Admirável Mundo Novo
Há muito tempo, mas não assim tanto como isso, Portugal era um país parado no tempo, coisa que assim de repente parece impensável, mas que tinha as suas vantagens. Por exemplo, a palavra inflação não era uma palavra, era um palavrão de que só os mais instruídos haviam ouvido falar.
Era no tempo em que os produtos levavam o preço no fim do nome de tanto se manterem inalteráveis. Havia o pão de 17, o copo de 2 e de 3, no eléctrico havia o bilhete de 4 e de 7 (tudo em tostões!), e por aí fora.
A vidinha ( porque apesar da garantia do preço do panito, aquilo não era vida!), corria direitinha, educadinha e cinzentinha com a sua cunhazita aqui, a sua prisãozita acolá, a sua deportaçãozeca mais além. Tudo muito “ito”, muito “zeca”, muito” inho” como convém a uma sociedade governada por um déspota já em senilidade avançada que caiu de podre como cai tudo o que não tem renovação ou mesmo manutenção.
Deste mundo saltámos quase sem dar por isso (apenas com uma revoluçãozeca pelo caminho!) para um admirável mundo novo, onde tudo acontece na vertigem do momento, o que a meu ver terá as suas contra-indicações.
Estava-me aqui a lembrar dum episódio que me aconteceu na minha terra natal há poucos anos. Talvez uns dez!
Tive necessidade de confirmar uns documentos que não tinha em minha posse e disse à pessoa que os queria ver que os faria chegar em minutos via fax para que visse com os seus próprios olhos. Alguém me chamou de lado e perguntou-me com ar preocupado como se eu tivesse enlouquecido de vez; como é que era possível fazer chegar a documentação em poucos minutos e o que era isso de fax!
Ora quando este episódio aconteceu já a invenção fax estava a dar as últimas, concluindo eu que aquela gente que habita o mesmo país que eu, que supostamente teriam acesso a este tipo de conhecimento, desconheciam a existência deste aparelho, que por acaso estava em fim de vida começando rapidamente a ser substituído pelo e-mail, coisa que nem tive coragem de mencionar.
Existem invenções que perduram no tempo e outras que têm um período de vida, tornando-se obsoletas aquando da invenção da sua substituta. Isto transporta-me de novo à minha terra, e neste registo de “admirável mundo novo” para ser de novo confrontado com uma situação que me deixou algo perplexo, confuso até!
Passeando pelas aforas da vila, dirigi-me para as bandas do cemitério que estando de porta aberta é sempre um convite irresistível para nele entrar.
Era no tempo em que os produtos levavam o preço no fim do nome de tanto se manterem inalteráveis. Havia o pão de 17, o copo de 2 e de 3, no eléctrico havia o bilhete de 4 e de 7 (tudo em tostões!), e por aí fora.
A vidinha ( porque apesar da garantia do preço do panito, aquilo não era vida!), corria direitinha, educadinha e cinzentinha com a sua cunhazita aqui, a sua prisãozita acolá, a sua deportaçãozeca mais além. Tudo muito “ito”, muito “zeca”, muito” inho” como convém a uma sociedade governada por um déspota já em senilidade avançada que caiu de podre como cai tudo o que não tem renovação ou mesmo manutenção.
Deste mundo saltámos quase sem dar por isso (apenas com uma revoluçãozeca pelo caminho!) para um admirável mundo novo, onde tudo acontece na vertigem do momento, o que a meu ver terá as suas contra-indicações.
Estava-me aqui a lembrar dum episódio que me aconteceu na minha terra natal há poucos anos. Talvez uns dez!
Tive necessidade de confirmar uns documentos que não tinha em minha posse e disse à pessoa que os queria ver que os faria chegar em minutos via fax para que visse com os seus próprios olhos. Alguém me chamou de lado e perguntou-me com ar preocupado como se eu tivesse enlouquecido de vez; como é que era possível fazer chegar a documentação em poucos minutos e o que era isso de fax!
Ora quando este episódio aconteceu já a invenção fax estava a dar as últimas, concluindo eu que aquela gente que habita o mesmo país que eu, que supostamente teriam acesso a este tipo de conhecimento, desconheciam a existência deste aparelho, que por acaso estava em fim de vida começando rapidamente a ser substituído pelo e-mail, coisa que nem tive coragem de mencionar.
Existem invenções que perduram no tempo e outras que têm um período de vida, tornando-se obsoletas aquando da invenção da sua substituta. Isto transporta-me de novo à minha terra, e neste registo de “admirável mundo novo” para ser de novo confrontado com uma situação que me deixou algo perplexo, confuso até!
Passeando pelas aforas da vila, dirigi-me para as bandas do cemitério que estando de porta aberta é sempre um convite irresistível para nele entrar.
Ti Manel Russo abrindo a procissão em Entradas - Julho 1999
Este meu conterrâneo (entretanto falecido há uns quatro anos!) era um exímio contador de estórias, lengalengas, intermináveis contos de cariz medieval com castelos, princesas e tudo; portanto, portador, fiel depositário de todo um espólio de tradição oral que com ele partiu no dia em que desceu à terra.
Estava ele já nas últimas sacholadas, quando lá do fundo da cova se solta uma zoada estridente, irritante até, misturado com o som surdo e sincopado da enxada penetrando na terra, retirando a cada cavadela uma fatia da mesma que mais tarde serviria para cobrir a última morada dum Entradense por essa hora chorado pelos seus entes.
O tal som era o toque de entrada de chamada do telemóvel do Ti Manel Russo que fazendo uma pausa na cavação atendeu lá do fundo da cova com um “TôXim” muito em voga naqueles tempos.
Dou então comigo a pensar no simbolismo daquele quadro em que um vivo cava a cova para um seu “irmão” morto com uma das primeiras ferramentas inventadas pelo homem, e na outra mão uma das últimas, a que foi dado o nome de: telemóvel!
Estas duas ferramentas, cada uma a seu tempo, vieram revolucionar a vida do ser humano. O telemóvel, todos sabemos porquê, mas a enxada, a determinado momento, também terá sido a ferramenta que desbravou o caminho para este “admirável mundo novo”.
Estava eu a pensar na velocidade a que as mudanças acontecem, que sem querer me começo a dar conta de que para mim podem parar por aqui.
Já presenciei, já vivi mutações tão significativas, tão marcantes, ricas e influentes que já não tenho “cabedal” nem paciência para acompanhar as revoluções diárias a que vamos assistindo.
As novas gerações que agora tomam conta do aparelho são gente doutra estirpe, que respeito, algumas até admiro, mas que me são cada vez mais difíceis de compreender.
Sou cada vez mais um bicho solitário que vai perdendo amigos por via da morte, por via da distância, por via da falta de paciência ou porque sou cada vez mais um animal que se abriga na sua concha e ali fica a observar as transformações que o mundo sofre a cada dia que passa.
Bem sei que este post é coisa longa, coisa só para maratonistas da leitura, não para gente que vive na vertigem do momento, que prefere viver à velocidade “stroblight” em vez de parar para admirar as coisas…as coisas, simplesmente!
Estava eu no outro dia num bar em Lisboa quando um amigo me perguntou se já tinha twitter. Disse que não, coisa que o fez agigantar-se e de imediato olhar-me de cima para baixo como se eu fosse um ser insignificante sem o mínimo interesse.
Ainda me falou das enormes vantagens de estar ligado naquele sistema instantâneo onde o mundo inteiro sabe de imediato o que estás a fazer e a pensar. Rebati os argumentos só mesmo para alimentar as bebidas que ingeríamos, ao mesmo tempo que interiormente ruminava pensamentos outros, daqueles que sei serem decisórios para a minha vida.
Hoje leio num jornal (um jornal tradicional!) que uma mãe anunciou ao mundo a morte do filho (no momento em que este perecia!) através do twitter. Fiquei estarrecido e lembrei-me da conversa tida há cerca de um ano naquele bar em Lisboa com aquele meu amigo (se é que ainda o é!) em que ele me dava conta das vantagens desta ferramenta. Rio-me para dentro, dobro o jornal e sigo o meu caminho e penso para onde nos leva este ”admirável mundo novo”.
Pelo caminho ainda penso naquele meu conterrâneo do fax, que vivendo lá na sua santa ignorância será seguramente muito mais feliz que a maioria de nós!
* Só me resta dizer que estás a ler isto num blogue, uma ferramenta fruto do mundo que confronto.
Mas quem é que disse que não sou um ser cheio (mesmo a abarrotar!) de contradições.
4 Comments:
Já vai sendo mais que tempo de acabar com os DETESTÁVEIS "inhos" em Portugal ou melhor neste Portugalinho de merd... como escreveu o genial Eça (muito discreto!!!). É o ceguinho; o tolinho: o parvinho !! etc. etc. etc. Quando será que Portugal cresce?!
Quanto à figura da fotografia, figura popular de Entradas, chamava-se Manuel António Guerreiro e era conhecido por "Manuel Russo". A pessoa que exerceu o ofício de coveiro antes dele, também já falecido chamava-se José Manuel Bento. Penso que daí talvez tenha ocorrido a tua confusão.
Quanto ao título do post creio que o nome mais apropriado seria "Destestável Mundo Louco".
Um abraço e que o 2010 decorra o melhor possível para ti e para os teus.
Um abraço
José Mestre - Entradas
Amigo José Mestre,
Onde tinha eu a cabeça...então não havia de saber que era manuel Russo.
obrigado pela correção..
abraço
Não és nada de contradições. Nós é que estamos estavelmente enterrados até ao pescoço nas contradições em que o "mundo novo" nos enreda.
Agora que seja "admirável", a ver vamos. Surpreendente, é certamente.
Entendo perfeitamente a transição directa que fizeste do mundo rural para a grande cidade. Comigo aconteceu o mesmo. Os meus filhos não acreditam que eu tive colegas na Escola Primária que iam descalços para as aulas e que eu só tinha um par de sapatos de cada vez...A nossa geração é que, de algum modo, é "admirável". Passámos da tábua de lousa para os blogs. E do banho semanal para o diário.
Ainda bem que há mines e ginja e amigos para nos confortar o coração com estas mudanças bruscas.
Grande abraço, meu meio-irmão cultural.
vejo que já emendaste o nome do saudoso "Manuel Russo". pelo que parte do meu comentário deixou de fazer sentido.Descobri na Biblioteca de Entradas um cd de Manuel Bento que sei que é um grande tocador de viola (ou guitarra?!) campaniça. Creio que aí podia estar a tua confusão.Mas não ponho de parte o que escrevi no meu primeiro comentário.
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