Alentejanices
Tenho andado com tantos afazeres, que um pedaço deste mundo que convosco reparto amiúde não tem sido actualizado, o que tem gerado algumas fundadas reclamações, coisa de que agora me penitencio trazendo-vos mais um naco deste meu pequeno universo.
Já aqui vos relatei várias matanças de porcos, coisa que para alguns dos meus leitores mais sensíveis é um ritual bastante cruel, para outros no limiar da barbaridade e para outros ainda mais fundamentalistas é coisa de trogloditas que não têm dó nem piedade dos pobres animais.
Pessoalmente, penso que estes ancestrais rituais devem ser valorizados e divulgados na forma de património cultural que vai muito para além do sacrifício do pobre animal, que foi criado para este fim e que é apenas mais um elo da cadeia alimentar. Quem quiser ler aqui alguns desses relatos poderá fazê-lo nos seguintes links: http://pulanito.blogspot.com/2006/11/matana-do-porco-tradio-secular.html ou em: http://pulanito.blogspot.com/2008/01/o-natal-do-z-manel-alberna.html Por mim, hoje, e porque me apetece, vou antes debruçar-me sobre outro género: o género humano que nos veio visitar por via deste ritual.
Havia combinado com a minha irmã – Catarina Mira – e depois de consultado o matador (meu primo Zé Manel, aqui várias vezes referido em posts anteriores!) que seria no passado fim-de-semana que teria lugar este ritual que a cada ano se repete.
Para tal convidei os meus amigos Leila Gharnith e o seu companheiro Graham Burgess que por via deste acontecimento calcorrearam as estradas espanholas e desceram à aldeia para me presentearem com a sua companhia.
Minha irmã convidou o Nuno e a Maria (que são seus patrões, mas que me pareceram mais amigos que outra coisa!), e juntos passámos este cacimbado dia de Sábado de um Janeiro tão chuvoso como não há memória.
A morte do animal, seria o fio condutor desta experiência invernil, até porque tanto o Graham como o Nuno eram novatos nestas andanças, coisa que se revelou assim um bocado para o radical em termos de experiência para os caloiros da matança.
Depois de executada a árdua tarefa que mestre Zé Manel, transforma em “coisa de moço pequeno”, tal a agilidade e destreza com que maneja as facas assustadoramente afiadas enquanto debita a sua habitual lição de anatomia rematando com a sua costumeira frase: - Em mortos já sei operar, mas vivos ainda não experimentei. Se houver algum voluntário que levante o braço!
Pela tarde comemos pedaços do bicho que estava apenas: delicioso. Experimentámos alguns dos néctares vínicos da região que foram da aprovação geral. Mais à tardinha passeámos os olhos pelo verde que veste o ondulado da planície e no regresso voltámos ao lugar onde se podem encontrar os bons alentejanos: à mesa!
Os meus velhos e novos amigos gostaram da experiência, agora é só esperar mais uns meses para que voltem a ser de novo protagonistas de mais uma sessão de: Alentejanices.
4 Comments:
Ganda Nap!
Uma equipa ,com deve ser,equipada a rigor.Gosto das riscas!
E o bácaro amordaçado para não piar.
Este era o tipo de "matança" a que o Carneiro queria assistir.Mas o gajo fez tantas perguntas prévias,sobre as técnicas de abate que achei melhor reunirmo-nos em torno de umas postas de bacalhau demolhado.
Se era com anestesia geral,epidural,sequencial ou com raquianestesia?
Se era a tiro ,com electro-choques,ou à marretada.
Se os árbitros de futebol também ajudavam.
Se o bácaro era branco, preto ou era o P.C.
Se tinha "orelhas"?
Acabei por o desconvocar.
Como é sabido ,aqui, a malta começa o sacríficio do bicho com o chamado"mata bicho":uma garrafa para o sacrificado e outra para os agarradores e matador.
Quando o porco diz "basta" o que sobra eles também bebem que nem ginjas.
Mas o meu problema com o Carneiro é que ele mora na Av. de Roma.Compra tudo em embalagens plastificadas,normalizadas e com etiquetas.De acordo com as normas de "segurança" alimentar,impostas pelos exploradores do consumismo que eles semeiam.
Acontece que a malta aqui tem que matar as febras,se as quer comer...Bom!Há quem as coma vivas,é verdade!
E o gajinho comentou."coitadinho do porco".
Sendo assim a" matança" ficou reservada aos troglodidas que gostam mesmo,mesmo,mesmo(mesmo que chova) de Alentejanices.
E os "asmáticos" sócios por correspondência do Andebol Clube do Porto virão mais tarde,quando o tempo estiver mais apropriado ás flores das estufas do Bombarral....Mas por favor não lhe digas nada(ups?)
Haja Saúde!
jm
Não arranjes um advogado melhor, não....
Caro Napoleão
A matança do porco, embora contra a vontade de muitos falsos moralistas tem resistido ao longo dos tempos fazendo até parte dos acontecimentos anuais importantes da vida de muitas familias.A história de um povo também se faz da conservação das suas tradições seculares.A matança do porco é uma delas.Com ou sem CEE ela irá com toda a certeza manter-se.
Um abraço
jmatos
Cada vez que leio um post teu sobre a matança na casa do Zé Manel vem-me à ideia aquele texto de Briro Camacho :"A Matança" do livro "Quadros Alentejanos " em que ele já velho recordava saudoso "a matança" dos seus tempos de meninice. ocorrida no Monte das Mesas :
“A matança!
Gostava de me aquecer ainda ao calor de uma grande fogueira, a arder a empena do Monte, por uma fria manhã de Dezembro, atirando para as chamas grandes paveias de tojo seco, extasiado a ver a labareda, em com, abrindo um rasgão de luz na escuridão da noite - como as almenaras do velho tempo mourisco, reverberando nas atalaias perdidas.
Brito Camacho – in Quadros Alentejanos – Capítulo: - A Matança”
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