperança que depois daquela subida a estrada aplane, mas não, é outra e mais outra subida.
Antes de Caldas já tínhamos feito a subida das bombas (como lhe chamamos) e que foi um belo petisco de vários quilómetros sempre a subir, assim, só para abrir a pestana!

Santiago já se perfila no nosso horizonte e, agora, não há cansaço que resista a uma força que fomos buscar sabe-se lá onde. A Praça Obradoiro já está ali quase á mão de semear e o quilómetro zero, já quase que o posso sentir debaixo da planta do meu pé.

Chegam de todo o lado e aos milhares - este parecia carregar às costas toda uma nação.

Animados por esta alegria chegámos à cidade velha, local onde pontuavam milhares de peregrinos que chegados das mais variadas latitudes exultavam de alegria, e é também essa espécie de encantamento que aqui nos trouxe; uns por razões religiosas, outros por razões espirituais, outros mesmo por mera curiosidade, mas todos sem excepção se deixam enfeitiçar pelo espírito mágico que nesta cidade se respira.

A chegada á praça Obradoiro em dia de Xacobeo, será momento inesquecivel nas nossas vidas.
El dolor és temporal - la glória es para siempre!

Chegámos dia 24 de Julho, véspera do Xacobeo, dia do nascimento do santo que dá nome à cidade.
Nesse dia, não nos foi possível chegar ao quilómetro zero já que a Praça estava a abarrotar de gente que esperava há horas pela melhor posição para ver os afamados fogos que ilustram de cor os céus de Santiago e que eu nunca tinha visto nem sei se voltarei a ver já que tal magnânimo espectáculo só se repetirá em 2021.

Napoleão, Vitor, Piteira e Ricardo exibindo orgulhosamente as suas Compostelas junto ao Km 0

Aqui postarei outras crónicas sobre o tempo que passámos em Santiago, por agora, chegámos ao nosso destino, e mais uma vez cada um de nós depois do fraterno abraço da união, recolheu-se em si no meio da multidão e endereçou os seus pensamentos aqueles a quem mais quer.

Grupo completo junto ao quilómetro 0, mais alguns intrusos que quiseram ficar na foto.

Não sei se cá voltarei no próximo ano, mas uma coisa é certa, se tiver vida e saúde andarei por aí montado na minha varanda ambulante distribuindo olhares onde me possa perder, nem que seja por meros instantes.

Y asi es mi vida
Piedra como tu.


Quero aqui agradecer a todos os que contribuíram para que esta viagem fosse de novo um sucesso.

Ciclistas:

Joaquim Miguel
Joaquim Piteira
António Piteira
Vítor Reis
Ricardo Casaca
Arlindo Pereira
Napoleão Mira

Apoios Motorizados

José Carrageta
António Lobo
Maurício Cangalheiro

PS: No nosso coração viajou também o António Serrano, que não podendo pedalar, apareceu com a família em Santiago de Compostela. Para ele os desejos de um rápido restabelecimento e que rapidamente volte ao nosso convívio, até porque não há quem cante a moda como ele, e das saladas viajeiras que provei, e que me desculpem os outros cozinheiros. Não há pai para a do Serrano!

Distância total por mim percorrida: 1072 quilómetros

Escrito por pulanito @ julho 29, 2010   4 comentários

4 Comments:

At 10:51 da manhã, Blogger ups said...

Ganda Nap!

Que idade tens tu?Que idade têm eles?Que idade tenho eu?.....

Sei lá!......

Apenas sei que fazemos esta brincadeira como os "putos" que,felizmente, existem dentro de cada um de nós.
Ou seja, "uma verdadeira peregrinação" à nossa melhor essência.
Viver não custa nada e é tão bom.
Há que libertar o espírito de "puto" que ainda mexe no âmago da nossa existência efémera.
Peregrinar,ao nosso interior, é
preciso....Viver é peregrinar em todos os momentos.

PEREGRINAR É PRECISO!!!!!!..........basta quebrar os espelhos que teimam em nos trazer à incontornável realidade a que a espuma do tempo não se esquece de nos votar.

"Canta ,canta minha gente,

deixa a tristeza prá lá

Canta forte ,canta alto

que a VIDA vai melhorar.

a Vida vai melhorar

a Vida vai melhorar"

Haja Saúde!


jm

 
At 5:54 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Na próxima, gostava de ir convosco.
Um abraço Napoleão.
Celso.

 
At 10:54 da manhã, Anonymous Manuel António Domingos said...

Napoleão e Natália;
Já andei por aí a recomendar que vejam a TV 7 DIAS.
Afinal já são a família mais mediática de Entradas! Porreiro!

 
At 1:14 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Caro Napoleão

O sentimento de missão cumprida é algo muito agradável de sentir
fico contente por todos vós.
Um abraço companheiro.
jmatos

 

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