Vitor Mendonça - "O Nêspera" - Um Poço de Generosidade.
No passado fim-de-semana tive o grato prazer da visita dos meus amigos Vítor Mendonça “O Nêspera” e de sua mulher Maria de Jesus.
Isto de receber amigos e passar um bom pedaço à volta da mesa, para além de ser coisa do foro íntimo, também não devia ser motivo de reportagem blogueira.
Acontece que, este meu amigo de há mais de trinta anos é um gajo do caraças, e por ser um gajo do caraças, merece que os meus leitores conheçam um ser humano duma estirpe, senão em extinção, de certeza em desuso.
O Vítor e a Jesus vieram de Alcanhões, lá para as bandas de Santarém onde vivem, para nos fazerem uma visita a Entradas. Visita esta que já não acontecia há alguns anos e, cada vez que acontece é uma permanente alegria, já que este meu amigo, não sei se caiu no caldeirão quando era pequenino, se está permanente ligado à corrente, se ingere fitas de cassete ao jantar ou se come mesmo agulhas de grafonola ao pequeno-almoço, o que sei é que ao seu lado temos permanente galhofa, de preferência sempre bem regada, que estas coisas das artes performativo-gastronómicas fazem cá uma sede.
Logo à chegada começou a descarregar o carro e para vos deixar com uma pequena ideia da generosidade deste meu amigo, vou tentar lembrar-me das comedias que trouxe para nos presentear.
Como o Vítor é caçador não podia faltar a inevitável lebre, mais dois coelhos bravos para compor o ramalhete; como também é pescador e sabe que gosto de enguias lá trouxe mais uma sacada delas; mas como a agricultura é o seu passatempo fomos presenteados com: batatas, cebolas, tomates, pimentos, melões, couves e 15 litros de azeite. Outro dos seus passatempos é fazer ginja e abafado de inegável qualidade. Então vá! Mais cinco litros de abafado e três de ginja, tudo assim em doses abastadas, que ao Vítor brilham-se-lhe os olhos quando com os demais reparte o que do lombo lhe sai, e é por isso que para além da irmandade que nos une, nutro por ele a admiração de quem ao longo dos anos permanece fiel aos seus princípios, e eu gosto de gente assim.
O Vítor é das pessoas que conheço, das mais genuínas, das mais puras e sobretudo das mais solidárias.
Lembro-me de quando nos conhecemos, tínhamos pouco mais de vinte anos. Desde logo simpatizei com este espalhafatoso Alcanhoense que estava sempre disposto a ajudar, tornando a vida daqueles com quem repartia pão e amizade muito mais fácil.
Recordo-me que meu pai vivia nas aforas desta vila Ribatejana e por alturas do Inverno, quando a chuva e a lama tornavam intransitável o caminho para casa de meu pai, o Vítor lá agarrava no seu UMM e ia ver se o velhote estava bem, levando-lhe os bens essenciais para o seu dia a dia de isolamento.
Por alturas do Verão, lá para as bandas do Calheiras (Nome do lugar onde meu pai vivia), sempre aparecia mais gente que ocupava as dispersas casas das redondezas. Numa delas vivia um amigo nosso já falecido (José Morgado) que tinha dificuldades de locomoção mais a sua mulher paraplégica e a sua prole de cinco filhas.
Atendendo ás dificuldades desta família, o Vítor fazia várias viagens por dia para lhes atender as necessidades, levando-lhes pela manhã o pão fresco que aí não chegava. Pela tarde levava-lhes o avio da mercearia e o que demais pedissem. Era assim uma espécie de moço de recados com um eterno sorriso no rosto.
É claro que se eu estivesse por lá, era certo que nos juntaríamos para uma das muitas patuscadas que fazíamos e que regra geral acabava em cantoria, desfilando este meu amigo um repertório de se lhe tirar o chapéu, sobretudo no que se refere ás cantigas vencedoras de praticamente todos os festivais da canção.
Por altura da matança do porco, era com o Vítor que contávamos para ajudar nas múltiplas tarefas que um ritual destes encerra.
Lembro-me de uma em particular, em que a porca pressentindo que se aproximavam os seus últimos momentos de vida, conseguiu fugir pelo terreno fora, que de tão enlameado que estava, mais parecia um imenso pantanal. O Vítor desata a correr atrás da porca que também não conseguia evoluir por aí além, e zás! Era vê-lo cair aqui, levantar-se mais à frente, voltar de novo a cair, repetindo esta operação até imobilizar o condenado bicho; aparecendo depois com a porca presa por uma corda, quase não se distinguindo um do outro, de tão "porcos" se assemelharem.
Embora as nossas vidas tenham seguido percursos distintos, existe na nossa relação um elo indestrutível que dá pelo nome de amizade pura, e não tendo necessidade de nos vermos amiúde, quando tal acontece, continuamos a conversa sempre inacabada do nosso último encontro. E não é que já estou com saudades deste sacana!
3 Comments:
Carlos Salgueiro,
ele há Homens do caraças, sem o conhecer já o admiro muito,e aquelas iguarias todas? Gostaria de ter-vos ajudado na degustação.abração amigo
Lurdes Salgueiro,
Como sempre....LINDO!!
Ganda Nap!
Sempre pronto prás iscas....
Guarda um pouco do abafado e das ginjas,mas não digas nada ao Carneiro.
Haja saúde!
jm
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