quinta-feira, julho 29, 2010

Diário de Viagem - Dia 9

Diário de Viagem – Dia 9

Acordo hoje com o sentimento de que, esta lebre está quase corrida, faltando apenas esse pequeno senão que se chama: quase!
Tal como as finais são para se vencer, os destinos também são para se cumprir, e esta é a nossa sina; pedalar até atingirmos aquela pedra rectangular que anuncia o fim de todas as viagens de todos os que aí se propuseram chegar e, acreditem, vêem mesmo de toda a parte!

O dia de ontem foi prazenteiro, um dia de Verão minhoto com algum calor mas também muita frescura à mistura, o que fez com que ficasse na nossa memória, como a etapa mais ligeira deste nosso percurso até terras de Santiago.

À saída de Valença a moral era alta e a pose era de vencedores.

Saímos de Valença por essas nove horas, e em cinco minutos já estávamos do outro lado da fronteira depois de percorrida a velha ponte que atravessa o Rio Minho, essa fronteira comum aos dois povos irmão que habitam deste e do outro lado da fronteira, mas que afinal são a mesma gente, o mesmo querer e quase a mesma língua.

Circulando por terras de Espanha - mais propriamente em Túi.

A estrada é boa e as escapatórias largas o que permite que circulemos em amena cavaqueira, sabendo que cada quilómetro a mais no nosso conta-quilómetros é um quilómetro a menos no que falta para lá chegar, e falta tanto e tão pouco, dependendo dos estados de alma.
Depois de Tui o nosso destino imediato é Porriño, distância que galgámos sem grande esforço, mas desengane-se quem pensar que este percurso são favas contadas. Santiago fica a 800 metros acima do nível do mar e depois de Padrón será sempre a olhar para cima, mas nessa altura faltarão apenas vinte e poucos quilómetros para o final, mas por hora ainda falta muito asfalto para galgar.

Em Porriño recuperamos a estrada que doutros anos conhecemos e Redondela fica ali a pouco mais de uma dezena de quilómetros. Já com Pontevedra na imaginação, vamos degustando a gloriosa paisagem das Rias Baixas que serpenteia em paralelo com a estrada por onde agora circulamos.

O grupo vai animado e alguém comenta o meu estado de saúde no pretérito ano, o que me faz lembrar as agruras de uma etapa que só eu sei o que passei com o raio da alergia solar. Todo o meu corpo latejava e à medida que avançava no terreno a minha cara ia-se desfigurando de inchada, mas isso são contas de outro rosário que já aqui contei e que só recordo, porque o Joaquim Piteira que vai aqui ao meu lado mo fez recordar.

A distância que falta percorrer já é só de dois dígitos e em breve faremos a nossa última paragem em Caldas de Reis. Quando aí chegarmos estaremos a pouco mais de 30 míseros quilómetros do nosso destino final.
Não demorou muito a que este posto avançado do nosso itinerário estivesse na nossa mira. Agora a hora é de relaxar, de nos alimentarmos bem, até porque o que a seguir virá, será duro osso de roer.

Picnicando em Caldas de Reis


Por hora estamos em Caldas de Reis junto a este rio de águas sempre correntes que tem no meio uma espécie de ilha com um choupo que produz sombra galega da melhor qualidade, daquela fresca e frondosa.

Arlindo banhando-se da cintura para baixo, desfrutando da fresquidão da água num belo registo fotográfico.

O soba peregrino Joaquim Miguel imitando o Arlindo


Por aqui assentámos arraiais e piquenicámos à boa maneira portuguesa. Alguns dos meus confrades deliciaram-se lavando pés e alma na fresquidão das águas, outros lavavam-na por dentro a custo de cañas de Estrella ou mesmo San Miguel, já que mesmo em frente a este nano pedaço de paraíso existe um bar que nos serve de apoio a estes consentidos disparates.

Quando o Sol começa a fazer a sua curva descendente é hora de nos montarmos nas nossas máquinas e agora sim; fazer a última parte de um percurso que a mim me demorou nove dias a cá chegar e aos meus companheiros seis.

A partir daqui é sempre a subir, e mesmo conhecendo o caminho, temos sempre a esperança que depois daquela subida a estrada aplane, mas não, é outra e mais outra subida.
Antes de Caldas já tínhamos feito a subida das bombas (como lhe chamamos) e que foi um belo petisco de vários quilómetros sempre a subir, assim, só para abrir a pestana!

Santiago já se perfila no nosso horizonte e, agora, não há cansaço que resista a uma força que fomos buscar sabe-se lá onde. A Praça Obradoiro já está ali quase á mão de semear e o quilómetro zero, já quase que o posso sentir debaixo da planta do meu pé.

Chegam de todo o lado e aos milhares - este parecia carregar às costas toda uma nação.

Animados por esta alegria chegámos à cidade velha, local onde pontuavam milhares de peregrinos que chegados das mais variadas latitudes exultavam de alegria, e é também essa espécie de encantamento que aqui nos trouxe; uns por razões religiosas, outros por razões espirituais, outros mesmo por mera curiosidade, mas todos sem excepção se deixam enfeitiçar pelo espírito mágico que nesta cidade se respira.

A chegada á praça Obradoiro em dia de Xacobeo, será momento inesquecivel nas nossas vidas.
El dolor és temporal - la glória es para siempre!

Chegámos dia 24 de Julho, véspera do Xacobeo, dia do nascimento do santo que dá nome à cidade.
Nesse dia, não nos foi possível chegar ao quilómetro zero já que a Praça estava a abarrotar de gente que esperava há horas pela melhor posição para ver os afamados fogos que ilustram de cor os céus de Santiago e que eu nunca tinha visto nem sei se voltarei a ver já que tal magnânimo espectáculo só se repetirá em 2021.

Napoleão, Vitor, Piteira e Ricardo exibindo orgulhosamente as suas Compostelas junto ao Km 0

Aqui postarei outras crónicas sobre o tempo que passámos em Santiago, por agora, chegámos ao nosso destino, e mais uma vez cada um de nós depois do fraterno abraço da união, recolheu-se em si no meio da multidão e endereçou os seus pensamentos aqueles a quem mais quer.

Grupo completo junto ao quilómetro 0, mais alguns intrusos que quiseram ficar na foto.

Não sei se cá voltarei no próximo ano, mas uma coisa é certa, se tiver vida e saúde andarei por aí montado na minha varanda ambulante distribuindo olhares onde me possa perder, nem que seja por meros instantes.

Y asi es mi vida
Piedra como tu.


Quero aqui agradecer a todos os que contribuíram para que esta viagem fosse de novo um sucesso.

Ciclistas:

Joaquim Miguel
Joaquim Piteira
António Piteira
Vítor Reis
Ricardo Casaca
Arlindo Pereira
Napoleão Mira

Apoios Motorizados

José Carrageta
António Lobo
Maurício Cangalheiro

PS: No nosso coração viajou também o António Serrano, que não podendo pedalar, apareceu com a família em Santiago de Compostela. Para ele os desejos de um rápido restabelecimento e que rapidamente volte ao nosso convívio, até porque não há quem cante a moda como ele, e das saladas viajeiras que provei, e que me desculpem os outros cozinheiros. Não há pai para a do Serrano!

Distância total por mim percorrida: 1072 quilómetros

Escrito por pulanito @ julho 29, 2010   4 comentários

terça-feira, julho 27, 2010

Diário de Viagem - Dia 8

Diário de Viagem – Dia 8


Pois é! Enquanto tive forças para escrever ao final da tarde a coisa foi sendo mais ou menos actualizada. Depois veio o cansaço e escrever tornou-se verdadeiramente penoso, mesmo assim, a ainda que já tenha regressado, não deixarei de relatar aqui e até ao fim esta memorável viagem de que afinal já só faltam dois dias para o final.

Chegámos ontem à Póvoa de Varzim verdadeiramente arrasados com o vento frontal que se fez sentir ao longo dos mais de 120 quilómetros em que contra ele tivemos de pedalar.
Para além do vento, que é assim por dizer o pior inimigo de qualquer ciclista, ainda tivemos a sessão de fisioterapia durante largos quilómetros através do irregular pavé do Lavre que para além de nos friccionar tudo o que é membro ainda prima pela perigosidade do traçado, acompanhado – sabe-se lá porquê – pelos irracionais aceleras desta região.
A única coisa de bom que teve este penoso percurso foi cruzarmos mais uma povoação em cuja toponímia pontuava o nome Santiago, falo da aldeia de Santiago de Labruge.
Mas este dia já pertence a ontem, e hoje, é novo dia. Um dia que se nos dá a conhecer solarengo e mansinho no que diz respeito à vertente ventosa em que os dias irados, sabe-se lá com quê, ou quem, se resolvem a atormentar tudo o que mexe e em especial esse bicho esquisito que responde pelo nome de ciclista.
Uma coisa que tenho a ressalvar é a pontualidade quase profissional destes confrades do pedal, coisa que a mim me apraz, até porque sou maníaco dessa coisa chamada: pontualidade.

À saída da Póvoa de Varzim a moral era alta.

Hoje é supostamente sexta-feira passada e estamos a caminho do coração do Minho, essa região portuguesa que para além de arrumada em lameiros, quintas e quintais, casas brazonadas ou verdadeiros solares bordados a marmórea filigrana paga com dinheiro doutros brasis e que hoje são ex-libris desta região que amo apenas um pouco menos que o meu adorado Alentejo.

Rumamos em velocidade de cruzeiro desde a Póvoa até Valença e hoje sim é dia de passeio. Os meus olhos deambulam por uma paisagem que oscila entre o verde do campo e o azul do mar, cor essa, onde muitos dos daqui naturais foram buscar para ilustrarem os olhos que lhes brilham na cara.
Gosto do Minho e não me canso de o dizer. Gosto da paisagem envolvente, da gente que nos pesos que carrega leva consigo uma vida cheia de tradição. Gosto do sarrabulho e do “binho berde “, gosto das romarias, dos cantares ao desafio e da riqueza dos trajes de Viana ou de Ponte de Lima, mas acima de tudo dá-me especial prazer a generosidade com que nos escancaram portas e vidas.

Pedalando por estradas do verde Minho

Hoje os deuses estão connosco, e não descuro neste particular a quase divina intervenção das minhas andorinhas, e pedalamos como se pairássemos.
Bicicletar tem destas coisas: entre dias de pavor, lá surge um de amor, e de repente sentimos a alegria desmedida de quem peregrina em busca do estremecimento interior a que muitos chamam: nirvana. Pela minha parte não irei tão longe, mas faltam-me as palavras para ilustrar o que a cada dia que passa sinto cada vez mais; talvez seja uma espécie de frenesim, um certo e único estado de alma, que sendo extensivo a cada um dos que aqui comigo pedalam, será forçosamente diferente em cada uma destas sete almas que a cada ano que passa, solidificam mais e mais a amizade que os une.

Já passámos Esposende e agora encaminhamo-nos para Viana do Castelo onde a paisagem do surpreendente rio Lima encimado pelo Monte de Santa Luzia conferem a esta cidade uma beleza que quase deslumbra.
Após paragem para reabastecer líquidos continuamos à beira-mar pelo serpenteado da estrada que nos vai levando a Vila Praia de Âncora, depois Moledo e finalmente Caminha, nossa última paragem antes de prosseguirmos viagem até Valença, nosso local de destino e por consequência de pernoita.

Caminha - Joaquim Miguel exulta de alegria ao descobrir à beira da estrada o nosso local de repasto.

Almoço impróprio para ciclistas - depois é que foram elas.

Levávamos na ideia comer uma sardinhada onde a encontrássemos e foi nesta localidade banhada pelo Rio Minho que desaguámos numa esplanada medieval (a condizer com a festa que por lá tinha lugar), local onde abancámos e onde descobrimos Dona Umbelina, uma minhota de todos os costados, que presumo serem sete, que do alto dos seus 74 anos, era um poço de juventude, alegria e boa disposição que fez deste repasto um momento a congelar.
Com um beijo minhoto despediu-se de cada um de nós, deixando-nos com a certeza que é desta cepa que nascem as Marias da Fonte.

A espectacular senhora Umbelina

Por via deste encontro, regámos inadvertidamente o almoço mais do que o devido, vai daí, os cerca de 30 quilómetros que nos separavam de Valença foram de um certo sufoco muscular que só amainou quando descemos das nossas bicicletas para o merecido descanso que nos esperava.

Amanhã será dia grande, o dia da chegada ao nosso destino final, mas espera-nos uma etapa de elevado grau de dificuldade que aqui relatarei logo que me seja possível.

Escrito por pulanito @ julho 27, 2010   2 comentários

sexta-feira, julho 23, 2010

Diário de Viagem – Dia 7

Diário de viagem – Dia 7


Saímos de Ílhavo animados com a ideia de que iríamos ultrapassar essa fronteira chamada Porto, e a partir daí entrarmos em território mais agradável para viajar.
O vento frontal tem-se feito sentir durante toda a viagem mas nunca como ontem, o que me deixou deveras frustrado com os deuses que mandam neste departamento da mãe natureza.
Foi uma viagem muito cansativa, que física, quer mentalmente, quer mesmo ao nível da comodidade, ou da falta dela, que é pedalar cerca de dez horas em cima duma superfície mínima.

Para ilustrar este dia que nos trouxe de Ílhavo à Póvoa de Varzim num distância de cerca de 130 quilómetros de ininterrupto trânsito, do ruído ensurdecedor do zunido da ventania e do continuo buzinar de carros e camions, vou tentar retirar da viagem o melhor que puder e souber, até porque também tivemos momentos hilariantes, imprevistos, quedas e furos, logo uma jornada cheia de interesse para quem nos lê.

Para tal vou deixar de lado o relato tradicional e à medida que for colocando fotos na net, irei comentando as ditas o melhor que puder e souber.

Arlindo Pereira avaliando os estragos da primeira queda do dia

A Queda

Quando um ciclista cai, é mais do que certo que ao levantar-se algumas mazelas se levantam com ele.
No caso presente o Arlindo caiu a baixa velocidade ao tentar transpor um passeio e pumba lá foi o pobre Arlindo mais a sua bicicleta fazer uma visita íntima ao alcatrão.
A queda ou mesmo o acidente estão sempre á espreita nesta actividade que requer 110% de atenção ao terreno por onde se rola e ao ambiente que nos rodeia e depois de muitas horas em cima da bicicleta o cansaço e a desatenção são factores que contribuem para que estas fatalidades aconteçam com mais frequência.
No caso presente, era de manhã e não tínhamos percorrido mais de cinco quilómetros, já que íamos com o tempo contado para apanhar o ferry da 8.50 horas que nos haveria de conduzir a São Jacinto.
Uns arranhões e umas escoriações foram o resultado deste percalço. Nada mau para começar o dia.

Eu, Virgilía Almeida e Joaquim Miguel em animada cavaqueira durante a travessia


Surpresas da Viagem

A Virgília Almeida apareceu no ferry que atravessa a Ria de Aveiro, e como pessoa desinibida que é logo meteu conversa connosco.
Foi uma conversa animada a que assisti e participei. Uma das vantagens de viajar de bicicleta é o conhecimento que travamos com quem connosco se cruza. No caso presente a simpática Virgília, contou-nos que era relações públicas do Regimento de Infantaria e que também ara slamer de poesia pertencendo mesmo ao círculo de poesia de Aveiro, o que naturalmente me interessou.
O Joaquim Miguel conversou mais demoradamente com a senhora e pelo que se riam, entendiam-se às mil maravilhas, provavelmente encontrando pontos comuns no desenrolar da contenda verbal que demorou o tempo duma travessia de vinte minutos.
Depois, cada um vai para seu lado ficando apenas a poeira dum breve encontro que eu aqui faço questão de eternizar conforme prometi à simpática Virgilia.

Manos Piteira pedalando contra o vento




Pedalando Contra o Vento


O dia de ontem foi um dos dias mais difíceis da minha vida de ciclista. Tanto eu como os meus companheiros sabemos que o vento faz parte das condições atmosféricas que um homem tem de ultrapassar, e quando a coisa se torna complicada, dá meia volta ao cavalo e ala para casa que se apanha o vento de costas. Mas isto é quando se a está a treinar; quando temos um determinado percurso a percorrer não podemos mudar a direcção do vento, nem podemos inverter a nossa direcção, só podemos mesmo é serrar os dentes e procurar vencer esse inesperado adversário o melhor que pudermos e soubermos.
Uma das soluções é ir fazendo carrossel, isto é: vamo-nos revezando na cabeça do pelotão de modo a puxarmos à vez e assim criarmos uma espécie de parede, ma ontem o vento parecia que vinha de todos os lados incluindo de cima.
Para além disso a zoada que faz nos ouvidos provoca uma dor de cabeça tal, que no meu caso me provoca tal irritação que mal vejo a hora de desmontar.
Enfim! Provas que temos de ultrapassar para conseguirmos o nosso objectivo que terá o seu epilogo amanhã, embora esta crónica sela referente a ontem. Confusos? Não faz mal, lá mais para a frente pode ser que se perceba.

Bem, agora vou jantar e pode ser que ainda complete este post hoje mesmo e ainda falta tanto para contar....

Chegando ao Porto pelo lado da Afurada - Gaia - a vista é simplesmente deslumbrante

O rio é a grande serpente que alimenta a cidade

Os miúdos da ribeira - atracção turística em vertiginosos e perigosos mergulhos para o rio

Escrito por pulanito @ julho 23, 2010   3 comentários

quinta-feira, julho 22, 2010

Diário de Viagem – Dia 6

Diário de Viagem – Dia 6


Esta costuma ser a etapa mais maneirinha desta aventura anual que os meus companheiros já levam na sexta virada e eu vou completar a terceira.
Para ser completamente franco, este percurso para além de previsível já se vai tornando monótono e rotineiro, o que para o relator se torna cada vez mais difícil de cronicar as incidências do dia sem recorrer à repetição, e se para tal fosse, mais valia recorrer ao relato do ano anterior, ou mesmo do inicial, para assim se achar uma peça com o sumo que o escriba de si exige.

Parecemos uns errantes ciganos à procura de um certo "eu" - e não é que gostamos disto!

Mas esta manhã quando desci à rua para saudar dia e companheiros, dou com estes em desusado alvoroço galhofeiro, isto porque, por via da chuva que se fez sentir durante a noite os equipamentos ciclisticos não secaram, vai daí improvisaram e fizeram de uma das carrinhas um estendal o que dava à caravana um ar aciganado, apátrida, assim como se fossemos judeus ou romenos sem eira nem beira onde nos acoitarmos, e apesar do meu silêncio, gostei desta variante, mais condizente com o meu espírito errante onde aventura é sinónimo de improviso, improvável e surpreendente e isso eu gosto.

A equipa de saltimbancos à partida para mais uma etapa

O caminho que nos conduz da Guia a Ílhavo seria assim que a modos de um ameno passeio se lhe retirássemos aquela “parede” de vários quilómetros que temos de galgar à saída da Figueira da Foz e de que já não me lembrava, mas mal aí entrámos vi logo que tínhamos “farinheira” para desmoer. Esta expressão não existe no léxico português, acabei de a inventar para vos impressionar uma beca mais.

Ricardo teve uma avaria - o nosso mecânico Vitor está sempre por perto. É assim uma espécie de anjo da guarda de óleo tisnado nas mãos.

É nesta estrada que o perigo espreita em cada curva, em cada berma, em cada buraco inesperado onde o ciclista faz gincana por entre pessoas, carros e sobretudo camions que por aqui são ás centenas e cada um deles com a buzina mais ensurdecedora que o outro.

Como vamos para Santiago (que é meu nome) e também me chamo Mira, achei engraçado que os meus apelidos estivessem envolvidos na toponímia desta viagem.

Bem sei que isto é quase uma questão bélica. Se compararmos um destes veículos de tonelagem avantajada com as nossas bicicletas peso pluma, estaremos, no que toca à contagem de espingardas, a comparar fisgas com obuses e eu se estivesse no lugar deles também me sentiria muito mais poderoso e arrogante.
É claro que esta é uma vertente psico-social que requer outra bagagem avaliativa que não possuo, e provavelmente poderia servir de estudo a ciclista versado na matéria e interesse no fenómeno.

Não sei falar muito bem desta zona do país. Certamente será a mais bela para os daqui naturais, mas eu tenho de ser franco e botar opinião verdadeira. Presumivelmente pelo que me irritam as estradas desta parte da pátria lusitana, pelo mau gosto da traça arquitectónica (sei que esta coisa do mau gosto é discutível, mas como sou eu que escrevo e vejo a coisa pelo meu gosto, mau gosto será aquilo que fere a minha sensibilidade plástica), até pela características dos seres humanos que por aqui habitam, são gente cinzenta, apática e até descrente, e sendo isto que sinto, não posso escrever outra coisa apenas para ser simpático.

Escrevo na madrugada Ilhavense à espera que o dia clareie e que partamos à descoberta doutras paragens que nos transportem a outros cenários, provavelmente mais rupestres, mais contrastantes, mas sobretudo mais genuínos e com isto já tenho em mente o verde Minho das terras mais a norte.

PS. São 21.00 horas chegámos há pouco à Póvoa de Varzim depois de um dia de romper com os nervos de qualquer um.
Foram muitas horas a pedalar a um ritmo muito lento em virtude do vento frontal que se fez sentir todo o caminho, mais a passagem do Porto que é sempre uma aventura e peras.

PS2:Fica aqui o relato do dia de ontem, prometendo que logo que tenha algum tempo colocarei as respectivas fotos e de madrugada escreverei a saga do dia de hoje que deveria ter sido um longo passeio, mas que se transformou num dos dias mais complicados. Estamos todos bem e a apenas duas etapas do nosso destino final.

Escrito por pulanito @ julho 22, 2010   3 comentários

quarta-feira, julho 21, 2010

Diário de Viagem - Dia 5

Diário de Viagem – Dia 5


Estamos na Guia, nosso destino final do quinto dia de viagem num percurso de cerca de 110 km.
Já descobri que para retirar um melhor rendimento da escrita o melhor é mesmo roubar ao sono um par de horas e escrever de madrugada com a cabeça fresca, já que, quando chegamos aos destinos programados o cansaço e os afazeres aprés-voyage não deixam grande discernimento para um relato que se quer interessante e que prenda o leitor à descrição da jornada.

De facto pedalar, escrever, fotografar e entrevistar quase sem parar é obra, mas compreendo perfeitamente que se pense que isto é atar e pôr ao fumeiro e nem sequer me estou a queixar, são as funções que me calharam, outros terão outra cruz para carregar.

Este quinto dia de viagem era suposto ser um dia relativamente calmo, mas, não sei se pelo cansaço acumulado se pelo permanente vento frontal, se pelo desbaste pedalante da Serra D’aire, este foi até agora o dia que mais mossa física me deixou.

À saída de Torres Novas

Mas vamos lá ao relato: Saídos de Torres Novas cerca das 8,30 horas tivemos logo ali com os músculos por aquecer o petisco da Serra D’aire, que são cerca de seis quilómetros feitos à velocidade mínima e sempre com os lancinantes gritos musculares que um esforço desta natureza implica; se a isto lhe juntarmos umas rajadas de vento frontal que quase nos tomba bicicleta abaixo já podem imaginar o petisco que tivemos de descascar logo pela manhã.
É claro que foi mais fácil do que o que estou a relatar, mas se não dramatizar a coisa, os nossos leitores ainda pensarão que andamos por aqui em alegre e feliz passeio, o que me remete para um determinado tipo de discurso arrasador e fatalista que têm alguns amigos lá da minha terra e de que aqui vos deixo alguns exemplos de como este tipo de atitude, se pode reflectir nas nossas vidas.

No ano passado voltei a fazer este percurso. Quer queira quer não, é sempre um motivo de orgulho conseguir chegar ao fim, olhar-mos para o nosso interior e naquele minuto em que todos os pensamentos rodopiam em catadupa e provavelmente com os olhos marejados de lágrimas gritarmos aos quatro ventos com toda a força que temos: YES. I DID IT.
Quando regressei ao meu pequeno mundo, encontrei um conterrâneo meu que ao ver-me chegar e em vez de me parabenizar pelo feito alcançado, atira-me um: «Então desististe, não!»
Já este ano o mesmo amigo me voltou a surpreender, desta feita à partida de Entradas.
O Ricardo e o Vítor quiseram acompanhar-me desde a minha terra. Estávamos a dar as primeiras pedaladas, pensando nas centenas de quilómetros que ainda tínhamos para vencer, quando de repente ao passarmos por ele e, em vez de um «Boa Viagem», surge o demolidor «Ah, com carro de apoio também eu!».
Tenho muitos e variados exemplos deste fatalismo depressivo que é o modo de estar de alguns (muitos) dos meus conterrâneos que escolhem a desculpa em detrimento da solução, o gozo em vez da admiração, menorizando quase sempre os desafios de terceiros.De novo o grupo para a foto habitual em Fátima...estamos apenas um ano mais velhos!



Com isto chegámos a Fátima. Não sou católico, não acredito na mensagem nem nos exemplos desta igreja, embora a respeite e lhe reconheça obra, mas também lhe conheço as manigâncias e os mais exemplos recentes e ao longo da história, mas como digo, respeito na integra os valores dos meus companheiros de suor e viagem.
Sou no entanto uma espécie de místico-céptico que gosta de ler nas entrelinhas da vida as mensagens que ultrapassam o nosso conhecimento.
Gosto de me interrogar, de me espantar e de procurar decifrar em forma de acreditação e em meu claro favor as mensagens que me penso serem dirigidas, e lá voltamos ás minhas andorinhas, minha única forma de religiosidade assumida.
Não posso deixar de me espantar com a magnitude do local que durante todo o ano acolhe milhões de visitantes peregrinos ou não. E para quem não saiba, é simplesmente o destino turístico mais visitado de Portugal, o que, por aqui se pode aquilatar da importância deste local de culto.
A nova catedral é do ponto de vista plástico uma obra ímpar, com um arrojo que não reconhecia nesta igreja e que neste particular lhes tiro o meu capacete.

Saídos de Fátima descemos freneticamente até à Batalha, outro local evocativo da história de Portugal, mas que, por razões de espaço e para não aborrecer quem por aqui passe, me vou desta vez abstrair.

Vitor Reis com um cornicho depois de ser picado por uma abelha.

Depois daqui saídos foi sempre a rolar, passando ainda pela Marinha Grande antes de chegarmos à Praia da Vieira onde abancámos para almoço e vimos os últimos 50 km dos verdadeiros sofredores do pedal que pelas vertiginosas estradas dos Pirinéus arrastam milhões de fãs mundo fora.

A nossa rapaziada dando freneticamente ao pedal

PS. Hoje vamos até Ílhavo, naquela que será a etapa mais macia. Olho pela janela e penso que não teremos vento. Parece-me que temos um dia a preceito pela frente.

PS1: Não consigo colocar fotos a partir desta localidade…logo à tarde já cá estarão.

PS2: beijo e abraços e até logo.

Escrito por pulanito @ julho 21, 2010   6 comentários

terça-feira, julho 20, 2010

Diário de Viagem - Dia 4

Diário de Viagem – Dia 4


Com o pensamento no nosso companheiro António Serrano que está em recuperação de uma maleita que o não deixou vir connosco este ano…e bastante falta nos faz!



Saímos da Graça do Divor lá por essas sete da manhã. O Céu apresentava-se cor de chumbo e ameaçava chover, o que é sempre mau augúrio para quem pretende pedalar.
Lá partimos para a etapa mais longa deste périplo (155 km) que nos trouxe de Divor a Torres Novas.

Carrajeta, J. Miguel, Ricardo, Vitor, J. Piteira, Arlindo, eu , A. Piteira e A. Lobo à partida de Divor para Torres Novas.

Das três vezes que já fiz esta etapa, esta, foi a vez que menos me custou, até porque o clima estava ameno e vencemos muitos quilómetros antes da temperatura começar realmente a aquecer.
Este ano temos dois carros de apoio: um conduzido pelo inevitável Carrajeta e o outro pelo António Lobo que se tem revelado um autêntico Divoriano no que diz respeito ao espírito de equipa.
A etapa não tem nada que aqui não tenha já contado em edições anteriores, até porque o percurso é exactamente o mesmo, o que faz com que este pobre escriba tente encontrar motivos de interesse que ainda não tenha por aqui debitado.
Passámos por Montemor, terra touros e toureiros, onde a afición habita à flor da pele de muitos dos que por aqui vivem. Ao passar na avenida principal lembrei-me da última vez que aqui estive para escolher touros para a corrida anual de Entradas. Comi no Restaurante O Bacalhau junto ás bombas da Repsol. O Bacalhau grande aficionado da tauromaquia e do bom prato, a par de sua mulher oferecem a quem os visita uma cozinha cheia de predicados e confeccionada com todos os preceitos incluindo aquele que é fundamental na cozinha alentejana: o carinho. Seguimos caminho até Foros de Vale Figueira onde fizemos a primeira paragem matinal para reforçar os hidratos de carbono para que possamos fazer face ao desgaste que à nossa frente se afigura.
De quando em vez, quando relato as nossas viagens a quem mo pede, algumas pessoas incomodam-se com as nossas paragens dizendo até que isso é batota, que não deveríamos parar, já que nas corridas os ciclistas são abastecidos em andamento. Pois bem, deixem-me fazer um esclarecimento a estes interessados nas nossas aventuras pedalantes.
Nós não corremos de bicicleta; viajamos de bicicleta o que é bem diferente!
Depois desta paragem estratégica lá seguimos caminho em direcção a Lavre. Ao aproximar-me desta povoação relembro de imediato o recém-falecido José Saramago e o seu primeiro grande romance Levanto do Chão que após a sua morte ando de novo a ler.
Olho o ondulado do terreno à minha volta e imagino a saga dos Mau-Tempo que por estas bandas passaram fome e humilhação que a estas poucas décadas de distância parece facto impossível, mas que eu nos meus 54 anos ainda me recordo perfeitamente da divisão de uma sardinha para dois e de outros episódios em que o estômago ficava colado às costas por falta de que lhe dar.
Nesse tempo, minha tia Francisca era o meu porto de abrigo. Por vergonha não pedia, mas os meus olhos denunciavam a fome que me esventrava, e esta, repartia comigo o pouco que para si guardava, talvez seja por isso que este romance me toca tão fundo.

Escrevo de madrugada em Torres Novas…agora tenho de ir.....(saída apressada!) regressarei à tarde já na Guia para terminar este relato de ontem e o que vai agora começar.

Já cheguei à Guia (que fará parte doutro diário de viagem) onde vou tentar acabar a crónica respeitante ao dia de ontem.

A caminho de Coruche...afinal a ponte é vermelha. Onde fui eu desencantar que as pontes eram amarelas!


Numa etapa como esta parece que a estrada não tem fim, a mesma conversa já deu a volta três vezes e não há meio de se avistar Coruche com as suas pontes amarelas prantadas sobre o verde-esmeralda dos arrozais que pelo tamanho das plantas se me afiguram estar em tempo de ceifa.

O Piteira na paragem de Coruche. Não sei se está a fazer alongamentos ou alguma pega de caras! A mim parece-me que está a tentar pegar qulaquer coisa.


Rodamos pelo centro de Coruche quando me lembro que o nosso ausente companheiro António Serrano quando aqui chegou no ano passado já tinha caído duas vezes, mas apesar das mazelas visíveis nos cotovelos e joelhos a boa disposição era coisa que não faltava a este companheiro a quem ontem fizemos votos de rápido restabelecimento e em nome de toda a equipa aqui lhe desejamos que regresse o mais depressa possível ao nosso convívio.
Para chegar ao jardim donde se avista a imensa planície ribatejana e onde fazemos habitualmente nova paragem, há que galgar uma daquelas subidas em que por momentos desejávamos ali não estar, mas são os ossos do ofício!

Depois desta rápida paragem rumamos em direcção a Almeirim e em seguida Alpiarça onde aí sim fizemos junto á Barragem dos Patudos a nossa refeição alentejana.
Na mesa nada faltava. Queijos, enchidos, azeitonas, panados, fruta, bolos e salada completavam o cardápio destes esfomeados pseudo-ciclistas.
Esta coisa de andar de bicicleta abre o apetite a qualquer um e vai daí a comer este mundo e o outro, não vai distância que nos atrapalhe, pelo menos a mim que sou dos mais alarves quando toca ao exercício da mastigação, sendo o Joaquim Piteira e o Joaquim Miguel os mais comedidos, ou mesmo ajuizados.

Joaquim Miguel é como uma meretriz low-cost; deita-se em todo o lado, até numa rampa para deficientes!



Depois de almoço o corpo pede repouso nem que seja por breves e retemperadores instantes, coisa a que Joaquim Miguel jamais se nega.

De regresso à estrada levamos a Chamusca como destino imediato, mas o raio da localidade teima em não aparecer no final do túnel que a ilusão de óptica provoca.
Os quilómetros começam a pesar, o calor a apertar e de Chamusca nem novas nem achadas, até que finalmente entramos nesta vila ribeirinha banhada pelas águas do Tejo, rio esse, que um dia Manuel da Fonseca disse que levava nas águas segredos de par em par, que lavava a cidade de magoas e as levava para o mar, e é nisso que penso quando atravesso a ponte que liga esta localidade à outra margem e onde a Golegã não só é a capital do cavalo, mas também uma singular terra ribatejana com o sempre presente Tejo como testemunha do que aqui acabo de proferir.

Daqui a Torres Novas só nos falta lá chegar, mas Riachos ainda se intromete no nosso itinerário e ao por aqui passar não posso deixar de pensar em Pedro Barroso, cantautor de elevado gabarito e de que gosto particularmente….para me distrair assobio..olhá perninha da menina..olhá perninha a dar a dar…

Torres Novas está ali à distância de meia dúzia de pedaladas e já só vejo horas de entregar a bicicleta ao primeiro cigano que me aparecer, sendo assim que no seio do grupo e sem qualquer sentido pejorativo costumamos afirmar a nossa fartação do nosso cavalo andante que já nos vai causando cãibras e dores no traseiro que me escuso aqui de relatar.

Aspecto do Jantar em Torres Novas

Ficámos no Hotel Torres Novas no centro da praça principal desta cidade. Não vou aqui tecer comentários em relação à unidade hoteleira que aqui não têm cabimento e não é meu propósito analisar os estabelecimentos onde nos alojamos, até porque normalmente uma cama e um duche é o que necessitamos, mas devo aqui referir e em jeito de remate final que o jantar estava simplesmente divinal e assim sendo não podia deixar de recomendar a quem por aqui passa se por acaso forem para as bandas de Torres Novas, come-se divinalmente e a preço justo no hotel que leva no seu nome o nome da cidade onde está localizado.

Até logo ou até amanhã…com o relato do itinerário Torres Novas - Guia

PS: Fotos dentro de algumas horas..

Escrito por pulanito @ julho 20, 2010   0 comentários

domingo, julho 18, 2010

Diário de Viagem - Dia 3

Diário de Viagem – Dia 3

Dia em que dedico todos os meus pensamentos à minha filha Catarina que completa hoje (18 07 2010) dezanove anos.


Ainda meio azamboado acordo com o nascer do dia. Levanto-me e saúdo as minhas andorinhas que num estranho bailado me parecem dizer qualquer coisa. Talvez estejam apenas felizes pela sua terceira criação, talvez me queiram agradecer a casa de banho que lhes fiz propositadamente, para que a ninguém passe pela cabeça derrubar o ninho das benditas aves negras da minha crença.

Minhas jovens andorinhas de 3ª criação à espera do peq. almoço. Reparem no enquadramento da casa de banho para andorinhas por mim inventada.

Já rearumei tudo, agora só espero a chegada dos meus amigos que prometeram fazer comigo este caminho no dia de brasa que se avizinha.
O primeiro a chegar foi o João Matos, e á hora prometida, Carrajeta, Ricardo casaca e Vítor ali estavam para me amenizar a etapa de hoje que se afigura acima de tudo: escaldante.

João Matos, eu, Ricardo e Vitor à partida de Entradas

Saímos de Entradas em direcção ao Carregueiro em velocidade foguete, quando voltámos em Aljustrel para Ervidel e depois Ferreira do Alentejo a pedalada dos dois arrastões dianteiros (João e Ricardo) fez com que chegássemos a Ferreira em pouco mais de hora e meia para cobrir os 44 km em que o João Matos se comprometera a ajudar-nos, regressando de seguida a Castro Verde antes que o Sol do alto da sua fogueira de raios fizesse das suas.

Continuámos a uma velocidade interessante em direcção a Odivelas e depois Alvito, onde fizemos a primeira paragem para reabastecimentos sólidos, coisa que o meu corpo me pedia insistentemente há algum tempo.
Combinámos parar em Viana do Alentejo - que daqui dista pouco mais de dez quilómetros - para aí comermos uma bifana e voltar a seguir viagem.

Bonita rua da singular vila de Alvito de que gosto bastante. Também foi a única altura que pude parar para fazer uma foto, tal era a sofreguidão de chegar.

De Viana a Alcáçovas são uma vintena de quilómetros, coisa que fizemos quase na totalidade na aspiração de um tractor, coisa que nos facilitou a vida, já que continuando a pedalar debaixo da torreira do sol que agora se fazia sentir sem apelo nem agravo, fazíamos metade da força e isso foi uma boa ajuda durante mais de dez quilómetros.

O singular Café Maravilha com a senhora Guilhermina ao balcão

Em Alcáçovas, terra de chocalheiros e de gente boa, revisitei a taberna da senhora Guilhermina, que apesar de só me ter visto uma vez na vida e por escassos minutos se recordava de mim, como se aí houvera estado ontem mesmo.
Um dos clientes também se recordava de mim e eu dele, o que quebrou ali de imediato o gelo. Voltei a pedir à senhora que deixasse fotografar o seu bonito estabelecimento, coisa a que acedeu, ficando nas fotos que agora vos apresento.

As inevitáveis botas entre a Macieira e o Gás para o isqueiro. Um must.

Nas prateleiras, as inevitáveis faquinhas em rifa, botas domingueiras e de trabalho, outras de cano alto ou de meio cano, são também alguns dos produtos que se podem por aqui adquirir enquanto se deita abaixo um copo de tinto alentejano, ou então, a princesa das tabernas alentejanas, mais conhecida por: mine.
Senhora Guilhermina quer saber como tenho passado e interessa-se genuinamente pelas minhas viagens ciclo-pedalantes. Lá lhe contei sumariamente o que tenho feito depois da última vez em que aí passei em 2007, incluindo a história do meu abalroamento em tarde de Agosto do ano em que descobri o Café Maravilha (que é o mesmo que taberna da senhora Guilhermina).

Resquícios duma grandeza que já não volta - A antiquíssima mercearia da Sra. Guilhermina

Ao meter o nariz pela porta que dá acesso ao “backstage , reparo numa antiquíssima mercearia que fazia parte deste “império” comercial. Volto a pedir que mo deixe fotografar, coisa a que a simpática senhora anui com especial prazer.
Já dentro do estabelecimento, agora de portas fechadas ao público, reparo que deve ter tido fulcral importância na vida da comunidade Alcaçovense.
Senhora Guilhermina concorda comigo e diz-me ter o estabelecimento mais de 100 anos. Pela visita de médico que lhe fiz, deu para reparar que para além do estabelecimento de vinhos e petiscos, também esta casa já teve geminada um mercearia fina e do outro lado da loja, as prateleiras vazias daquela que poderá ter sido um concorrido retroseiro de Alcáçovas, mas isto sou eu a conjecturar, dona Guilhermina me há-de esclarecer em oportuna passagem por terras chocalheiras.
Despedidas feitas e ala que se faz tarde até ao nosso destino final que é Santiago do Escoural e que daqui dista mais outros vinte quilómetros.

O grande Ricardo Compõete Casaca, aqui mais na pela de Sadam Hussein. Acho que a sra lá atrás está a gozar com ele. Pudera ele disse que a sra teria 82 anos quando afinal era mais nova que ele (58)

Vitor - Grande amigo e companheiro de viagem

O insubstituível Carrajeta - e mais não digo!

Contas feitas, brasa de bezerrar, água sempre a aquecer e o grande desejo de aí chegar o mais rapidamente possível.
Joaquim Miguel sai-nos ao caminho e acompanha-nos de carro até Santiago do Escoural onde nos fotografámos para a posteridade e para dizer que daqui até Compostela o único Santiago que perdurará serei eu, que conto entregar o testemunho virtual da nossa viagem aqueles a quem mais queremos e para o dia presente, voarão todos os meus pensamentos direitinhos ao coração da minha filha caçula que faz hoje dezanove anos.

Chegada a Santiago do Escoural - Cansados mas felizes.


Escrevo na casa do Joaquim Miguel e da Maria Adelina, casal que conheci há três anos e de quem me tornei amigo e onde venho asilar em véspera de partida para Torres Novas, nossa etapa de amanhã,

Não tenho aqui deixado dados técnicos das etapas já percorridas, mas posso dizer que com os 130 quilómetros de hoje já cá cantam e contam uns bons 370 quilómetros percorridos.

Abraços e beijos e até amanhã desde Torres Novas

PS: perdoem qualquer coisinha. A crónica foi escrita assim de jorro, mas não me apetece corrigir absolutamente nada..

PS2: Quando chegámos a Santiago do Escoural a temperatura exterior era de 37º . agora imaginem o que é pedalar debaixo deste braseiro.

Escrito por pulanito @ julho 18, 2010   3 comentários

sábado, julho 17, 2010

Diário de Viagem - Dia 2

Diário de Viagem – Dia 2

Hoje é sexta-feira dia 16 de Julho, são sete e meia da manhã e acabo de dormir uma noite como há muito não dormia. Ainda vou rejuntando os ossos da tareia que ontem levei, mas sinto-me muito mais confiante, até porque as maiores contrariedades já as pus para trás das costas.

A deslumbrante vista da casa do mano Pedro Souto

Saio à rua a saudar a manhã, que vista da casa do mano Pedro, é apenas de cortar a respiração. O serpentear do rio que levo no apelido, empresta à paisagem as linhas que lhe faltavam para que o êxtase seja o adjectivo correcto.
Havíamos combinado previamente tomar o pequeno-almoço no Cercal, coisa que fizemos metendo na caixa da sua Fiat Strada bicicleta e bagagem.

À entrada da serra do Cercal

Na estrada que leva a Santiago do Cacém despedimo-nos com a fraternidade dum abraço de irmãos; ele lá foi à sua vida de manter com saúde uma população que lhe está entregue e eu sou devolvido à solidão do asfalto.
Espera-me uma nova serra, desta feita a do Cercal, mas como tenho o vento de costas, a coisa vai-se fazendo com esforço mas nada comparado com o dia de ontem.

Ao cimo da serra, dou com um grupo de altivos corticeiros que de machado em punho retiram aos sobreiros a cada nove anos que passam essa carapaça de riqueza milenar que dá pelo nome de cortiça.

Um dos jovens operários posa para a foto e por isso tem direito a aqui se apresentar.

Santiago do Cacém está ali a menos de meia dúzia de quilómetros. Animado por esta boa noticia, pedalo ainda com mais vigor, e quando encontro a placa indicadora de que cheguei, deixo-me fotografar pelo clique do meu dedo, deixando assim em memória fotográfica a minha passagem por esta primeira terra que leva Santiago no nome.

Chegada a Santiago do Cacém

Os mais atentos saberão que pretendo atravessar as terras que tenham ou tenham tido Santiago no nome e que estejam dentro do meu percurso. Sei que muitas outras existem, mas seria humanamente impossível e com o tempo que disponho de todas elas visitar.

Daqui seguirei para Entradas, que já teve me tempos Santiago na sua toponímia e que eu recorrendo a truque de computador repus simbolicamente para imortalizar o espírito desta viagem.
São Domingos

De Santiago do Cacém a São Domingos dista mais ou menos uma vintena de quilómetros e com o vento de costas e a inclinação do traçado a meu favor, sinto que vou chegar adiantado à Mimosa, onde me devo encontrar perto das 13 horas com o meu primo Luís Coelho e o João Matos, outro correligionário das lides ciclantes e que aqui já tem sido citado em anteriores viagens em que faz o favor de me acompanhar.

Eu, João Matos e Luis Coelho à partida da Mimosa

Meu primo Luís Coelho, ou muito me engano, ou não tardará muito a que se aventure a connosco partilhar estrada, cama e farnel. Leio-lhe nos olhos essa sede de partida e sei que é moço para quebrar mas nunca torcer, por isso já sabes: Estás convocado!

Para o João Matos vai a mesma recomendação, até porque este não necessita de estar em forma. Tem milhares de quilómetros nas pernas e como lá para Outubro virá a liberdade, a coisa começa-se a compor para que possamos fazer umas passeatas daquelas de ir e não voltar. Estás convocado!

Os 40 quilómetros que separam a Mimosa de Entradas foram feitos em marcha algo lenta, até porque se me começou a reflectir nas pernas a tareia que ontem levei.À chegada a (Santiago de) Entradas

Mas pronto cá estamos. Escrevo hoje Sábado, já que ontem me foi de todo impossível actualizar o Diário de Viagem.

Amanhã partirei de Entradas em direcção a norte passando por Santiago Maior e Santiago do Escoural, na companhia dos meus amigos Vítor e Ricardo que fazem o favor de virem de Évora para me acompanhar. O João Matos, mais uma vez faz questão de me dar o seu apoio e também comparecerá.

Pela tardinha deparei-me com o primo Zé das Pestanas lendo o meu "Ao Sul " - No mínimo enternecedor!

Entretanto em Entradas decorre a bom ritmo as filmagens da série “ O Segredo de Miguel Zuzarte” que será transmitido em dois episódios de 55 minutos a 9 e 10 de Outubro, e onde muitos dos meus conterrâneos fazem a sua estreia no cinema.

Não se esqueçam de divulgar mais esta aventura de Pulanito e seus amigos, de a comentar, até porque isto sem comentários não tem graça nenhuma.
Abraços e até amanhã, já desde a Graça do Divor….

Escrito por pulanito @ julho 17, 2010   11 comentários

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