Dia 2 - Da Ilha da Culatra a Cádiz
A noite passada dormi sob as estrelas embalado pelas suaves ondas que faziam do Gémeos do Mar um berço balançante.
A noite estava simplesmente deslumbrante, até dava dó ir dormir, daí que só vencidos pelo cansaço um a um fosse abandonando a sua posição no poço do navio à procura de melhor lugar para passar à horizontal.
Hoje, como estava de resto previsto, vamos perder um passageiro, o Filipe Cabral que por motivos mais fortes que a vontade de connosco marear, é-lhe forçoso regressar à sua atividade profissional.
Para o substituir e vindo de Portimão chegou o André Silva, um jovem empresário, formado na área da gestão e proprietário de um ginásio na cidade do Arade.
Toda esta troca de passageiros atrasou a nossa partida em várias horas o que fez que só partíssemos da Culatra já passavam das dez da manhã.
O dia estava de canícula marítima, o termómetro dizia-nos o quão absurdas eram as temperaturas e de vento, nem novas nem achadas, de modo que, tivemos de navegar a motor todo o percurso que separam estes dois pontos: um chamado partida, outro de chegada.
Sabíamos que ia ser um dia duro em termos de navegação. Sabíamos que este seria o dia que iriamos deixar de ver costa e que teríamos aquela sensação do quão pequemos nós somos.
A navegação fez-se sem sobressaltos, o mar parecia haver sido ladrilhado de tão liso se nos apresentar, aqui e ali um leve ultrapassar de um “ondajar “ resultado da passagem de algum navio de maior porte à distância.
De repente o comandante Amadeu sugere: - < Rapaziada e se fossemos dar um mergulho?> - Toda a tripulação agradece a ideia e as paragens passaram a ser uma constante para alegria destas seis almas perdidas que experimentam em pleno oceano e em doses arrepiantes; a felicidade de estar vivo e o êxtase da liberdade.
Eu disse seis almas perdidas...bem eu não me poderei incluir neste rol, até porque os fantasmas que me povoam o subconsciente não me deixam usufruir dessa coisa que é mergulhar em pleno oceano. De cada vez que olho a imensidão oceânica revejo o dia em que no Rio Nabão em Tomar me foram buscar lá ao fundo já inanimado, e me trouxeram de novo à vida; e esse, é um momento que por muito que tente, até hoje não me consegui libertar.
No entanto e agarrado à boia, ou ás escadas da praia do barco, ainda consegui entrar na água por duas vezes. A ver se consigo exorcizar estes fantasmas até que a viagem acabe. Queiram os deuses que sim!
Foram doze horas a navegar. Quando pela tarde o Sol de novo se despediu de nós, deixou-nos o espetáculo do deslumbre, na felicidade de a ele podermos assistir no silêncio da tarde que se esvaece para lá da linha do horizonte.
Já de noite, ao chegarmos ás imediações de Cádiz, levantou-se um mar vagado que dificultava ligeiramente a manobra de aproximação.
Como era a primeira vez que aqui aportava, comandante Amadeu andava numa roda-viva consultando mapas e aparelhos certificando-se que iriamos aportar à marina pretendida.
As manobras de aportagem terminaram assim para o tardote. A fome apertava e era fundamental reabastecer o estômago, daí que caminhássemos até ao centro da cidade onde devorámos tudo o que nos punham na mesa.
No regresso à embarcação e vencidos pelo cansaço aterrámos só despertando largas horas depois, altura em que me dediquei a escrever este breve texto.
Ontem falei da minúscula casa de banho. Hoje vou-me referir ao poço.
O poço, é onde a tripulação quando está no exterior da embarcação passa a maior parte do tempo.
No caso do Gémeos do Mar é um espaço oval com assentos à volta onde cabem seis pessoas á vontade.
Ao centro uma mesa multifunções, que se abre ou fecha consoante as necessidades e ao mesmo tempo serve de espaço de arrumação para múltiplas necessidades.
É aqui que a tripulação convive, conversa, come, bebe e até dorme em alturas que as tarefas não o chamam para outro lugar.
No poço existem lugares mais cobiçados que outros. Logo, sempre que um desses lugares é desocupado nem que seja momentaneamente alguém se encarregará de o ocupar. Nunca o provérbio “ quem vai ao mar, perde o lugar” foi tão bem aplicado.
É aqui, no poço, que conversamos, contamos anedotas ou relatamos mesmo episódios das nossas vidas, assim numa espécie de terapia de grupo. Mas é aqui também, que partilhamos os silêncios da natureza numa comunhão tamanha que sabemos, não haver lugar para as palavras. Esta é a hora da fala dos olhos!
Este é também o lugar onde aqueles com mais apetência para o enjoo passam mais tempo, tanto tempo que me contaram que determinado individuo não podendo descer à cabina sob pena de alamarear de imediato, fez toda uma regata de 7 dias neste afamado poço do barco, só descendo à cabina quando aportavam nalguma marina.
Do poço nada mais tenho a dizer, só posso dizer que a viagem está a ser como primeira experiência uma admirável descoberta. A rapaziada tem enormes culpas nisso, porque para além de responsáveis pelo bom desempenho do Gémeos do Mar, também são gente com G grande.
Hoje o dia será passado a “pastar”, o que quer dizer que lá para o fim da tarde teremos aqui o relato do quarto dia desta marítima viagem.
6 Comments:
Napoleão,
Que inveja, só é pena que tenham ido a motor, mas ainda têm muitos dias para velejar. Beijos para todos e continuação de boa navegação. Isaura
" O Nap não sabe nadar,o Nap não sabe nadar,ioo" ou melhor"essa vida de marinheiro....eheheh "e eu cheio de inveja.
Porra, se eu estivesse aí,não saía do "poço",tendo em uma pequena experiência há muitos anos frente ao Alvor,aquando de uma pescaria, com as torres da Torralta à vista...farto de vomitar e não tolerando mais o cheiro do isco,"barbigão", mandei-me ao mar logo pelas 6 da manhã,convencido que era capaz de chegar a nado à costa....os gajos riram-se,mas foram resgatar-me um pouco depois,caso contrário ainda lá andava:-)))
Se não aportaram em Porto de Santa Maria,fizeram mal.Muito mal.O Romerijo é uma catedral....
Vai um abraço e desejos de que encontrem porto seguro(canhas,mariscos,chipirones e fritadas e outras hortaliças...pois!)
jm
mesmo de boia ficas lindo, já tenho saudadinhas de agarrar esse pneu
olhos c.
Mena Queimado,
Descrevendo isto. desta maneira, quem não há-de ser fâ da tua escrita?? Claro que a minha cabecinha tb ficou a navegar em lembranças!"
pillanito pupallito pipallito foi uma trabalheira ate me lembrar do nome do blog.
finalmente lemberi me PULANITO e valeu a pena .a forma como descreveste o que sentimos quando velejamos foi espectagnifica.bons ventos os guiem.que inveja.....
Então e os "Gin Tonics" ?
Quem estava de serviço ao nectar???
No PINTAS, era eu o Barman....
Saudades!!!!
Abs.
Iscas
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