Um tradicionalista Convicto
Francamente não sei se sou um inoportuno revivalista, um tradicionalista convicto ou apenas um saudosista desesperado.
Não sei porquê (ou se calhar sei!), dou comigo a pensar que um certo Alentejo que amo e onde me revejo, vai a cada ano que passa perdendo muita da identidade que com orgulho ostento, mas que, com preocupação reparo; ou será que sou apenas fruto da inquietação adejectivista com que comecei esta narrativa?
Todos os meados de Julho, por imperativo de obrigações sociais que há muito assumi, tanto eu como alguns dos meus correligionários de copo e de cruz, temos de nos deslocar ao Alto Alentejo mais propriamente a Vila Viçosa.
Ao longo dos anos fomos enraizando hábitos que vão ganhando entre nós o epíteto de “clássicos “ e que não passam de visitas a sítios e pessoas que revisitamos a cada ano que passa marcando num imaginário calendário mais uma página das nossas vidas.
De entre as múltiplas visitas dessa estafante jornada, é obrigatório passar por Borba, onde devemos emborcar umas minis na Taberna 1, visitando depois a retrosaria do Quim Zé (ou do Diogo da Branca como é conhecida em Borba) e terminando o périplo Borbense na taberna A Talha, localizada numa das labirínticas ruas da marmórea vila alentejana.
Chegados a Borba ao final de tarde dum escaldante dia de brasa alentejana, encaminhamo-nos para o primeiro poiso, a Taberna 1! Aí chegados damos com o nariz na porta. O taberneiro Zé Manel tinha-se mudado temporariamente de armas e bagagens para uma das múltiplas feiras onde leva a sua simpatia e a gastronomia alentejana a quem a quiser provar.
Montra da finita Retrosaria Elegante, ainda com algumas das suas peças de arrojado desenho
Dirigimo-nos então à retrosaria do Quim Zé, mítico local desta nossa peregrinação, onde nos costumamos perder no tempo em que viajamos mal atravessamos a soleira da porta deste empoeirado estabelecimento.
A retrosaria finara-se, havia em definitivo encerrado as portas. Na montra ainda constam muitos dos artigos que fariam furor em qualquer boutique avant gard de um qualquer Bairro Alto.
Camisas novas de padrões pós-modernos, com estampagens que nem lembram ao diabo ao preço exorbitante de 150 escudos – e sapatos do mais fino cabedal e de desenho arrojado ainda preenchem a montra que podemos admirar e que não deve ter sido redecorada nas últimas décadas.
No ano passado comprei aqui uns sapatos de senhora pela barbaridade de 4 euros, sapatos esses, que estavam na casa deste 1967, gabando-se o retroseiro Quim Zé de ter feito um excelente negócio já que mos tinha vendido por mais do triplo que lhe haviam custado.
Não sei se já repararam porque é que me dói a alma de cada vez que uma destas casas encerra em definitivo as suas portas!
Nem chegámos a ir à adega A Talha, fomos logo ali informados de que também este mítico estabelecimento havia encerrado as suas portas por motivos contabilísticos referentes ao “dever” ser cronicamente superior ao “haver”.
Com o fecho destas casas, caiu por terra, morreu, ali numa das frondosas ruas de Borba, muita da ilusão que anualmente ali nos trazia.
Taberna do Larga a Velha em Borba - que terá direito a post personalizado em breve
Para afogar as mágoas, o mesmo Borbense que nos deu a trágica notícia do encerramento da Talha, também nos recomendou duas tabernas tradicionais desta terra de bom vinho: a Tasca Real e a taberna do “Larga A Velha “ que ficam em frente uma da outra e ambos os taberneiros se chamam Fernando e a que voltarei com mais detalhe em crónica futura.
Só vos deixo duas pistas. Na Tasca Real os petiscos são divinais, no “Larga a Velha” o vinho de produção própria é de se lhe tirar o chapéu.
3 Comments:
O meu amigo QUIM ZÈ,sobrinho do Sr.Diogo da Branca(já para além da vida),nos últimos tempos limitava-se a vender garrafas de gás butano que também faziam parte do stock da "Retrosaria Elegante"...Como o negócio estava pelas ruas da amargura(A rua é chamada ,vulgarmente, Rua da Fontinha)deve ter feito um curso das"Novas Oportunidades" e passou a levar ele próprio ,num pequeno carro de mão, as ditas botijas.
Enquanto deambulava pelas proximidades da loja o Sr.ZÉ do OITO ficava a guardar o estabelecimento,dormitando e lendo o jornal pelo meio.
Faleceu o vigilante:uma das razões para o encerramnento,segundo informação da D.Maria de Santana,BISAVÓ predilecta dos meus netos.
Apenas um pouco menos nova que o QUIM ZÉ.Tem 86 anos.Gente boa e secular.
Frequentam a "Universidade Sénior",onde ensinam mais que aprendem,naturalmente.
Haja Saúde.
jm
Na taberna do FERNANDO"LARGA A VELHA",a "modernidade"(TV a cores, à qual é retirado o som,por momentos) a par do tradicional,o ameno cavaqueio com um pequeno copo na mão,a conversa sobre futebol, política e politiquices e os assuntos emergentes a cada dia,as pedreiras e as vinhas,o mármore e o vinho em cima da mesa da tertúlia.O cartaz de prémios(canivetes ,pequenas lanternas,navalhas,corta unhas com o símbolo de Fátima,em terra de agnósticos que nunca faltam á procissão anual do padroeiro da terra--O SENHOR DOS AFLITOS---cada vez há mais.Os homens mais novos carregando o pesado andor,depois a banda entoando o hino que nos faz arrepiar.Os restantes atrás da banda.As mulheres ladeando as ruas em fila lenta,com velas protegidas .Duas horas de procissão é quanto bastava/basta para a demonstração de "sólida fé" no Padroeiro.É em meados de Agosto.Quando acaba sente-se a vontade em cada um/a de poder voltar no próximo ano,já que mais não seja para se afirmarem no grupo dos que ainda resistem.E a paciência,nem sempre presente, do padre que entre orações ia emitindo "recados aos infiéis".As melhores colchas nas janelas e sacadas,retiradas logo após a passagem do andor,porque para o ano há mais e já arejaram bastante,libertando o cheiro das bolas de naftalina.
As tabernas esvaziavam-se e à passagem da procissão ,semi- fechavam-se as portas e abafava-se o som e o cheiro típico dos espaços profanos,onde as mulheres não entravam por respeito a um qualquer princípio versado no Código de Hamurabi.
Entre o sagrado e o profano,as tabernas foram abrindo e fechando,até quase desaparecerem,restando a memória já quase apagada.
Pouco interessará aos hodiernos o que é natural.Apenas a alguns"cotas"--gosto da sonoridade do termo--cabe recordar que; tascas e tasquinhas ,ciber-cafés e restaurantes,bares e "pubs",são uma e única coisa;espaços de convívio e lazer,agarrados a uma conversa por vezes de treta e o abraço a um pequeno copo de vinho,quase sempre produzido em Borba... .....
Caro Napoleão,
Amigo,companheiro de outras andanças,Alentejano de Entradas,tradicionalistas convicto,aqui te envio com o tal abraço,a lista das TABERNAS da minha memória borbense.Anos50/60 do século onde quase tudo aconteceu tão rápido que o cabelo branqueou,as rugas afloraram e etc.etc.etc.
A saber:
ANTÓNIO DA BRANCA
BÊCO
FICALHO
CABINHO
CAROCHO
VELHO CAVACO
GODA
JOAQUIM ANTÓNIO/António da branca...Aqui,encostado ao tampo da mesa,acordou morto o "PÉ de GRAL"(engraxador de sapatos),após ter ingerido almudes de vinho e uma pequena refeição de carapaus de gato,com espinha verde, fritos há mais de 4 dias e expostos no balcão para repasto gratuito dos clientes habituais.Tinha os meus 10 anos,comecei aí a ser médico,uma vez que fui eu que, tendo passado duas ou três vezes,tendo visto o meu" PÉ "sempre na mesma posição ,o fui beliscar para me engraxar um par de sapatos de um tio meu.Ao que ele me respondeu com um longo arroto de morto recente,seguido de vómito fétido.Recordo a sua face cianótica e o cheiro do seu hálito moribundo de longa data e o cigarro ainda acesso entre os seus dedos.
QUINHAS
LARGA A VELHA
RATO/agora Tasca Real
TÉNIS
TI INÁCIO...onde eu pisava uvas no tempo das vindimas e a produção artesanal da vinhaça:recordo o cheiro intenso a enxofre das mexas para desinfectar o interior das talhas de terra-cota que ainda lá moram.
Ti CAGA NA RODA....o ex-libris das tabernas de então.Recordo as ginjas feitas em frascos de boca larga e vendidas à dúzia por cinco tostões,embaladas em papel de jornal,misturadas com moscas embriagadas pelo néctar....Foi aí que fiz as minhas primeiras vacinas,contra quase tudo.Felizmente que a ASAE andava nos testículos e ovários dos meus avós.
Haja Saúde
jm
O "progresso" é uma coisa chata que mete o guedelho em todo o lado.
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