No "Natal" do Zé Manel
Talvez não tenha sido talhado para a rudeza da vida campestre. Pronto, tenho a vida que tenho e dela não me posso queixar, mas quando me é dado presenciar algumas dessas duras tarefas, fico sempre com uma ponta de inveja daqueles que conseguem arrancar da terra o sustento de cada dia.
Bem sei que nesta vida não se pode pensar em fins-de-semana, horários de expediente ou mesmo reivindicações laborais. Aqui trabalha-se ao ritmo das necessidades da terra e do gado, cada um com as suas especificidades.
No passado fim-de-semana lá fui parar à matança anual que primo Zé Manel de Albernôa fazia questão a que eu assistisse.
Ao almoço compareceram os amigos que ajudaram a despachar os seis barrascos que jaziam suspensos do tecto, e ainda os penduras (como eu) que só apareceram para dar ao dente.
Zé Manel é um pequeno agricultor que ama aquilo que faz, gostando de se ver reunido daqueles por quem tem amizade e consideração numa data e função que nas suas palavras são o seu Natal, isto para sublinhar a importância que atribui a este ritual.
Almoçámos moleja, cachola e muita carne grelhada obviamente regada a tinto da região na companhia de gente boa como é regra geral a gente alentejana.
Comemos, bebemos e cantámos até que a tarde começou a definhar. Estava na hora de parar as celebrações e prestar atenção a outros misters que não podem de todo esperar.
Montados na pá traseira do tractor seguimos para o campo com o propósito de ordenhar as cabras que Manel Vitorino acabava de encaminhar para a arramada.
Abro aqui um parêntesis para falar desta singular figura que é o Manel Vitorino. Conta com mais de oitenta anos, todos os dias do ano se levanta de madrugada para ir tratar das cabras que estão à sua responsabilidade. De balsa às costas e de guarda chuva pendurado no braço ainda o dia não clareou do outro lado do outeiro já ele se fez ao caminho à procura da melhor pastagem para o rebanho de modo a que o leite seja de excelente qualidade o que se irá reflectir na qualidade dos queijos aqui produzidos, que na minha avalizada opinião são simplesmente os melhores de todo o Alentejo.
Manel Vitorino, corre atrás do gado melhor que muitos jovens, bebe o seu copinho para acompanhar a refeição que trás na sua balsa e que come na companhia das suas cabras à sombra da árvore por ele eleita.
É um homem de raro sentido de humor. Quando a conversa derrapa para a brejeirice ainda se gaba dos seus atributos e façanhas o que é sempre motivo de chacota. Mas para quem corre da maneira que o vejo correr, também me é fácil acreditar nas proezas sexuais de que tanto se orgulha.
Em suma: este é um homem de corpo inteiro, a quem tiro o meu chapéu e me curvo à sua passagem, porque este pastor respeita e ama a natureza e os animais, e acima de tudo, vive em paz e harmonia na paisagem onde é a figura de destaque que fica entre o céu e a terra.
Depois de alimentados os porcos sobreviventes, Zé Manel dá ainda de comer às dezenas de patos e galinhas antes de se entregar à tarefa que repete duas vezes por dia pelo menos nove meses por ano: a ordenha das suas setenta cabras.
Com a ajuda do Rui, e doutro amigo fazem a ordenha da tarde enquanto Manel Vitorino ensina a cabra mãe a aceitar as duas crias que nasceram horas antes. Um quadro onde a palavra “ternura” é a melhor que encontro para ilustrar a paciência deste ancião que faz os impossíveis para que a “cabra da mãe” não rejeite os petizes cabritos, o que consegue ao cabo de algum tempo, coisa que o faz rejubilar de alegria.
No regresso, a cacimba que caiu todo o dia refresca-me a alma e as ideias e diz-me que devo convosco partilhar este dia de descoberta e harmonia.
Ao chegar-mos ao Monte, Zé Manel côa o leite das barricas e juntando-lhe a ordenha da manhã seguinte, Dora, sua mulher, há-de com mão hábeis dar forma sólida aquele néctar que resultará no melhor queijo de cabra que alguma vez provei.
Este é também um trabalho minucioso e de grande responsabilidade. Dora e Zé Manel criaram todas as condições de trabalho e higiene de modo a produzirem um produto artesanal de elevada categoria.
Se passarem por esta zona e quiserem experimentar o queijo da queijaria Santiago, só tem que perguntar na aldeia onde mora esta família, que toda a gente vos dirá.
Dos porcos que foram mortos resultarão também excelentes presuntos (ai o presunto!) e enchidos, mas estes são para consumo da casa ou para dispensarem a familiares e amigos, portanto nem sequer vale a pena tentar adquiri-los.
Depois destas tarefas regressámos à mesa. Para desenjoar o porco comemos uma excelente açorda de bacalhau temperada pelo Sásá, renomado açordista de Albernôa que não gosta de deixar os seus créditos por mãos alheias.
Comeu-se, bebeu-se e cantou-se a moda até que a noite já fosse adulta, depois, cada um regressou à sua casa com a certeza de no próximo ano não perder de novo o famoso “Natal do Zé Manel”.
No passado fim-de-semana lá fui parar à matança anual que primo Zé Manel de Albernôa fazia questão a que eu assistisse.
O produto da matança pendurado e á espera de ser transformado em excelentes presuntos, paio e linguiças.
Por razões imponderáveis só pude aparecer perto da hora de almoço, o que por um lado me poupou ao sanguinário ritual (que muitos dos meus leitores abominam), sendo que assim posso saltar por cima deste.Ao almoço compareceram os amigos que ajudaram a despachar os seis barrascos que jaziam suspensos do tecto, e ainda os penduras (como eu) que só apareceram para dar ao dente.
Zé Manel é um pequeno agricultor que ama aquilo que faz, gostando de se ver reunido daqueles por quem tem amizade e consideração numa data e função que nas suas palavras são o seu Natal, isto para sublinhar a importância que atribui a este ritual.
Almoçámos moleja, cachola e muita carne grelhada obviamente regada a tinto da região na companhia de gente boa como é regra geral a gente alentejana.
Comemos, bebemos e cantámos até que a tarde começou a definhar. Estava na hora de parar as celebrações e prestar atenção a outros misters que não podem de todo esperar.
Montados na pá traseira do tractor seguimos para o campo com o propósito de ordenhar as cabras que Manel Vitorino acabava de encaminhar para a arramada.
Abro aqui um parêntesis para falar desta singular figura que é o Manel Vitorino. Conta com mais de oitenta anos, todos os dias do ano se levanta de madrugada para ir tratar das cabras que estão à sua responsabilidade. De balsa às costas e de guarda chuva pendurado no braço ainda o dia não clareou do outro lado do outeiro já ele se fez ao caminho à procura da melhor pastagem para o rebanho de modo a que o leite seja de excelente qualidade o que se irá reflectir na qualidade dos queijos aqui produzidos, que na minha avalizada opinião são simplesmente os melhores de todo o Alentejo.
Manel Vitorino, corre atrás do gado melhor que muitos jovens, bebe o seu copinho para acompanhar a refeição que trás na sua balsa e que come na companhia das suas cabras à sombra da árvore por ele eleita.
É um homem de raro sentido de humor. Quando a conversa derrapa para a brejeirice ainda se gaba dos seus atributos e façanhas o que é sempre motivo de chacota. Mas para quem corre da maneira que o vejo correr, também me é fácil acreditar nas proezas sexuais de que tanto se orgulha.
Em suma: este é um homem de corpo inteiro, a quem tiro o meu chapéu e me curvo à sua passagem, porque este pastor respeita e ama a natureza e os animais, e acima de tudo, vive em paz e harmonia na paisagem onde é a figura de destaque que fica entre o céu e a terra.
Depois de alimentados os porcos sobreviventes, Zé Manel dá ainda de comer às dezenas de patos e galinhas antes de se entregar à tarefa que repete duas vezes por dia pelo menos nove meses por ano: a ordenha das suas setenta cabras.
Com a ajuda do Rui, e doutro amigo fazem a ordenha da tarde enquanto Manel Vitorino ensina a cabra mãe a aceitar as duas crias que nasceram horas antes. Um quadro onde a palavra “ternura” é a melhor que encontro para ilustrar a paciência deste ancião que faz os impossíveis para que a “cabra da mãe” não rejeite os petizes cabritos, o que consegue ao cabo de algum tempo, coisa que o faz rejubilar de alegria.
No regresso, a cacimba que caiu todo o dia refresca-me a alma e as ideias e diz-me que devo convosco partilhar este dia de descoberta e harmonia.
Ao chegar-mos ao Monte, Zé Manel côa o leite das barricas e juntando-lhe a ordenha da manhã seguinte, Dora, sua mulher, há-de com mão hábeis dar forma sólida aquele néctar que resultará no melhor queijo de cabra que alguma vez provei.
Este é também um trabalho minucioso e de grande responsabilidade. Dora e Zé Manel criaram todas as condições de trabalho e higiene de modo a produzirem um produto artesanal de elevada categoria.
Se passarem por esta zona e quiserem experimentar o queijo da queijaria Santiago, só tem que perguntar na aldeia onde mora esta família, que toda a gente vos dirá.
Dos porcos que foram mortos resultarão também excelentes presuntos (ai o presunto!) e enchidos, mas estes são para consumo da casa ou para dispensarem a familiares e amigos, portanto nem sequer vale a pena tentar adquiri-los.
Depois destas tarefas regressámos à mesa. Para desenjoar o porco comemos uma excelente açorda de bacalhau temperada pelo Sásá, renomado açordista de Albernôa que não gosta de deixar os seus créditos por mãos alheias.
Comeu-se, bebeu-se e cantou-se a moda até que a noite já fosse adulta, depois, cada um regressou à sua casa com a certeza de no próximo ano não perder de novo o famoso “Natal do Zé Manel”.
6 Comments:
Se tens inveja daqueles que arrancam o sustento da terra bem podes comprar umas cabrinhas para te entreteres nos tempos livres. Com tanta filosofia e no entanto só apareceste lá para para comer, vê lá se foste ajudar o homem.
caro Anónimo,
É por causa de cobardolas como tu, que temos que moderar os comentários.
tenho muito gosto em publicar os teus comentários e em interagir contigo, mas ficando no " quentinho" do anonimato também eu posso espingardar à vontade!
Acho que a inveja de que falas não tem nada de negativo. Há até algo de salutar nessa inveja.
um abraço do
José Mestre
A famosa matança do Zé Manel.Inveja tenho eu de não ter estado lá.
Até a mim (alentejano) me impressiona e me desperta a vontade relatada nesta história e testemunho, eu que tantas vezes oiço a minha mãe e o meu pai falar desta vida árdua e dura mas salutar com que se ganhava a vida nos tempos de outrora por todo o Alentejo. Mas enfim a juventude alentejana de agora já embalou também no modernismo, já vai ao modelo comprar queijo e febras empacotadas e ao Macdonald`s de Beja...Resta-nos os mais velhos para nos irem recordando e despertando o interesse por estas práticas!!!
Foi um dia bem passado na companhia de pessoas civilizadas, onde se falou ,brincou,cantou,comeu e bebeu ainda melhor.
P.S. : Napoleão,não é Sásá, é Sássá.
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