Dia 8 - De Baiona a Santiago de Compostela - 138 Km
Grupo à partida de Baiona com as três senhoras que de nós fizeram questão de se despedir. São elas: Ana Paula, Graça e Olga.....e mais não sei.
Escrevo com alguns dias de atraso depois de ter resolvido um problema técnico que sofri no meu computador durante a viagem, que não me deixou escrever “ a quente” as peripécias das duas últimas jornadas. De qualquer modo aqui vai o relato dessa derradeira jornada, que para mim foi uma prova que incluiu algum sofrimento o que fez com que a chegada à Praça Obradoiro em Santiago de Compostela fosse revestida de especial emoção.
Durante a noite já havia sentido o incómodo do latejo que a minha derme estava a sofrer, mas devido ao cansaço mesmo assim consegui dormir.
Pelas seis da manhã acordei e fui à casa de banho. Queria-me ver ao espelho porque suspeitava que algo de anormal se estava a passar comigo.
Olhei-me ao espelho e reparo que tenho a parte direita do rosto inchada mal podendo abrir o olho o que me ia deixando deveras preocupado à medida que inspeccionava o meu corpo.
Nas zonas onde apanhei sol a minha pele estava em bolhas que me transfiguravam o aspecto e de que ainda hoje não me livrei.
Nunca equacionei abandonar a viajem em bicicleta mesmo que tal implicasse um maior agravamento do estado. Para tal fui-me aconselhar com o Joaquim Miguel que verificando que o abandono da prova estava fora de questão, me recomendou que me cobrisse o melhor possível de modo a não apanhar sol e que me medicasse com um creme anti-histamínico para que atacasse desde logo a maleita que me afectava.
O dia estava resplandecente, e à partida, depois de besuntado lá nos perfilámos para a foto da praxe quando aparecerem três senhoras portuguesas com quem os restantes companheiros haviam trocado uns dedos de conversa a pretexto do aniversário do Carrajeta, segundo me contaram.
Fizeram questão de aparecer à partida e foram convidadas para connosco posar para a posteridade.
À medida que começámos a pedalar em direcção a Vigo senti de imediato a alergia a expandir-se no meu corpo o que me incomodava seriamente.
Chegados a Vigo lá tivemos de atravessar esta urbe congestionada e que à imagem de outras, pouco paciente para com quem se desloca em duas rodas.
É sempre um “pincel” esta coisa de pedalar com os pés pregados nos pedais e atravessar cidades pejadas de veículos que nos surgem por todos os lados, pregando-nos ocasionalmente um ou outro susto especialmente quando se trata de resgatar de imediato os pés dos pedais.
Um arreliador engano obrigou-nos a pedalar em circuito urbano por mais tempo que o desejado, incluindo uma subida de inclinação vertiginosa que fizemos na mais leve das mudanças e com o rabiosque levantado de forma a podermos vencer tão inesperado desafio.
Depois de Vigo pedalámos até Pontevedra, outra bonita cidade galega que atravessámos sem quaisquer delongas.
Última avaria da jornada...partiu-se um raio na roda traseira do Joaquim Miguel..reparou-se e lá seguimos...
Devo referir que este percurso é sempre chatinho. Muita subida daquelas que se fazem bem, mas de tão longínquas que são, vão-nos lentamente derretendo os músculos.
Por esta altura, estou perfeitamente ao rubro e só penso em parar para descansar e refrescar os locais mais latejantes do meu corpo, mas mais uma vez uma nova estrada fez-nos enganar no percurso e papar uma subida de inclinação muito acentuada que me deixou marcas no ânimo que me catapulta.
Chegados a Caldas de Reis, local previamente escolhido para a última paragem antes de Santiago (estamos a 40 Km) tendo-nos dirigido a uma pequena praça onde o proprietário do estabelecimento onde abancámos já nos conhecia de outros anos.
Estou feito em papa. Uma ou outra voz, aventa a ideia de que seria bom eu desistir, o que recuso veementemente. Afinal seria como morrer na praia. Estamos a muito poucas horas desse momento único que é cruzar o quilómetro zero e querem que desista…nem pensar.
Joaquim Miguel pergunta-me pela respiração. Digo-lhe que está impecável, o que o faz descansar.
No entretanto o nosso médico e chefe de fila decide ir ao carro buscar ao que penso um medicamento para me dar e nota a falta da sua bagagem. Havia ficado em Baiona no hotel, coisa que confirmámos via telefone.
Foi então decidido pelos meus companheiros num gesto de genuína solidariedade (que lhes agradeço do fundo do coração), que esperaríamos todos que este regressasse de Baiona e quando voltasse, já o sol haveria rodado o suficiente e também já não estaria tão agressivo, coisa que se revelou para mim uma dádiva.
Lá me besuntei á palhaço rico, vesti calças e camisola de manga comprida e partimos para os derradeiros 40 Km.
Depois de passado Padrón, já cheira a Santiago e as suas subidas acentuadas a dizerem-nos que é necessário merecer aí chegar, mas com alguma dose de perseverança e paciência também nós havíamos de lá chegar.
O abraço da chegadaQuando entramos na avenida principal que conduz ao casco velho da cidade, local onde se dirigem todos os peregrinos vindos dos mais recônditos cantos do planeta, uma multidão que responde a um chamamento que não tem de ser forçosamente religioso sem nunca deixar de o ser, se é que me faço entender.
Ao entrarmos na Praça Obradoiro, pensamos nos nossos, naqueles por quem corremos mundo, por quem corremos perigo (não é Caetano Veloso?), e num raro momento de interiorização solitária derramamos a lágrima que guardámos para tão solene ocasião.
Olho à minha volta. O astro rei está quase a desaparecer e na cara de cada um que ali chega, a mesma sensação de alivio, o mesmo sorriso de felicidade, as mesmas dores que se ignoram no mesmo e sentido abraço que trocamos entre nós.
Joaquim Miguel diz-me: A ti não te abraço, dou-te um beijo porque bem o mereces!
Os navegantes da epopeia de 2009 foram:
Joaquim Miguel Bilro
Joaquim Piteira
António Piteira
Arlindo Pereira
Vitor Reis
António Serrano
Ricardo Casaca
Napoleão Mira
Maurício Marques
Carrajeta
A todos o meu mais sentido obrigado pelo apoio, pelo companheirismo, pela solidariedade e acima de tudo pela amizade…e até para a o ano.
3 Comments:
Na foto lá de cima o Serrano está a rir de quê ?
.."uma multidão que responde a um chamamento que não tem de ser forçosamente religioso sem nunca deixar de o ser, se é que me faço entender"..
....E a lágrima sentida em surdina, escondida por detrás da lente escura,vinda do âmago do subconsciente.Não nega o sentimento e não precisa,nem pode, ser explicada.
Secretamente transmite a recordação do que jamais será esquecido .
A chuva foi uma constante...
Haja Saúde
jm
Amigo Napoleão
pelo que li, a epopeia não foi fácil.Quedas,avarias, maleitas,chuva e sol,tudo contribuiu para um fim que embora penoso,certamente terá deixado em todos vós um reconfortante sentimento de missão cumprida e uma maior e mais forte amizade que vos enlaça.Obrigado pois, por nos presentear com estes magníficos relatos.Um abraço.
jmatos
Enviar um comentário
<< Home