Esta Lisboa Que Eu Amo
Houve um tempo (largo por sinal!)
em que eu e Lisboa nos divorciámos.
Como fui eu que o pedi, ela ficou,
eu parti.
De vez em quando regressava. Quando
o fazia sentia uma certa nostalgia da cidade onde crescera e me tornara homem mas,
ao mesmo tempo, também sentia um desejo inabalável de deixar para trás a ponte
que nos separava e rumar ao sul.
Eram sentimentos ambíguos. Uma
parte de mim, pedia-me para ficar, a outra, implorava-me que zarpasse.
A que me pedia para ficar,
remetia-me para aquela maneira de estar alfacinha de que sempre gostei. Para
aquele bairrismo aldeão que faz com que Lisboa seja o pedaço de território
português com mais aldeias por quilómetro quadrado. Talvez imbuído nesse
espírito, Alberto Caeiro escreveu um dia,
quiçá sentado à sua beira: O Tejo é o
maior rio que corre na minha aldeia.
Depois ausentei-me quase de vez e
as visitas tornaram-se mais esporádicas.
No passado fim de semana regressei
e fiz as pazes com ela.
A cidade que eu afinal sempre amei,
desculpou-me e recebeu-me de braços abertos. De braços abertos para um rio que
quando eu partira vivia de costas voltadas para ela.
Na noite em que cheguei desci às
Portas de Santo Antão. Amália regressara ao Politiema e a sua herdeira, Gisela
João, actuava no Coliseu.
Caramba! Lisboa resplandecia de
orgulho nos seus. Optei pelo furacão minhoto que conquistou Lisboa e o mundo.
Emocionei-me com o trovão na voz
desta pequena mulher que se agigantava no palco como Amália o fazia sempre que
pisava as tábuas do velho Coliseu, conquistando uma, e agora a outra, o aplauso
generoso de quem teve a sorte de as ver evoluir no tabuado.
Na manhã de sábado regressei ao
Rossio. O Paulo engraxador com caixa
pela baixa, abrilhantou-me os sapatos
enquanto eu degustava a intemporal ginjinha. De repente, senti que estava em
casa. Que afinal, eu sempre ali pertencera.
Que para além de Alentejano, também
era Lisboeta. Que esta Lisboa que eu amara e, afinal amo, me aguardara
resignada durante todos estes anos.
Subi devagar ao Chiado respirando
os ares cosmopolitas desta Lisboa da moda.
Já na Rua do Alecrim degustei uma
excelente refeição no novíssimo Palácio do Chiado, outrora Palácio Quintela onde,
para além das iguarias aqui servidas fruto de um cardápio variado, revisitei o
espírito de Eça de Queirós e de uma Lisboa novecentista que ainda me baila na
memória e que me deu vontade de a ela regressar em próxima leitura do grande
mestre.
Descendo a rua que tem nome de erva
de cheiro, rumei ao Cais do Sodré.
Já próximo do seu final deparei-me
com um novo conceito de barbearia, de seu nome Fígaro, que me fez viajar no
tempo até uma Lisboa dos anos vinte.
Uma bateria de barbeiros avant garde munidos de tesouras e
navalhas rodopiavam à volta de clientes ávidos de um look condizente com o espírito pós-moderno da renovada capital.
Definitivamente, esta cidade está
mudada...e para muito melhor!
Descido ao rio que, agora namora
com aquela com quem vivera de costas voltadas, volto a surpreender-me.
Aqui, à beira-rio, pulsa uma cidade
que desconhecia. Uma cidade que fez as pazes com o seu amor de sempre, que
agora, em segundas núpcias, parecem fazer juras de não mais se separarem.
Lá mais para a frente, já com
Alcântara na retina, visitei o novo MAAT – Museu de Arte, Arquitectura e
Tecnologia - que me deixou abismado pelo
seu arrojo arquitectónico e pela modernidade da exposição visitada.
No regresso apanhei um UBER, e
jurei não voltar a apanhar um táxi em Lisboa. Barato, limpo, funcional, moderno
e educado, tudo o que falta à maioria dos taxistas da capital.
Ainda regressei ao Parque Mayer
para, no novo Capitólio, assistir ao espetáculo de homenagem à chilena Violeta
Parra e para revisitar amigos que há muito não via.
Com o machado de guerra enterrado,
as pazes feitas, o armistício assinado, jurei voltar logo que possa. A uma
Lisboa que eu amo e que, de certeza, nunca terei deixado de amar.
Publicado na edição de 13/04/2017
do Correio Alentejo.
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