Diário de Viagem - Dia 5
Diário de Viagem – Dia 5
Estamos na Guia, nosso destino final do quinto dia de viagem num percurso de cerca de 110 km.
Já descobri que para retirar um melhor rendimento da escrita o melhor é mesmo roubar ao sono um par de horas e escrever de madrugada com a cabeça fresca, já que, quando chegamos aos destinos programados o cansaço e os afazeres aprés-voyage não deixam grande discernimento para um relato que se quer interessante e que prenda o leitor à descrição da jornada.
De facto pedalar, escrever, fotografar e entrevistar quase sem parar é obra, mas compreendo perfeitamente que se pense que isto é atar e pôr ao fumeiro e nem sequer me estou a queixar, são as funções que me calharam, outros terão outra cruz para carregar.
Este quinto dia de viagem era suposto ser um dia relativamente calmo, mas, não sei se pelo cansaço acumulado se pelo permanente vento frontal, se pelo desbaste pedalante da Serra D’aire, este foi até agora o dia que mais mossa física me deixou.
Mas vamos lá ao relato: Saídos de Torres Novas cerca das 8,30 horas tivemos logo ali com os músculos por aquecer o petisco da Serra D’aire, que são cerca de seis quilómetros feitos à velocidade mínima e sempre com os lancinantes gritos musculares que um esforço desta natureza implica; se a isto lhe juntarmos umas rajadas de vento frontal que quase nos tomba bicicleta abaixo já podem imaginar o petisco que tivemos de descascar logo pela manhã.
É claro que foi mais fácil do que o que estou a relatar, mas se não dramatizar a coisa, os nossos leitores ainda pensarão que andamos por aqui em alegre e feliz passeio, o que me remete para um determinado tipo de discurso arrasador e fatalista que têm alguns amigos lá da minha terra e de que aqui vos deixo alguns exemplos de como este tipo de atitude, se pode reflectir nas nossas vidas.
No ano passado voltei a fazer este percurso. Quer queira quer não, é sempre um motivo de orgulho conseguir chegar ao fim, olhar-mos para o nosso interior e naquele minuto em que todos os pensamentos rodopiam em catadupa e provavelmente com os olhos marejados de lágrimas gritarmos aos quatro ventos com toda a força que temos: YES. I DID IT.
Quando regressei ao meu pequeno mundo, encontrei um conterrâneo meu que ao ver-me chegar e em vez de me parabenizar pelo feito alcançado, atira-me um: «Então desististe, não!»
Já este ano o mesmo amigo me voltou a surpreender, desta feita à partida de Entradas.
O Ricardo e o Vítor quiseram acompanhar-me desde a minha terra. Estávamos a dar as primeiras pedaladas, pensando nas centenas de quilómetros que ainda tínhamos para vencer, quando de repente ao passarmos por ele e, em vez de um «Boa Viagem», surge o demolidor «Ah, com carro de apoio também eu!».
Tenho muitos e variados exemplos deste fatalismo depressivo que é o modo de estar de alguns (muitos) dos meus conterrâneos que escolhem a desculpa em detrimento da solução, o gozo em vez da admiração, menorizando quase sempre os desafios de terceiros.De novo o grupo para a foto habitual em Fátima...estamos apenas um ano mais velhos!
Com isto chegámos a Fátima. Não sou católico, não acredito na mensagem nem nos exemplos desta igreja, embora a respeite e lhe reconheça obra, mas também lhe conheço as manigâncias e os mais exemplos recentes e ao longo da história, mas como digo, respeito na integra os valores dos meus companheiros de suor e viagem.
Sou no entanto uma espécie de místico-céptico que gosta de ler nas entrelinhas da vida as mensagens que ultrapassam o nosso conhecimento.
Gosto de me interrogar, de me espantar e de procurar decifrar em forma de acreditação e em meu claro favor as mensagens que me penso serem dirigidas, e lá voltamos ás minhas andorinhas, minha única forma de religiosidade assumida.
Não posso deixar de me espantar com a magnitude do local que durante todo o ano acolhe milhões de visitantes peregrinos ou não. E para quem não saiba, é simplesmente o destino turístico mais visitado de Portugal, o que, por aqui se pode aquilatar da importância deste local de culto.
A nova catedral é do ponto de vista plástico uma obra ímpar, com um arrojo que não reconhecia nesta igreja e que neste particular lhes tiro o meu capacete.
Saídos de Fátima descemos freneticamente até à Batalha, outro local evocativo da história de Portugal, mas que, por razões de espaço e para não aborrecer quem por aqui passe, me vou desta vez abstrair.
Depois daqui saídos foi sempre a rolar, passando ainda pela Marinha Grande antes de chegarmos à Praia da Vieira onde abancámos para almoço e vimos os últimos 50 km dos verdadeiros sofredores do pedal que pelas vertiginosas estradas dos Pirinéus arrastam milhões de fãs mundo fora.
PS. Hoje vamos até Ílhavo, naquela que será a etapa mais macia. Olho pela janela e penso que não teremos vento. Parece-me que temos um dia a preceito pela frente.
PS1: Não consigo colocar fotos a partir desta localidade…logo à tarde já cá estarão.
PS2: beijo e abraços e até logo.
6 Comments:
Á grande Napoleão
Tens um coração de linho
Quem o diz é este teu amigo
E que te veja muito velhinho
Um abraço a todos deste seu amigo SERRANO
Para o amigo Pulanito;
Pouco a pouco o campo se alarga e se doura.
A manhã extravia-se pelos irregulares da planície.
Sou alheio ao espectáculo que vejo: vejo-o.
E exterior a mim. Nenhum sentimento me liga a ele,
E é esse o sentimento que me liga à manhã que aparece.
Um abraço e pedalada certa
Caro Napoleão
pelo que me contas estão a dar boa conta do recado e as etapas vão-se fazendo.Essa serra d,aire é complicada e então com vento de frente deve ser um bom petisco.mas já está, venha a próxima.
Um resto de viagem calma e que tudo corra bem.
um abraço extensivo a todos os outros companheiros da viagem pedalante.
jmatos
Vou acompanhando a viagem.Um abraço!
Força, Muita Força, muito Amor, o meu pensamento está contigo todos os dias.
É incrível a coragem o empenho o sacrifício e a amizade que vos une.
Os Parvos piropos de alguns.... são inveja profunda...
Os teus olhos castanhos cá te esperam (mas com conjuntivite ainda!)
Bjs
Uma pessoa anda pela net, vai aqui e vai ali e depara-se com um blog que fala sobre quem conhecemos...
Uma boa viagem a todos e um beijinho ao A.Lobo que é o meu pai :)
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