terça-feira, janeiro 21, 2014

Ko Si Chang 20 de Dezembro de 2013

Natália montada na nossa máquina de dar voltas à ilha

Acordámos às seis e meia da manhã. Fizemo-lo ao som estridente duma ladainha debitada por uns altifalantes de feira que enxameiam a rua adjacente a este parque residencial. Ainda não descobri o propósito de tão inusitado programa. Não sei se é coisa religiosa, mas do que me é dado a observar, não vislumbro nenhuma movimentação motivada por tão irritante vozearia.

Hoje. Agora mesmo. Tomámos uma decisão!

Entre ir para Bangkok e ficar em Ko Si Chang, ganhou o sossego da ilha (se não fizermos caso ao parágrafo anterior!) Teremos assim os dois derradeiros dias de praia antes de iniciarmos a jornada de regresso. Ou seja tempo de sobra para “encher chouriços” e aqui vos trazer notícias que o não são, mas que me esforçarei para parecer que sejam.
 Gastámos parte da manhã a reorganizar o prolongamento da estada. Comunicar essa decisão à responsável pelo nosso alojamento voltou a revelar-se tarefa inglória.
Como não nos fazemos compreender, deixamo-nos ficar. Há de lhes parecer estranho e nessa altura será ela a vir atrás de nós e reclamar o pagamento. Meu dito, meu feito. Não demorou uma hora até que aparecesse!
 Café onde a cada manhã mato o meu vício matinal

Já conhecemos a ilha de ponta a ponta. Os locais inclusive já nos saúdam. A senhora onde tomo café há três dias já nem me pergunta o que bebo. Serve-me apenas o café, sempre acompanhado do seu genuíno sorriso. Julgo que não demoraria muito a sermos absorvidos pela comunidade local, caso nos passasse uma coisinha má pela boneca e decidíssemos por aqui ficar.

Já certamente repararam que a minha primeira ideia acerca da ilha, deu uma volta de 180º. Agora, para não passar o dia na praia, resolvemos deambular pela ilha de manhã. Nesta em que estamos, daqui, da beira-porto, avistamos no alto de um penhasco aquilo que parecia ser um miradouro, um ponto interessante a visitar e onde poderíamos fazer mais algumas fotos para mais tarde recordar, como dizia o velho slogan da Kodak.

O Monge aconselhando os fiéis

Montados na nossa scooter, galgámos a íngreme subida por entre a densa vegetação que bordeja o estreito caminho que aí nos conduz. Aí chegados deparámo-nos com uma cerimónia íntima. Uma família tailandesa, porventura de origem local, absorvia com as mãos colocadas em prece, aquilo que me pareceu ser uma encomendação, um aconselhamento espiritual levado a cabo por um velho monge, para quem eram dirigidas todas as atenções desta prole. Sentado na tradicional posição budista, o religioso debitava um imperceptível discurso aos nossos ouvidos. Os destinatários da sua palavra, a avaliar pela atenção prestada, pareceu-me absorverem-na com fervor e assentimento.

 Já com umas centenas de degraus nas pernas

De modo a não perturbarmos a intimidade da cerimónia, retirámo-nos silenciosamente. Já fora do recinto, deparámo-nos com uma escadaria. Esta, segundo as palavras de um polícia que por ali estava, conduzia ao ponto mais alto da ilha, e era espetáculo a não perder. Resolvemos subi-la, apostados no deslumbramento da vista que se pressentia. A escalada foi demorada. Os lanços de escada repetiam-se parecendo mesmo infindáveis. Depois de uma largas centenas de degraus lá atingimos o cume. O esforço foi largamente recompensado. A paisagem que dali se avistava era extasiante, esmagadora mesmo! Dali podíamos ver toda a ilha. Aos nossos pés a localidade portuária onde a vida parece mais acontecer. As estradas que serpenteiam a ilha mostram-nos outros locais para mais tarde desbravar. O mar do lado da aldeia, pejado de plataformas que são armazéns marítimos, conspurcam a paisagem. Ainda bem que conseguimos passar estes dias de costas voltadas para tão catastrófico cenário.
O deslumbramento do visitante
 Marco no alto do monte com as coordenadas de GPS. Apenas uma curiosidade

Depois das inevitáveis fotos, encetámos o caminho de regresso. Esperavam-nos o mesmo número de degraus, só que agora na forma descendente. Ao chegarmos ao miradouro, reparámos que a tal família partira, restando o sorridente monge na solidão do monte, na proximidade espiritual daquele a quem venera, e que, por via dessa entrega, lhe desenhou no rosto o semblante da serenidade.

 O culpado pelo encontro místico


Chamou-nos e convidou-nos a sentar à sua frente na posição budista, em posição inferior como é preceito. Num inglês macarrónico mas perceptível, perguntou-nos de onde éramos. Ao afirmarmo-nos portugueses ficou algo admirado. Sabia passagens da nossa história, nomeadamente acerca da epopeia marítima dos nossos antepassados. Demonstrava estes conhecimentos com gestos largos como que a abranger o mundo inteiro.

Nisto, inverteu o discurso e debitou uma ladainha na sua língua mãe. Molhou numa tina à sua frente uma pequena vassoura e aspergiu-nos por duas vezes, voltando a entoar palavras incógnitas ao nossos conhecimento.

Senti-me abençoado. Para mim este terá sido um dos momentos mais emocionantes desta viagem. As palavras proferidas não as sei traduzir, mas que fui invadido por uma súbita e momentânea paz, disso posso-vos falar. Foi assim um momento fugaz. Um eterno e longo segundo, aquele em que fechei os olhos e experimentei a sensação dos beneditos.

Sou um céptico. Nunca senti nenhuma espécie de chamamento. Mas, senti nas palavras deste velho desdentado, um verbo antigo, um conhecimento milenar, uma fusão de sorrisos, que fizeram deste instante, um momento a guardar em lugar de destaque no pedestal da memória.

O Monge Dom, com o bordão esculpido por suas mãos

O Dom, assim se chamava o velho sábio, quando com ele deparámos após a descida do alto do penhasco, esculpia um bordão de caminheiro. Estava quase terminado. A beleza do desenho nele trabalhado, fez-me acreditar que aquele ancião, para além daquilo que era óbvio que era, era também um artista.
escutando as palavras do sábio monge

Este homem, cuja imagem invade agora o meu pensamento, era talhador de uma só ferramenta. Um pequeno formão com que esculpia a madeira, surgindo nela e em baixo-relevo os motivos da sua obra. Encimado por uma perfeita flor de lótus, Dam, foi-nos explicando, ao mesmo tempo que com dedo percorria, os restantes motivos do seu ornato. Serpentes, flores, dragões enleavam-se varapau acima numa magnifica composição plástica.

Ainda pensei pedir-lho ou mesmo comprar-lho, mas, inibi-me com receio de o ofender.
Seria um tesouro inestimável. A recordação maior de um momento sublime e único.
Fiquei-me pelo pedido de autorização para o fotografar com ele na mão.
Também não fica mal assim!

Os dias de praia são dias de lazeira. Não fui ainda afectado pela minha habitual impertinência. Aceito de bom grado a benesse de aqui estar. Praia quase deserta. Água à temperatura de caldo. Sombras a perder de vista. Cerveja barata e comida de fácil digestão. Que mais posso pedir? A escrita e a leitura intervaladas com uns mergulhos ocupam-me grande parte do tempo, assim sendo, não tenho muito a tendência de olhar para o relógio. Deixo apenas o tempo acontecer.

 

Dias felizes...quase, quase a terminar

O sol naufragou de novo no oceano, suicidando-se nas águas profundas onde decidiu dar por finda a sua jornada.

Escrito por pulanito @ janeiro 21, 2014   3 comentários

3 Comments:

At 6:15 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Tenho seguido esta linda viagem. Já estou com pena que vá terminar. obrigado por partilhar.
Isto deve ter dado uma trabalheira.
Lurdes P.

 
At 4:30 da tarde, Blogger ups said...

Pulanito não sabe nadar Ié!!!

 
At 4:32 da tarde, Blogger ups said...

Pulanito na sabe nda ...ié!!Pulanito na sabe nda ...ié!!Pulanito na sabe nda ...ié!!Pulanito na sabe nda ...ié!!

 

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