Afinal Sou Traturista!
Trabalho em turismo desde os meus quinze anos. Sou assim uma espécie de ginecologista veraneante; trabalho onde os outros se divertem. A cada um a sua cruz. E a minha é esta!
Quando era menino, certo dia lá na escola da minha terra, a professora Juvenália fez a cada um dos alunos a sacramental pergunta: O que gostavas de ser quando fosses grande?
As respostas tinham basicamente a ver com o nosso pequeno universo. Ao tempo não havia eletricidade, rádio ou televisão e mesmo o jornal que lá chegava já trazia as noticias requentadas, o que quer dizer que os nossos desejos de futuro, eram feitos à medida desse exíguo mundo que não ia muito mais além daquilo que a nossa vista alcançava.
Neste jogo de inventar porvires, uns diziam que queriam ser carpinteiros, outros sapateiros, outros ainda maquinistas, caixeiros ou mesmo pedreiros.
Quando a professora Juvenália apontou o dedo na minha direção em demanda de resposta, retorqui imperialmente que desejava ser no meu amanhã: Tratorista!
Não sei quantos dos meus companheiros de tábua e pena terão almejado os seus sonhos de menino. A esmagadora maioria, quando chegou a altura de contribuir com a sua força braçal para o orçamento familiar, ou já tinham partido para a grande cidade ou, jogaram-se ao que lhes era oferecido, nomeadamente a guarda de rebanhos, manadas, varas de porcos ou mesmo a casa ou oficina de algum mestre, onde pudessem aprender a ser oficiais do ofício onde eram acolhidos, deixando para outras calendas a realização desse desejo de futuro um dia partilhado naquela sala de aula.
Eu, fui dos que abalei para a cidade banhada pelo rio grande e por lá fui trilhando o meu percurso. Por ser o mais novo de três irmãos tive direito a prosseguir os estudos e de repente todo um novo mundo se me escancarava à frente dos olhos.
Sonhei ser artista plástico, poeta, quiçá escritor, mas acabei por ingressar no turismo pela via hoteleira, deixando para trás os sonhos de adolescente já que o de menino há muito o havia arrumado no baú do esquecimento.
Os anos passaram à estonteante velocidade de um por cada trezentos e sessenta e cinco dias, o que, na minha idade presente, é uma correria vertiginosa.
Estava eu no outro dia a rebobinar estas lembranças, quando me dei conta de que esse desejo de criança afinal se tinha realizado embora metaforicamente.
Afinal sempre me tornei “tratorista”, já que durante os últimos quarenta anos não fiz outra coisa senão “tratar turistas”, o que com um pouco de imaginação, facilmente desemboca nessa nobre profissão.
Agora, lavro com a minha máquina reservas em hotéis; grado desejos de viagem em forma de sonho; escarifico destinos que nunca imaginei e semeio nos ventos da imaginação as tempestades que um dia colherei.
2 Comments:
Simplesmente 5* - Gosto disto!
LuisFernando
"Sou assim uma espécie de ginecologista veraneante; trabalho onde os outros se divertem. A cada um a sua cruz. E a minha é esta!".... "e semeio nos ventos da imaginação as tempestades que um dia colherei."....
Ehehehehehehe,Nap!Tem cuidado com o arado.
Olha pá ,
diverte-te àvontade porque a agricultura vai ter que ser recuperada."o povo é sereno",melhores dias virão.Esta malta toda merece.
Bela prosa,pá!Não pares de cultivar a horta,pá!
jm
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