Tailândia - Ko Si Chang 19 de Dezembro de 2013
A três dias de regressarmos à pátria do vinho tinto, finalmente o O dolce fare niente que ambicionávamos. Dormimos como dormem os justos despertando unicamente por volta das 8.00 horas da manhã. Com as mercas feitas ontem tomámos no nosso minúsculo terraço um retemperador pequeno-almoço.
Dou um pequeno passeio em frente à casinha onde habitaremos os próximos dias e acho-lhe uma graça imensa. Tem assim um ar colonial e está irmanada por outras de igual projeto, mas pintadas de cores diversas mas sempre garridas. A nossa tem aquela cor que não sei definir mas a que há muito chamo de “azul do carro do Mendes”, um tonalidade entre os azuis celeste e marinho.
Tenho dois hábitos matinais. Café e jornais. Como os jornais aqui estão fora de questão, parti à procura do café. Percorri as estradas pela direita como por aqui é preceito e voltei a parar à porta do 7/11 onde tinha reparado existir uma espécie de máquina de café. Como tudo estava escrito na língua local tive de pedir ajuda a uma funcionária, mas quem se prontificou a ajudar-me foi um outro colaborador que para além de tailandês, era também portador de síndrome de Down. Resultado: o rapaz tinha a melhor das vontades em me ajudar. Queria mesmo fazê-lo a toda a força, mas eu não me conseguia fazer entender e ele, por seu lado, também não me ajudava.
Desmanchámo-nos os dois a rir, já que a única palavra que em que coincidíamos era “café”, mas o raio da máquina apenas deitava água quente. Registei a boa vontade do rapaz, paguei a beberagem a que um saco introduzido na água quente dava um ar de café e quando cheguei cá fora meti-o no primeiro caixote do lixo que encontrei.
Eu e 125 Azul
Voltei à minha motoreta. Rodei em velocidade tartaruga na expectativa de encontrar um estabelecimento que vendesse um café decente. De repente mesmo à minha frente um placard, em inglês e tudo, anunciava “ Fresh Coffee”. A proprietária uma senhora de inexcedível simpatia convidou-me a entrar, descalcei os chinelos à porta e bebi ali um café que reputo de bebível.
Por esta altura já terão reparado que o recurso a tanto detalhe, é próprio de quem não tem nada para fazer ou para contar. A não ser que vos fale do manso marulhar das ondas em desmaios sucessivos a meus pés. Talvez devesse também falar das aves canoras tropicais que em voos rasantes povoam o cenário que se me é dado observar.
O nosso paraíso para os próximos dias
Talvez pudesse isolar o ruído do motor de um barco desportivo que leva dentro sonhos e turistas em gritinhos histéricos de quem exterioriza medos e alegrias. Talvez pudesse falar-vos de tanta coisa como até de coisa nenhuma, que é o que vou agora fazer, mas prometendo aqui voltar com o verbo olhar na ponta da caneta, partilhando com quem me lê, estes raros momentos em que a palavra “nada” ganha uma dimensão quase total.
Quando chegámos aqui à praia (continuo sem lhe saber o nome!), vista lá de cima, da apertada curva do monte, parecia ir estar por nossa conta. Apesar de já serem dez horas da manhã não se avistava vivalma, o que, mesmo nestas paragens... é um luxo!
A praia onde estiramos os corpos não é uma praia bonita. Como é a única remedeia-se o que remediado está. No entanto posso tentar descrevê-la e, na liberdade que a escrita me confere, retirar do relato aquilo que menos me apraz. A temperatura da água será de uns 28º, logo um belo caldo de açorda. Como está localizada numa enseada a coberto dos ventos dominantes, ainda por cima rodeada de luxuriante e vigorosa vegetação, está-se aqui como no paraíso.
O velho barco que ilustra o texto
No azul turquesa das águas que a baía forma, um velho barco de pesca aí repousa, emprestando à paisagem o mesmo decorativo papel que o rendilhado das chaminés da aldeia da Conceição. É assim uma espécie de cereja no topo do bolo. Toda a enseada é bordejada por árvores de folhagem densa e larga, provocando assim uma exuberante e frondosa sombra, onde nos resguardamos do sol quando este dardeja com mais intensidade. Não sou praista. Aliás, vigora em mim uma certa incongruência, pois não negando a mim esse facto, estou a retirar um incomensurável prazer desta de onde escrevo.
Lou e Ali - os nossos novos amigos
Assalta-me de novo esta ideia de abalar. De correr mundo. De largar o que tenho por garantido e partir à descoberta do que está para lá de mim, em suma: de dar largas ao que sinto. O espírito cigano que encarnei, voltou a fazer das suas. Volta não volta questiona-me se não quero “ir ao fim do mundo e voltar”, nirvana que buscam todos os que possuem o DNA desse povo de tez escura, escorraçados por condição, nómadas viajantes por opção. Outro dos meus espectros diz num dos seus verso mais inspirados, “ navegar é preciso, viver não é preciso”, chama-se Fernando Pessoa e julgo que sabia que o iria citar desde esta praia distante, da longínqua Tailândia.
Já por cá andamos vai para três semanas. Não tenho saudades. O que quer dizer, que poderia por cá andar mais algum tempo, caso mo fosse permitido. Por outro lado, anima-me o facto de regressarmos no natal. Este é um tempo de regressos. Voltar à minha terra depois de todo este tempo, vai-me fazer gostar ainda mais de a ela retornar.
E do que eu gosto de chegar!
Já sonho com a noite que repetimos há décadas. É curioso que daqui, deste areal asiático, deste calor do sol que me aquece, me surjam no pensamento as línguas de fogo do meu madeiro do natal. Disse que não tinha saudades? Menti! Afinal tenho e muitas. Tenho-as de um bom copo de vinho tinto à volta da lareira. Tenho-as de estar na companhia dos que mais quero, e que, com certeza mais me querem.
Nós colocamos santos à beira da estrada. Por aqui colocam pequenos templos
Deixando estes pensamentos do entardecer e depois do maior dia de praia de que me lembro, ainda vimos o sol envergonhado esconder-se atrás do mar, lá entre os batelões, petroleiros e outras naves que ao longe definem a linha do horizonte.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home