Os Meus Velhos!
Os meus velhos são quatro frágeis almas que a inexorável máquina do tempo se encarregou de fazer definhar.
São caquécticos, patéticos, dependentes e dessincronizados, mas são os meus!
No seu sangue, corre o meu. Em seus olhos brilharam sonhos que agora carrego, para um dia os entregar em forma de legado e assim perpetuarmos o etéreo tesouro daquilo que nos une.
Os meus velhos são rios de sapiência que agora começam a transbordar pelas margens da demência.
Um dia já foram novos e eu lembro-me disso perfeitamente.
Na nossa infância e juventude, sempre vivemos perto uns dos outros, visitávamo-nos aos fins-de-semana e a “primalhada” era uma imensa tribo que brincava e crescia junta em alegre alarido, próprio das idades em que se pensa que seremos imortais.
Lembro-me disto agora, enquanto seguro a mão trémula do mestre pedreiro que foi este meu tio José Amândio. Olho-lhe as veias, quais sulcos desenhados a sangue na pele branca e antiga do seu braço.
Está completamente alheio da realidade convencional, mas no seu registo frequêncial existe lugar para uma realidade memorial que o transporta para um tempo em que dá vida a quem há muito partiu. Tem o genuíno sorriso dos ingénuos e estou ciente de que lá nesse mundo onde se perde indefinidamente deve revisitar muitos dos seus amigos de infância, isto porque de vez em quando faz menção de chamar este ou aquele pelo nome de personagens há décadas desaparecidas.
Eu, na minha realidade comezinha e responsável, acho que aquilo não é vida, mas o outro eu que reside em mim e em cada um de nós (nuns mais que noutros) acha que afinal o propósito da vida é sermos felizes e se ele o é assim, acho que conseguiu um dos pressupostos de estarmos vivos.
Das três manas restantes, uma delas é minha mãe. É de todas elas a mais forte, a que menos se queixa. A que trabalha incansavelmente até ficar vencida. A que dorme pouco para trabalhar mais e assim poder vencer o dragão que desde sempre a persegue e que quanto mais ele se aproxima mais ela corre, e deste volátil jogo mental, consome os minutos, horas e dias da sua vida.
No outro dia caiu desamparada num dos degraus de sua casa. O médico mandou-a estar parada 3 semanas, ela deve ter parado 3 horas, provavelmente para não deixar que o dragão dela se aproxime e assim continuar este jogo em que não admite outros participantes que não ela e o monstro do trabalho que a persegue desde sempre.
As outras manas, são gente da mesma cepa. São Santiagos e está tudo dito. Gente humilde, honesta e vertical. De todas as manas a única que não casou, foi a tia Felícia, que há mais de cinquenta anos está na mesma casa como criada de servir, que era uma das alternativas concedidas aos pobres da terra em tempo de servidão. No caso presente, a família de “acolhimento”, era gente boa, com princípios e que sabe reconhecer toda a entrega e trabalho duma vida. Por isso hoje, (e desde há anos) em vez de a mandarem de volta para a família natural, fazem questão de a tratarem com humanidade, amor e amizade, e isso, eu não poderia deixar de aqui registar.
A tia Bárbara era a costureira da família. Dela tenho a melhor das recordações. Quando era jovem e já começava a gastar dinheiro, era sempre a tia Bárbara que ao Domingo me dava uma generosa melhadura que compunha o meu pecúlio dominical que incluía, cinema, baile e jogo de matrecos, e quando a coisa corria bem, ainda um estica ou um nógado.
Foto do tempo da chegada a Lisboa.....Tios e primos juntos. Agora como dantes. Eu sou o primeiro da direita da fila de baixo. A foto é do mesmo dia que a que uso no meu perfil e provavelemente a foto mais antiga que tenho.
No sábado passado reunimo-nos todos em casa da minha irmã, e não sei porquê, revisitei aquele espírito imigrante que abraçámos aquando da nossa debandada em direcção a Lisboa. Por isso, publico aqui uma foto desses difíceis tempos, aquando da nossa chegada a Lisboa e para onde fomos morar todos juntos uns dos outros, o que fez com que mais do que primos consanguíneos, Santiagos de alma e coração, somos uma irmandade que se preserva, ama e respeita.
No próximo ano vamos fazer a festa dos Santiagos - provavelmente no dia 25 de Julho, reunindo num grande evento todos aqueles cujo apelido seja Santiago, oriundo de Entradas e que se reveja neste espírito de igualdade e fraternidade.
10 Comments:
A história dos valores ancestrais.
A retaguarda contemporânea dos Santiagos do Pulanito de Santiago de Entradas,contada de forma colorida e ,naturalmente, apaixonada de quem tem a sensibilidade poética de desejar retardar o futuro.
O ORGULHO DE PERTENCER A UMA FAMÍLIA E A NOSTALGIA DECLAMADA EM VOZ SEGURA E GUTURAL, ATRAVÉS DE UMA FOTO A PRETO E BRANCO.
Um abraço.
Joaquim Miguel
Os teu velhos são gente muito bonita.
Conserva-os.
Abraço
Bruno S.
Quem fala assim dos seus, tem de ser uma pessoa de elevada sensibilidade.
Também eu tenho os "meus velhos" para olhar, e ás vezes também questiono a quantidade de mundo que já terá passado por aqueles olhares.
Cada vez gosto mais do seu blogue. Dei uma vista de olhos por posts mais antigos e fiquei com mais vontade de os ler todos, não de uma só vez, porque quero saborear e descobrir este surpreendente Pulanito.
Por alguma razão o seu filho tem a quem sair. Estou convicta de que muito do que ele é, tem a ver com o que você transmite.
Obrigado por existir
Rita
Nostalgico...
Não sei se a palavra existe mas o teu post tem uma carga fortemente psicofilosófica.
Lembras-te perfeitamente dos teus velhos terem sido novos?!Mas isso não é o assumir que a tua própria juventude já passou há tanto tempo.
Um abraço
José Mestre
OLÁ PRIMO,ALÔ EXPERIÊNCIA
Os nossos velhotes são o nosso orgulho...dignos,serenos,dóceis,amigos,avessos a malidicências ou criticas gratuitas.Saibamos honrar um dia, esta herança de gente de bem,como nos deixou a tia Francisca,o tio António...e lá vem o pranto...
Beijinhos primo e continua com esse dinamismo que tanta falta faz nos dias de hoje...e és alentejano!
Querida prima,
que sejas muito bem-vinda a este botequim onde e quando me apetece, passeio memórias passadas, presentes e futuras.
É deste parapeito que contemplo o mundo, este meu pequenino mundo que ás vezes assume a proporção da grandesa dos sonhos.
E destes devaneios vou rendilhando os meus dias, tecendo uma teia, construindo um labirinto onde possam caber os meus, as minhas memórias e acima de tudo os meus sonhos..
Vai passando e comentando, porque isto vive disso mesmo, da interacção de escreve e de quem lê.
beijocas
EU COMO SANTIAGO QUE SOU E COM MUITO ORGULHO VI E ADOREI E NAO PUDE PASSAR SEM ME MANIFESTAR COM MUITO AGRADO O QUE O PULANITO ESCREVEU NO SEU BLOG O QUE ME FEZ COMOVER E RECORDAR A A MINHA INFANCIA E A CONVIVENCIA QUE TIVE COM AS SUAS VELHOTAS QUE ME ERAM MUITO QUERIDAS E MUITO AMIGAS DA MINHA MAE BIA AUGUSTA EM ESPECIAL MUITOS BEIJIHOS PARA TODAS E UM ABRAÇO MEU AUSENDA SANTIAGO MARTINS
Realmente são uns velhotes muito bonitos e dos quais eu sinto muito orgulho que um bocadinho do seu sangue corra nas minhas veias eles são ao fim e ao cabo o nosso maior legado,e vou transcrever uma frase do meu querido pai, Hugo da Silva Martins, "nunca se deve trocar a família pelo dinheiro,porque o dinheiro gasta-se e a família fica" são estes valores que eu transmito às minhas filhas e penso que elas valorizam muito a família,o bem mais valioso que qualque ser humano pode ter e nós temos os velhotes melhores do mundo.
um abraço para todos,tambem para a minha amiga Kika e Dadinha.
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