Diário de Viagem - Dia 4
Diário de Viagem – Dia 4
Com o pensamento no nosso companheiro António Serrano que está em recuperação de uma maleita que o não deixou vir connosco este ano…e bastante falta nos faz!
Saímos da Graça do Divor lá por essas sete da manhã. O Céu apresentava-se cor de chumbo e ameaçava chover, o que é sempre mau augúrio para quem pretende pedalar.
Lá partimos para a etapa mais longa deste périplo (155 km) que nos trouxe de Divor a Torres Novas.
Carrajeta, J. Miguel, Ricardo, Vitor, J. Piteira, Arlindo, eu , A. Piteira e A. Lobo à partida de Divor para Torres Novas.
Das três vezes que já fiz esta etapa, esta, foi a vez que menos me custou, até porque o clima estava ameno e vencemos muitos quilómetros antes da temperatura começar realmente a aquecer.
Este ano temos dois carros de apoio: um conduzido pelo inevitável Carrajeta e o outro pelo António Lobo que se tem revelado um autêntico Divoriano no que diz respeito ao espírito de equipa.
A etapa não tem nada que aqui não tenha já contado em edições anteriores, até porque o percurso é exactamente o mesmo, o que faz com que este pobre escriba tente encontrar motivos de interesse que ainda não tenha por aqui debitado.
Passámos por Montemor, terra touros e toureiros, onde a afición habita à flor da pele de muitos dos que por aqui vivem. Ao passar na avenida principal lembrei-me da última vez que aqui estive para escolher touros para a corrida anual de Entradas. Comi no Restaurante O Bacalhau junto ás bombas da Repsol. O Bacalhau grande aficionado da tauromaquia e do bom prato, a par de sua mulher oferecem a quem os visita uma cozinha cheia de predicados e confeccionada com todos os preceitos incluindo aquele que é fundamental na cozinha alentejana: o carinho. Seguimos caminho até Foros de Vale Figueira onde fizemos a primeira paragem matinal para reforçar os hidratos de carbono para que possamos fazer face ao desgaste que à nossa frente se afigura.
De quando em vez, quando relato as nossas viagens a quem mo pede, algumas pessoas incomodam-se com as nossas paragens dizendo até que isso é batota, que não deveríamos parar, já que nas corridas os ciclistas são abastecidos em andamento. Pois bem, deixem-me fazer um esclarecimento a estes interessados nas nossas aventuras pedalantes.
Nós não corremos de bicicleta; viajamos de bicicleta o que é bem diferente!
Depois desta paragem estratégica lá seguimos caminho em direcção a Lavre. Ao aproximar-me desta povoação relembro de imediato o recém-falecido José Saramago e o seu primeiro grande romance Levanto do Chão que após a sua morte ando de novo a ler.
Olho o ondulado do terreno à minha volta e imagino a saga dos Mau-Tempo que por estas bandas passaram fome e humilhação que a estas poucas décadas de distância parece facto impossível, mas que eu nos meus 54 anos ainda me recordo perfeitamente da divisão de uma sardinha para dois e de outros episódios em que o estômago ficava colado às costas por falta de que lhe dar.
Nesse tempo, minha tia Francisca era o meu porto de abrigo. Por vergonha não pedia, mas os meus olhos denunciavam a fome que me esventrava, e esta, repartia comigo o pouco que para si guardava, talvez seja por isso que este romance me toca tão fundo.
Escrevo de madrugada em Torres Novas…agora tenho de ir.....(saída apressada!) regressarei à tarde já na Guia para terminar este relato de ontem e o que vai agora começar.
Já cheguei à Guia (que fará parte doutro diário de viagem) onde vou tentar acabar a crónica respeitante ao dia de ontem.
A caminho de Coruche...afinal a ponte é vermelha. Onde fui eu desencantar que as pontes eram amarelas!
Numa etapa como esta parece que a estrada não tem fim, a mesma conversa já deu a volta três vezes e não há meio de se avistar Coruche com as suas pontes amarelas prantadas sobre o verde-esmeralda dos arrozais que pelo tamanho das plantas se me afiguram estar em tempo de ceifa.
O Piteira na paragem de Coruche. Não sei se está a fazer alongamentos ou alguma pega de caras! A mim parece-me que está a tentar pegar qulaquer coisa.
Rodamos pelo centro de Coruche quando me lembro que o nosso ausente companheiro António Serrano quando aqui chegou no ano passado já tinha caído duas vezes, mas apesar das mazelas visíveis nos cotovelos e joelhos a boa disposição era coisa que não faltava a este companheiro a quem ontem fizemos votos de rápido restabelecimento e em nome de toda a equipa aqui lhe desejamos que regresse o mais depressa possível ao nosso convívio.
Para chegar ao jardim donde se avista a imensa planície ribatejana e onde fazemos habitualmente nova paragem, há que galgar uma daquelas subidas em que por momentos desejávamos ali não estar, mas são os ossos do ofício!
Depois desta rápida paragem rumamos em direcção a Almeirim e em seguida Alpiarça onde aí sim fizemos junto á Barragem dos Patudos a nossa refeição alentejana.
Na mesa nada faltava. Queijos, enchidos, azeitonas, panados, fruta, bolos e salada completavam o cardápio destes esfomeados pseudo-ciclistas.
Esta coisa de andar de bicicleta abre o apetite a qualquer um e vai daí a comer este mundo e o outro, não vai distância que nos atrapalhe, pelo menos a mim que sou dos mais alarves quando toca ao exercício da mastigação, sendo o Joaquim Piteira e o Joaquim Miguel os mais comedidos, ou mesmo ajuizados.
Joaquim Miguel é como uma meretriz low-cost; deita-se em todo o lado, até numa rampa para deficientes!
Depois de almoço o corpo pede repouso nem que seja por breves e retemperadores instantes, coisa a que Joaquim Miguel jamais se nega.
De regresso à estrada levamos a Chamusca como destino imediato, mas o raio da localidade teima em não aparecer no final do túnel que a ilusão de óptica provoca.
Os quilómetros começam a pesar, o calor a apertar e de Chamusca nem novas nem achadas, até que finalmente entramos nesta vila ribeirinha banhada pelas águas do Tejo, rio esse, que um dia Manuel da Fonseca disse que levava nas águas segredos de par em par, que lavava a cidade de magoas e as levava para o mar, e é nisso que penso quando atravesso a ponte que liga esta localidade à outra margem e onde a Golegã não só é a capital do cavalo, mas também uma singular terra ribatejana com o sempre presente Tejo como testemunha do que aqui acabo de proferir.
Daqui a Torres Novas só nos falta lá chegar, mas Riachos ainda se intromete no nosso itinerário e ao por aqui passar não posso deixar de pensar em Pedro Barroso, cantautor de elevado gabarito e de que gosto particularmente….para me distrair assobio..olhá perninha da menina..olhá perninha a dar a dar…
Torres Novas está ali à distância de meia dúzia de pedaladas e já só vejo horas de entregar a bicicleta ao primeiro cigano que me aparecer, sendo assim que no seio do grupo e sem qualquer sentido pejorativo costumamos afirmar a nossa fartação do nosso cavalo andante que já nos vai causando cãibras e dores no traseiro que me escuso aqui de relatar.
Ficámos no Hotel Torres Novas no centro da praça principal desta cidade. Não vou aqui tecer comentários em relação à unidade hoteleira que aqui não têm cabimento e não é meu propósito analisar os estabelecimentos onde nos alojamos, até porque normalmente uma cama e um duche é o que necessitamos, mas devo aqui referir e em jeito de remate final que o jantar estava simplesmente divinal e assim sendo não podia deixar de recomendar a quem por aqui passa se por acaso forem para as bandas de Torres Novas, come-se divinalmente e a preço justo no hotel que leva no seu nome o nome da cidade onde está localizado.
Até logo ou até amanhã…com o relato do itinerário Torres Novas - Guia
PS: Fotos dentro de algumas horas..
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home