Retrosaria Elegante
Castelo de Borba
Tenho com alguns amigos do peito, rituais anuais que se transformaram por via da múltipla repetição em “clássicos” das nossas vidas.
Um desses “clássicos” é a ida a Vila Viçosa à Gráfica Calipolense mandar imprimir cartazes de parede e de montra, folhetos de mão, bilhetes e convites que compõem a parte gráfica de uma organização tauromáquica como aquela que levamos a cabo em Entradas nos últimos nove anos.
A ida à gráfica é o menos, pois o que nos dá verdadeiramente gozo é a visita às tascas da região onde bebemos “rabanhos” de minis até terminarmos a jantar num dos meus templos gastronómicos preferidos e que dá pelo nome de Adega do Isaías em Estremoz, onde para além do homem que deu o nome a esta fabulosa adega, pontua o amigo Roque, um exemplo de profissionalismo e tolerância que me habituei a admirar ao longo dos anos; tudo isto claro, sem nunca deixarmos de passar pelo Restaurante O Julião, também em Estremoz, onde o Silvino Sardo, meu amigo de há mais de três décadas nos recebe sempre com alegria e uma anedota brejeira na ponta da língua de onde destaco o repertório acerca de um famoso personagem de seu nome Zé d’Alter que um dia aqui trarei mais esmiuçadamente.
Mas hoje não vos venho falar de nenhum destes locais ou amigos, venho sim, apresentar-vos uma loja saída de um qualquer cenário dos anos trinta do século passado e a que ternamente chamei “Retrosaria Elegante” que descobri em Borba e que é um daqueles locais “que não existem”.
O tempo por ali há muito que congelou, quer: pessoas, décor e artigos, por isso decidi-me hoje de convosco partilhar a história de Joaquim Manuel Grego um dos primeiros e concerteza o último dos retroseiros tradicionais de Borba.
Joaquim Manuel Grego ao balcão da Retrosaria EleganteUm desses “clássicos” é a ida a Vila Viçosa à Gráfica Calipolense mandar imprimir cartazes de parede e de montra, folhetos de mão, bilhetes e convites que compõem a parte gráfica de uma organização tauromáquica como aquela que levamos a cabo em Entradas nos últimos nove anos.
A ida à gráfica é o menos, pois o que nos dá verdadeiramente gozo é a visita às tascas da região onde bebemos “rabanhos” de minis até terminarmos a jantar num dos meus templos gastronómicos preferidos e que dá pelo nome de Adega do Isaías em Estremoz, onde para além do homem que deu o nome a esta fabulosa adega, pontua o amigo Roque, um exemplo de profissionalismo e tolerância que me habituei a admirar ao longo dos anos; tudo isto claro, sem nunca deixarmos de passar pelo Restaurante O Julião, também em Estremoz, onde o Silvino Sardo, meu amigo de há mais de três décadas nos recebe sempre com alegria e uma anedota brejeira na ponta da língua de onde destaco o repertório acerca de um famoso personagem de seu nome Zé d’Alter que um dia aqui trarei mais esmiuçadamente.
Mas hoje não vos venho falar de nenhum destes locais ou amigos, venho sim, apresentar-vos uma loja saída de um qualquer cenário dos anos trinta do século passado e a que ternamente chamei “Retrosaria Elegante” que descobri em Borba e que é um daqueles locais “que não existem”.
O tempo por ali há muito que congelou, quer: pessoas, décor e artigos, por isso decidi-me hoje de convosco partilhar a história de Joaquim Manuel Grego um dos primeiros e concerteza o último dos retroseiros tradicionais de Borba.
Já ali havia estado em 2007 e com este simpático comerciante havia entabulado interessante conversa, desta vez ia decidido a saber mais, caso a casa ainda se mantivesse aberta, o que se veio a verificar, e mesmo tendo o senhor Grego sofrido recentemente um AVC, este resistente tem na verdade o espírito do último dos moicanos.
Joaquim Manuel Grego, conta com 82 anos, 69 dos quais passados atrás daquele mesmíssimo balcão onde agora o confronto com a dolorosa questão do tempo que lhe resta, que de resto, este encara com a naturalidade dos ciclos que inexoravelmente hão-de um dia terminar.
Começou aqui aos 13 anos na loja de seu tio em 1939. A Retrosaria Elegante era uma casa moderna e que servia tanto as melhores clientelas de Borba e arredores, como também atendia e por vezes acudia aos mais pobres e desfavorecidos, e assim neste ambiente solidário e democrático foi este estabelecimento construindo o seu trajecto e granjeando a fama que o trouxe até aos dias de hoje.
Joaquim Manuel tornou-se sócio da Retrosaria nos idos anos de 1954 e após o falecimento de seu tio há mais de 30 anos que dirige sozinho os destino deste peculiar estaminé.
Mas falemos um pouco do espaço físico que irão aqui encontrar caso pretendam visitar o senhor Grego, coisa que este seguramente agradece.
A retrosaria está situada na parte velha de Borba, junto ao largo principal numa das ruelas que a esse largo vão desembocar.
Quando se entra no antiquíssimo estabelecimento sente-se o choque que só as coisas imutáveis nos proporcionam.
A montra amarelecida há muito que apresenta o mesmo rol de provectas novidades de uma indeterminada estação do ano.
Ao fundo e fora do balcão um razoável cabide corrimão comporta um sem número de casacos, sobretudos e gabardinas empoeirados assim à laia dos vinhos valiosos em estabelecimento da especialidade, se é que consigo por palavras traduzir o poeredo que por ali vai. Para os meus leitores mais familiarizados, é assim uma espécie de Marianita da Estação, mas em versão retroseira (ver post Setembro 2007).
Nas costas do Senhor Joaquim Manuel, amplas prateleiras envidraçadas estão pejadas de peças de fazenda e cortes de fato dos mais variados padrões e classes há muito ali emprateleirados.
Múltiplas caixas de botões, cada uma delas com o seu botanito exemplar pregado na frente da mesma, fechos, agulhas, linhas e mais sei lá quantos produtos são o espólio e o décor deste singular estabelecimento, onde o sorriso do proprietário irradia a luz e simpatia comercial cinzeladas pela experiência de múltiplas gerações de clientes que lhe atravessaram a porta.
À pergunta, de como ia o negócio respondeu-me – tem semanas que não vendo um botão!
Compadeci-me com as agruras deste comerciante e logo ali me comprometi a adquirir um ou mais produtos de que gostasse.
Reparei numa caixa de sapatos que pelo amarelecido do tempo, pelo desenho promocional denotava ser coisa do tempo da minha meninice.
Abrimos a caixa que continha um par de sapatos de senhora. Procurei uma que tivesse o tamanho de uns pés de agora, já que o stock andava pelos 34 e 35’s. Depois de muito vasculhar encontrei uns 38 e disse-lhe que eram esses que iria levar, mais pela caixa que pelos sapatos.
Olhou para mim, e voltou a perguntar se não estava a brincar. Com os sapatos na mão, que eram feitos de finas matérias cabedalisticas disse-me que o preço de tal raridade era 4 euros – nem sequer regateei o preço conforme esperava o expedito comerciante.
Paguei a quantia acordada. Com o dinheirinho no bolso, o Senhor grego disse-me então:
- Agora que já tenho o seu dinheiro na minha algibeira, vou-lhe dizer quanto me custaram estes sapatos.
Negociando a mercadoria
A caixa tinha no fundo um código em letras que ele decifrou. Olhou para mim e confessou ter feito um excelente negócio, até porque só tinha pago 100 escudos pela mercadoria e havia-a vendido pelo equivalente a 800 escudos, só que se esqueceu que o pagamento tivera lugar em 1968 (altura em que adquiriu a mercadoria conforme me provou) e o resgate do investimento deu-se 40 anos depois.
O Senhor Grego afirmou-me ter feito um excelente negócio. Pela minha parte, para além de um amigo, fiz com que o homem se sentisse um pouco mais feliz.
Já em Entradas fotografei caixa e sapato - de reparar no desenho da dita...
Afinal, parece todos fizemos um excelente negócio.
Como à terceira visita se entra na categoria dos “ clássicos”, se para o ano a Retrosaria Elegante ainda estiver aberta e o senhor Grego continuar de saúde, juro que lhe compro outros artigos e desta repetição de gestos e actos, vamos construindo rituais e ciclos que pretendemos que perdurem no tempo. Para o caso presente em 2009 entrará na categoria dos “ clássicos” uma visita a Borba e por consequência à Retrosaria Elegante.
Etiquetas: alentejo, borba, entradas, retrosaria, tourada, vila viçosa
6 Comments:
Delicioso o post, absolutamente delicioso!!
saldos alentejanos, pois então...
Agora sim Napoleão,amigo e companheiro,chegáste ao meu âmago.
O Senhor em referência é conhecido pelo Quim Zé.
Trabalha nas condições que bem identificáste na loja conhecida,pela populaça da minha terra,por loja d Diogo da Branca(seu tio,já falecido).
O outro companheiro que se avista por lá é o Zé do Oito.
Em todas as terrinhas é possível encontrar ainda estas pedras preciosas que com a sua simplicidade e simpatia carregam para o futuro a história e as estórias do povo a que pertecem.
Como eu me identifico com toda a envolvência em torno do teu post,desde as ameias do castelo,até à pequena viela ao fundo da rua da Fontinha,onde te encontráste com parte do meu melhor passado---imaginário da minha infância,imberbe e louro.
Nessa rua comprava ginjas na tasca do do Tio "caga na roda":"tio caga quero dois tostões de ginjas";que saudades!
Nessa rua o Senhor Urbino(Urbino de Jesus Catarino)montava o presépio animado que a cahopada mais apreciava.
E aí ,nessa pequena rua existiram grandes preciosidades de Borba,ora extintas pela espuma implacável do
tempo: a farmácia do Senhor Semedo,a loja do Zé do Casão(três grandes amigos---Zé ,Antònio e Manel Godinho); a barbearia do Zé Henriques---local de tertúlia e cavaqueira bem e mal dizente.
POR AÍ... vivi e vivo recordando os anos do meu fadário.
O NOVO ESQUECE MAIS FACILMENTE QUE O VELHO....deve ser da idade e é certamente da "pdi".
Haja Sáude.
Joaquim Miguel
És um sortudo, tens que mudar o ramo de negócio e percorreres o nosso alentejo que tem de tudo o que é maravilhoso, de bike é claro.
A nova empresa passa-se a chamar "O Pechinchas de Entradas"
Um abraço
J.Piteira
Mais um post à la Pulanito.
A cada vez que aqui venho fico mais teu admirador. Na verdade o que aqui nos trazes não é facil de encontrar na net, depois tens aquele cunho pessoal que faz com que sejas o meu vixio diário apesar de saber que nem todos os dias se podem escrever posts com esta profundidade.
Mais uma vez te digo. Obrigado por existires.
Bruno S.
Em poucas palavras o Helder Encarnação disse muito e pouco mais tenho a dizer. Apenas que faço minhas as suas palvras.
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