quinta-feira, março 25, 2010

A Minha Primeira Namorada!


Era no tempo das cerejas, que para além de saborosas serviam para fazer brincos ou concursos de arremesso do caroço soprado, de entre outras parvidades que se fazem quando se tem doze anos. Uma delas, consistia em subir ao pilar da entrada do pátio onde morava e, desse plano elevado como se fosse um palco, cantar (ou fazer que!), acompanhando-me com uma velha guitarra de plástico (ou fingindo que!), o “Fado da Despedida”, enorme êxito de Frei Hermano da Câmara nos finais dos anos sessenta.

Tinha amigos, jogava à bola, brincava aos cowboys, colecciona cromos da bola e tinha o meu saco de berlindes. A vida sorria-me! Sorria-me, mas estava manchada por um lapso de vital importância: não tinha namorada!

O Chupa, meu amigo de toda a vida, catrapiscava em refegos namorativos uma jovem de seu nome Isalina que, apesar de ser do género roda vinte e quatro, era bonita e já denotava saliências peitorais de se lhe tirar o chapéu, o que me deixava verdadeiramente desolado por nesta matéria não o poder acompanhar.

No mesmo pátio onde morávamos, vivia um cauteleiro que, para além de paraplégico, era também informador da PIDE, o que fazia com que aquele ser aparentemente inofensivo fosse detentor de um poder que amedrontava qualquer um.

Este sujeito tinha uma filha das nossas idades, que vivendo em casa de uma madrinha, o visitava aos fins-de-semana, sendo numa dessas visitas que o meu amigo me perguntou porque não namorava a filha do PIDE. Respondi-lhe que não sabia como a devia de abordar, já que a minha natural timidez me impedia de tal veleidade.

Como quem não tem cão caça com gato, ficou o Chupa de por mim pedir namoro à promitente moçoila. A coisa ficou combinada para o final da tarde. Lá vi o Chupa dirigir-se à pequena e ter com ela uma conversa detrás da orelha, entregando-lhe o bilhetinho com o inédito pedido que, a medo, eu havia rabiscado, coisa que resultou em aceitação desse meu primeiro enlace com o sexo contrário.

O meu amigo trouxe-me de volta o desejado bilhetinho dobrado em quatro voltas, onde a filha do cauteleiro havia escrito nas costas a palavra mágica: “Amo-te”. Forma única de dizer: “sou tua e quero namorar contigo!”

O nosso primeiro encontro aconteceu debaixo das escadas que davam acesso à cave daquele pátio. Chupa e Isalina, a um canto, entregavam-se a um esfreganço próprio de quem sofregamente se quer um ao outro descobrir. As mãos, bocas e línguas em frenética actividade denunciavam uma prática a que eu nem iniciado era.

Fiquei ali embasbacado sem saber o que fazer enquanto a minha nova namorada esperava o meu avanço para aquele que seria o meu primeiro beijo molhado.

Fechei os olhos e aventurei-me na boca dela, sentido pela primeira vez aquele vulcão hormonal apoderar-se de mim, coisa que me sabia pela vida, mas não sabia como com ele lidar.

Com a repetição das investidas fui-lhe ganhando o jeito e, com o traquejo que fui alcançando, também me aventurei a abrir os olhos e imitar os trejeitos do meu amigo no canto oposto e assim, em arremessos de “copianço”, lá fui adquirindo a prática necessária àquela parte do namoro em que dois imberbes corpos se desejam fundir em apenas um.

Hoje, não me lembro do nome nem do rosto dessa minha primeira namorada. Lembro-me que era assim para o anafado e que tinha um cheiro (sempre os cheiros!) assim a dar para o amanteigado o que para mim foi sempre sinónimo de “enjoanço”.

O namoro continuou nas semanas e meses seguintes através de cartas e bilhetinhos entregues às escondidas. Porque ela se queixava da tal madrinha, desanquei por escrito na dita, chamando-lhe tudo menos santa, mas com a recomendação de que deveria rasgar a respectiva missiva depois de lida, não fosse a malvada da madrinha apanhar as nossas mensagens afectivas; ainda por cima, contendo injúrias e ameaças à inoportuna leitora da nossa correspondência amorosa.



Um dia, ao chegar a casa, vejo sentado à mesa da cozinha o meu promitente sogro, ou por outras palavras, o terrível PIDE de que toda a vizinhança tinha medo.

Gelei quando dei de caras com ele. Com tal visão, passou-me pela frente numa fracção de segundos toda a minha curta vida: sabia que vinha aí pancadaria… e da grossa!

Confrontado com as cartas depois do cauteleiro paraplégico ter saído, minha mãe anuncia-me o cardápio da sova, que seria de cinto e dada por meu pai. No entretanto e, para ir fazendo cama, levo uns quantos tabefes acompanhados de umas vassouradas no lombo, enquanto espero que o mundo sobre mim se desmorone.

Ao sentir a chave a entrar na fechadura, sei que é o meu pai que chega e preparo-me para o meu linchamento.

Fechado no quarto, ouço a minha mãe a delatar-me como se de um criminoso se tratasse, dizendo-lhe que o PIDE exigia “porradaria” da grossa senão tomaria ele conta do caso e aí seria bastante pior.

Meu pai entra no quarto e já vem de cinto na mão. Fecha atrás de si a porta e desata a gritar comigo mas ao mesmo tempo piscando-me o olho, o que me deixou deveras confuso.

Nisto, desata a sovar a mesa e o sofá causando um ruído infernal, ao mesmo tempo que me sussurrava para chorar e gritar de modo a impressionar a minha mãe.

Estivemos nisto largos minutos. Meu pai batendo na mobília e rindo, e eu fingindo que chorava até que minha mãe apareceu e com voz imperial decidiu: «Já chega!»

«Da próxima levas mais!» rosnou o meu pai para dar um eloquente à coisa, ao mesmo tempo que me piscava cumplicemente o olho.

Ainda fiquei de castigo sem poder sair do quarto, mas isso já pouco me importava, pois tinha escondidos os meus livros do Kit Karson e do Major Alvega para me entreter, enquanto durasse a pena por ter dado largas às minhas hormonas e apelidado a tal senhora de meretriz de entre outros presentes vocabulares.

Da rapariga, nunca mais soube, mas no outro dia passei na rua onde morava a madrinha, e nesse mesmo primeiro andar reparo que à janela está uma senhora anafada de cabelo grisalho mais ou menos da minha idade.

Por obra do acaso cruzámos os olhares e ela sorriu, perguntando-me lá do primeiro andar de onde se debruçava: «O senhor por a(c)aso tem horas?»

Para rostos e nomes não tenho qualquer memória, mas para vozes e cheiros sou melhor que um urso e, no acaso de um raro momento, regresso à minha puberdade e a minha memória auditiva devolve-me a voz daquela menina anafada que não sabia dizer os cês e que, por obra do destino, tinha sido a minha primeira namorada.

«São dez para a uma!», respondi.

Escrito por pulanito @ março 25, 2010   13 comentários

13 Comments:

At 4:46 da tarde, Anonymous Anónimo said...

só tu...

 
At 4:46 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Ah, valente Alexandre, já compincha!
Hoje ias para uma instituição levar a sova de outros...sinal dos tempos!!!

 
At 5:03 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Sublime! "As allways"
Seu Malandreco, esta foi a primeira, agora ainda tens pano para para muito mais

"Os Teus Olhos castanhos"

 
At 5:05 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Pedro Morcela,
Enternecedoramente violenta esta magnifica história do inesgotável baú do Pulanito.

 
At 6:04 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Mariana Teiga
vou estar a par=)
adorei os textos!beijinhos pra todos!!

 
At 9:12 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Li.E como sempre gostei, então a parte da sova está de mais.Sabes, ao imaginar a cena recordei os filmes do António Silva, Ribeirinho,Vasco Santana etc. olha que este texto se encaixa perfeitamente neles.
Um abraço
jmatos

 
At 10:39 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Este blog veio ter comigo atraves do seu filho, agora percebo de onde vem a essencia dele, foi um texto verdadeiramente interessante a sua simplicidade esconde a complexidade dessas primeiras experiencias que todos nós ja vivemos, uns com mais peripécias que outros. Sendo eu de uma geraçao que nasceu em 87 é complicadissimo ouvir testemunhos deste calibre,por isso este texto se torna tao interessante, os tempos podem mudar mas aposto que o saltitar de hormonas que sentiu continua a ter a mesma explosividade que no seu tempo, obviamente que nestes tempos se geram com mais casualidade e obviamente sem puniçoes disfarçadas.
Vou continuar a acompanhar estes bocadinhos de experiencias!
abraço...
Ruben Berenguer ( rubendbsl@hotmail.com)

 
At 11:29 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Celeste Pedro
Boa Napoleão, gostei mesmo...
Quero mais...

 
At 11:31 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Fernando Cruz
Amigo desta já não me lembrava. Mas lembro-me perfeitamente do circo,com cenários já usados da RTP.ganhámos uns escudos e alguns tostões e apanhámos um grande pifo de vinho com gasosa.

 
At 2:32 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Caro Napoleão, o meu amigo tem duas coisas que me maravilham:

o amor profundo pelas raízes e um respeito sólido pela memória.

um abraço

Vítor Encarnação

 
At 12:03 da tarde, Blogger José Mestre said...

Não quero ser desmamcha prazeres nem retirar o mérito do teu excelente post. Mas o que se passou não teria passado de uma mera encenação previamente combinada entre a tua mãe e o teu pai para o tal "pide" ouvir?!

 
At 10:39 da manhã, Anonymous arturo posada said...

Es una historia preciosa, y el final "La una menos diez" es fantastico. Sigue escribiendo me gusta leerte.

 
At 10:56 da manhã, Blogger pulanito said...

Arturo,

gracias por seres mi único lector de España y eso me dá el privilegio de ser un escritor internacional..heheheh
Abrazo

 

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