Sueste - Um Santuário Gastronómico em Ferragudo.
À medida que muitos dos sentidos se vão com o tempo esmorecendo ou mesmo apagando, o palato melhora consideravelmente com a idade, o que faz com que as experiências gastronómicas façam cada vez mais parte das minhas actividades lúdicas, sendo também cada vez mais exigente com os locais onde tal alquimia se desenrola.
No passado Domingo, 26/09 (dia do 12º aniversário do meu casamento), eu e a Natália mais O João Domingues e a sua eternamente jovem mulher Isaura Mendes, fomos jantar ao Sueste em Ferragudo.
O Amadeu Henriques, mais do que um bom anfitrião é um amigo de longínqua data, logo, com um lugar especial no panteão onde albergo aqueles a quem mais quero. Amadeu é a alegria em pessoa. Tem sempre uma anedota de fino recorte na ponta da língua, ou mesmo um episódio verdadeiro que nos faz rir a bandeiras despregadas, que neste estabelecimento a boa disposição é pratica equivalente à qualidade gastronómica do repasto.
Foi com esta que nos brindou à chegada!
«Sabes aquela do casal casado há mais de 35 anos quando a mulher confronta o marido»
Diz a mulher. «Somos casados há tantos anos e tu nem uma jóia me compraste»
Resposta do marido. «Sabia lá eu que tu vendias desse material!»
Enquanto os meus leitores acham (ou não!) graça ao repentismo do meu amigo Amadeu, vou eu recuar no tempo e entrar numa noite fria de Inverno lá pelos inícios dos anos noventa, numa tasca (que outrora foi armazém de sal) em Ferragudo que tem à porta um azulejo com uma figura anafado-mitológica soprando o vento que lhe granjeou a fama: Sueste é nome de ventania, mas também nome de taberna e para que se lhe reconheçam as especialidades, por baixo do nome, assim em jeito de assinatura afirma: vinhos & petiscos.
Lá dentro as paredes são de tosca pedra, o que confere ao lugar um certo ar cavernoso, frio, mas ao mesmo tempo aconchegante. Dadinha e Nuno são os braços direito e esquerdo do nosso anfitrião cuja fama começa a granjear-lhe o proveito de quem apostou no cavalo certo.
A fama que o precede é de que todo o peixe que vende é do dia, sendo que muito dele ainda chega vivo ao seu minúsculo estabelecimento, já que ao seu terreiro aportam homens com olhos de mar, sonhos de maresia e ondas de calos na palma de cada mão e que mercam com o Amadeu aquilo que o mar deixou que trouxessem.
O produto é de primeira qualidade, mas para o confeccionar também se necessita de artífice à altura e, Julieta, mulher com oceanos de tradição culinária na ponta dos dedos, remete-nos para a cozinha ribeirinha de primeira água, coisa que domina com a maestria de quem herdou conhecimentos, fórmulas e receitas que manipula com a habilidade dos pré-destinados. Ele são: as papas de milho com berbigão, aqui conhecidas por xarém, a extraordinária sopa de peixe, os mariscos, os bivalves os doces e tantas outras iguarias que só delas me lembrar me faz crescer água na boca.
No grelhador, o impagável Zé trata com desvelo as espécies que à mão lhe chegam e pelo perfume que paira no ar, cedo nos apercebemos que é homem que sabe do seu ofício, não entregando a ninguém o amanho ou a grelha dos suculentos bichos.
Com esta pequena equipa Amadeu lá vai levando a água ao seu moinho, que é como quem diz, lá vai granjeando fama e proveito sem nunca se afastar da fórmula que o tornou conhecido.
O tempo é um cavalo e em três tempos chegamos ao dia de hoje. A velha taberna lá está, mas agora ampliada com uma magnífica esplanada onde os clientes para além das comodidades de um excelente restaurante, têm sobre a barra vista privilegiada e, enquanto degustam um fresquíssimo exemplar recentemente pescado, passeiam os olhos pelo rio, vendo entrar e sair da barra aqueles em alegre algazarra buscam no mar o pão.
A fórmula mantém-se. Só vende produtos do mar, que agora chega essencialmente da lota de Sagres e, aos Domingos, os comensais fazem fila para arranjar poiso para degustar a famosa feijoada de buzinas que desde há muitos anos se tornou o ex-libris domingueiro do cardápio do Sueste.
Por via do preço do pescado e das outras iguarias ou da abastada e exigente clientela que hoje frequenta este santuário gastronómico algarvio, já ali não posso assentar arraiais com a frequência com que o fazia, mas que é o melhor sítio do mundo para comer peixe, disso não tenho qualquer dúvida.
No dia que lá estivemos o Amadeu fez questão de connosco repastar oferecendo-nos, para além da sua animada companhia, os excelentes vinhos que acompanharam aquela inesquecível refeição, convidando-me logo e ali a fazer parte da tripulação do veleiro que leva na proa o nome do seu estabelecimento de vinhos & petiscos, na regata anual a que não pude este ano comparecer e que terá lugar em Julho próximo.
2 Comments:
Foi sem duvida um belo aniversário, um belo repasto bem regado de muito boa companhia, obrigada meu querido marido e amigos.
Os teus olhos castanhos
Muito obrigada pelo Jantar fantástico. Fantástico em comida, vinho, companhia e riso.
Bjos
Isaura
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