Diário de Viagem - Dia 8
Diário de Viagem – Dia 8
Pois é! Enquanto tive forças para escrever ao final da tarde a coisa foi sendo mais ou menos actualizada. Depois veio o cansaço e escrever tornou-se verdadeiramente penoso, mesmo assim, a ainda que já tenha regressado, não deixarei de relatar aqui e até ao fim esta memorável viagem de que afinal já só faltam dois dias para o final.
Chegámos ontem à Póvoa de Varzim verdadeiramente arrasados com o vento frontal que se fez sentir ao longo dos mais de 120 quilómetros em que contra ele tivemos de pedalar.
Para além do vento, que é assim por dizer o pior inimigo de qualquer ciclista, ainda tivemos a sessão de fisioterapia durante largos quilómetros através do irregular pavé do Lavre que para além de nos friccionar tudo o que é membro ainda prima pela perigosidade do traçado, acompanhado – sabe-se lá porquê – pelos irracionais aceleras desta região.
A única coisa de bom que teve este penoso percurso foi cruzarmos mais uma povoação em cuja toponímia pontuava o nome Santiago, falo da aldeia de Santiago de Labruge.
Mas este dia já pertence a ontem, e hoje, é novo dia. Um dia que se nos dá a conhecer solarengo e mansinho no que diz respeito à vertente ventosa em que os dias irados, sabe-se lá com quê, ou quem, se resolvem a atormentar tudo o que mexe e em especial esse bicho esquisito que responde pelo nome de ciclista.
Uma coisa que tenho a ressalvar é a pontualidade quase profissional destes confrades do pedal, coisa que a mim me apraz, até porque sou maníaco dessa coisa chamada: pontualidade.
À saída da Póvoa de Varzim a moral era alta.
Hoje é supostamente sexta-feira passada e estamos a caminho do coração do Minho, essa região portuguesa que para além de arrumada em lameiros, quintas e quintais, casas brazonadas ou verdadeiros solares bordados a marmórea filigrana paga com dinheiro doutros brasis e que hoje são ex-libris desta região que amo apenas um pouco menos que o meu adorado Alentejo.
Rumamos em velocidade de cruzeiro desde a Póvoa até Valença e hoje sim é dia de passeio. Os meus olhos deambulam por uma paisagem que oscila entre o verde do campo e o azul do mar, cor essa, onde muitos dos daqui naturais foram buscar para ilustrarem os olhos que lhes brilham na cara.
Gosto do Minho e não me canso de o dizer. Gosto da paisagem envolvente, da gente que nos pesos que carrega leva consigo uma vida cheia de tradição. Gosto do sarrabulho e do “binho berde “, gosto das romarias, dos cantares ao desafio e da riqueza dos trajes de Viana ou de Ponte de Lima, mas acima de tudo dá-me especial prazer a generosidade com que nos escancaram portas e vidas.
Hoje os deuses estão connosco, e não descuro neste particular a quase divina intervenção das minhas andorinhas, e pedalamos como se pairássemos.
Bicicletar tem destas coisas: entre dias de pavor, lá surge um de amor, e de repente sentimos a alegria desmedida de quem peregrina em busca do estremecimento interior a que muitos chamam: nirvana. Pela minha parte não irei tão longe, mas faltam-me as palavras para ilustrar o que a cada dia que passa sinto cada vez mais; talvez seja uma espécie de frenesim, um certo e único estado de alma, que sendo extensivo a cada um dos que aqui comigo pedalam, será forçosamente diferente em cada uma destas sete almas que a cada ano que passa, solidificam mais e mais a amizade que os une.
Já passámos Esposende e agora encaminhamo-nos para Viana do Castelo onde a paisagem do surpreendente rio Lima encimado pelo Monte de Santa Luzia conferem a esta cidade uma beleza que quase deslumbra.
Após paragem para reabastecer líquidos continuamos à beira-mar pelo serpenteado da estrada que nos vai levando a Vila Praia de Âncora, depois Moledo e finalmente Caminha, nossa última paragem antes de prosseguirmos viagem até Valença, nosso local de destino e por consequência de pernoita.
Caminha - Joaquim Miguel exulta de alegria ao descobrir à beira da estrada o nosso local de repasto.
Levávamos na ideia comer uma sardinhada onde a encontrássemos e foi nesta localidade banhada pelo Rio Minho que desaguámos numa esplanada medieval (a condizer com a festa que por lá tinha lugar), local onde abancámos e onde descobrimos Dona Umbelina, uma minhota de todos os costados, que presumo serem sete, que do alto dos seus 74 anos, era um poço de juventude, alegria e boa disposição que fez deste repasto um momento a congelar.
Com um beijo minhoto despediu-se de cada um de nós, deixando-nos com a certeza que é desta cepa que nascem as Marias da Fonte.
Por via deste encontro, regámos inadvertidamente o almoço mais do que o devido, vai daí, os cerca de 30 quilómetros que nos separavam de Valença foram de um certo sufoco muscular que só amainou quando descemos das nossas bicicletas para o merecido descanso que nos esperava.
Amanhã será dia grande, o dia da chegada ao nosso destino final, mas espera-nos uma etapa de elevado grau de dificuldade que aqui relatarei logo que me seja possível.
2 Comments:
Sorte nossa!
Daqueles que nada procuram e sabem que tudo irão encontrar,por aí...
A vida flui espontânea,a alegria emana a rodos.E a amizade.Ai a Amizade....
Cá para mim, somos todos filhos do mesmo pai e da mesma mãe...
Haja Saúde!
jm
A seguir à tempestade chega a bonança.Por isso uma etapa calma para temperar as forças.E depois de uma sardinhada dessas certamente que forças não vão faltar.Um abraços para todos e um resto de viagem agradável.
jmatos
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