Café Império - Sobremesa da Memória!
Já não entrava no "Império" há pelo menos vinte e cinco anos. Aí chegados, viajei no tempo e lembrei-me de imediato do "Império" de outros tempos, com o seu trintanário à porta vestido com o samarrão verde escuro com o seu imponente acordoamento dourado que lhe povoava peito, conferindo-lhe um ar imperial a condizer com o nome do estabelecimento.
Desço as escadas e à medida que o faço, novas memórias me assaltam. Revejo a enorme sala, onde clientes e empregados estão envoltos numa nuvem de fumo. As enormes ventoinhas fazem a extracção possível. Atarefados empregados fardados de jaqueta branca e calça preta, atendem a clientela que à volta das mesas redondas conversam em animadas tertúlias, enquanto estes manejam bandejas pejadas de bicas e copos de água num raro exercício quase...quase circense!
Engraxadores chegaram a ser cinco e empregados de mesa 70, conforme me confidencia José Gonçalves, empregado na casa desde 1971 e o último depositário de uma memória que agora o novo Café Império quer preservar.
Numa Lisboa de brandos costumes, era nos cafés que se estudava, conspirava e “engatava”. Pela manhã, bandos de estudantes mergulhavam em calhamaços de empinar matéria, enquanto se perdiam em eternidades no exercício de misturar o açúcar com o café no rodopio infinito da minúscula colher.
Pela tarde chulos de penteado acabado de fazer no barbeiro da esquina, piscam o olho a fêmeas que se dão por ali “ à morte” num exercício de presa e caçador, sendo que normalmente é o caçador que é caçado.
O Império fechava às 2.30 horas e pela noite dentro servia os famosos bifes que lhe trouxeram fama e rivalidade com os outros da Portugália, havendo mesmo partidários de um e outro naco de carne banhado em molho de entrada.
Há cerca de quatro anos o café foi vendido à IURD. Na “sensível” intenção destes propagadores da palavra de Cristo, pretendiam fazer deste histórico local um parque de estacionamento, arrasando para sempre o espaço idealizado por Cassiano Branco que em parceria com Edgar Cardoso levaram do papel à tridimensão no ido ano 1954 esta sala de visitas de uma certa Lisboa.
Chamaram os artistas plásticos Joaquim Barradas e Luís Dorié, este, discípulo de Almada Negreiros, para abrilhantarem com o seu génio as paredes do Império.
Uma disposição camarária que determinou que o Império fosse considerado imóvel de interesse arquitectónico, fez com que os projectos Iurdianos não fossem avante.
Em boa hora tal aconteceu. O espaço reabriu noutras mãos que o recuperou e voltou a servir os bifes que lhe deram fama.
O charme do velho Império esvaiu-se no tempo, mas é de louvar a intenção que os novos proprietários lhe pretendem incutir.
O espaço é agora muito dedicado ao futebol, que é, e sempre foi coisa de café, utilizando as novas tecnologias, nomeadamente um ecrã gigantesco que dá a ideia de estarmos em pleno estádio.
Foi bom regressar ao novo - velho Império, não tanto pelo bife que me pareceu ter de melhorar significativamente, mas pela sobremesa da memória com que fui presenteado.
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