Morreu o Último Herói Romântico de Portugal!
A vida de Hermínio da Palma Inácio, o "Velho" para os que o tratavam pelo seu nome de guerra, merecia certamente um filme, como sugeriu um seu companheiro de luta, Amândio Silva, na homenagem ao "último Herói Romântico de Portugal", numa iniciativa conjunta da Câmara Municipal de Lisboa e do Museu República e Resistência.
"Figura lendária da luta pela liberdade", nas palavras de Manuel Alegre, Palma Inácio desafiou a PIDE durante três décadas, levando-a mesmo a cair nas suas próprias armadilhas, para desespero dos inspectores da ex-polícia política.
Militante socialista e deputado à Assembleia Municipal de Lisboa, Palma Inácio iniciou a luta antifascista com a sua adesão ao "Golpe dos Militares", em 10 de Abril de 1947, um movimento desencadeado pelo general Godinho e pelo almirante Cabeçadas e que contou com a participação de alguns civis, entre os quais João Soares, pai de Mário Soares.
Ao jovem revolucionário, então com 25 anos, coube a tarefa de sabotar os aviões da base aérea da Granja, Sintra, onde havia prestado serviço militar e cruzado os céus de Portugal, - ironia do destinos – muitas vezes na companhia do oficial da Força Aérea Humberto Delgado.
Esta acção acabou por lhe valer sete meses de clandestinidade, numa quinta em Odivelas, seguindo-se a sua detenção pela PIDE, conhecendo assim, pela primeira vez, as celas do Aljube. À espera do julgamento, Palma Inácio foi preparando a fuga. Na manhã de 16 de Maio de 1948, com quatro lençóis enrolados nas pernas, debaixo das calças, juntou-se aos outros reclusos, na fila para a casa de banho. Um breve momento de ausência do guarda permitiu-lhe lançar-se pela janela, numa altura de cerca de 15 metros do chão, caindo junto à sentinela da prisão, no exterior do edifício, que não teve tempo de reagir. Palma Inácio pôs-se em fuga, desaparecendo no meio da multidão. Com a PIDE de novo à sua procura, seguiu para Marrocos, de onde, após várias peripécias pelos mares, consegue chegar aos Estados Unidos .O "brevet" de piloto garantiu-lhe a sobrevivência, mas as autoridades acabam por o localizar, obrigando-o a abandonar o país. O destino foi o Rio de Janeiro, juntando-se assim a outros antifascistas que do exterior procuravam meios para acabar com o regime de Salazar em Portugal. Estava-se em 1956 e Palma Inácio contava 34 anos. Dois anos depois, a luta antifascista agitou-se com a candidatura do General Sem Medo às eleições presidenciais e o exílio deste no Brasil, a que pouco depois se junta também o capitão Henrique Galvão.
Palma Inácio, acompanhado de Camilo Mortágua, Amândio Silva, Maria Helena Vidal, João Martins e Francisco Vasconcelos, preparou então uma operação que haveria de acordar Lisboa de espanto - na manhã de 10 de Novembro, um avião da TAP, que partira de Casablanca, é desviado para sobrevoar Lisboa, onde são lançados cerca de 100 mil panfletos antifascistas. Os caças da Força Aérea não conseguem interceptar o avião, que regressa a Casablanca, para desespero do Regime.
De regresso ao Brasil, o grupo confrontou-se com a necessidade de procurar financiamento para as suas operações. Começou assim a preparação do mais espectacular golpe contra a Ditadura, o assalto à dependência do Banco de Portugal na Figueira da Foz, concretizada em Maio de 1967 com Camilo Mortágua, António Barracosa, e Luís Benvindo. Foi a operação que mais feriu o regime de Salazar, não apenas pela operação em si, mas porque todos os pedidos de extradição solicitados pelas autoridades portuguesas às suas congéneres estrangeiras foram recusados, uma vez que os respectivos órgãos judiciais compreenderam que se tratara de uma operação de carácter político - uma realidade com que ainda hoje alguns (poucos) portugueses não se conformam.
Nesta altura, o movimento antifascista estava localizado em Paris, onde acaba por nascer a LUAR - Liga de Unidade e Acção Revolucionária, que reivindicou o assalto para como operação manifestamente política.
Na capital francesa, Palma Inácio planeou outro golpe, talvez mais arrojado que o anterior, mas que acabaria por fracassar: tomar a cidade da Covilhã. Deste vez, é detido pela PIDE, que acabará por sofrer uma das suas maiores humilhações. Palma Inácio concebeu a célebre fuga da prisão do Porto, serrando as grades da cela com lâminas que a sua irmã lhe fizera chegar, com a ajuda do informador da PIDE, de alcunha o "Canário", e o conhecimento dos inspectores Barbieri Cardoso e Sachetti, que se havia introduzido na LUAR.Ambos os inspectores sabiam da existência das lâminas mas nunca as conseguiram localizar, apesar das inúmeras revistas à cela.
Em Novembro de 1973, é de novo detido pela PIDE, depois de ter entrado clandestinamente em Portugal para mais uma operação**. Toda a raiva da polícia política contra Palma Inácio desabou sobre ele na primeira noite, em que foi barbaramente espancado.
Cinco meses depois, na sua cela, recebeu, em código morse feito pela buzina de um carro, nas imediações de Caxias, a primeira notícia de que um golpe militar está em curso. A Revolução estava na rua. No dia seguinte, a 26 de Abril, chegou a ordem de libertação dos presos políticos. Contudo, Palma Inácio foi o último a sair, pois alguns militares, que recusavam ver o assalto à Figueira da Foz como uma operação política, resistiram à sua libertação.
Quem conheceu este antifascista, de cachimbo sempre no canto da boca e casaco de xadrez, saberá o quanto estas linhas são poucas para espelhar a sua vida, em que à coragem juntou a lealdade e o seu humanismo, que lhe valem o título de "o último herói romântico de Portugal".
"Figura lendária da luta pela liberdade", nas palavras de Manuel Alegre, Palma Inácio desafiou a PIDE durante três décadas, levando-a mesmo a cair nas suas próprias armadilhas, para desespero dos inspectores da ex-polícia política.
Militante socialista e deputado à Assembleia Municipal de Lisboa, Palma Inácio iniciou a luta antifascista com a sua adesão ao "Golpe dos Militares", em 10 de Abril de 1947, um movimento desencadeado pelo general Godinho e pelo almirante Cabeçadas e que contou com a participação de alguns civis, entre os quais João Soares, pai de Mário Soares.
Ao jovem revolucionário, então com 25 anos, coube a tarefa de sabotar os aviões da base aérea da Granja, Sintra, onde havia prestado serviço militar e cruzado os céus de Portugal, - ironia do destinos – muitas vezes na companhia do oficial da Força Aérea Humberto Delgado.
Esta acção acabou por lhe valer sete meses de clandestinidade, numa quinta em Odivelas, seguindo-se a sua detenção pela PIDE, conhecendo assim, pela primeira vez, as celas do Aljube. À espera do julgamento, Palma Inácio foi preparando a fuga. Na manhã de 16 de Maio de 1948, com quatro lençóis enrolados nas pernas, debaixo das calças, juntou-se aos outros reclusos, na fila para a casa de banho. Um breve momento de ausência do guarda permitiu-lhe lançar-se pela janela, numa altura de cerca de 15 metros do chão, caindo junto à sentinela da prisão, no exterior do edifício, que não teve tempo de reagir. Palma Inácio pôs-se em fuga, desaparecendo no meio da multidão. Com a PIDE de novo à sua procura, seguiu para Marrocos, de onde, após várias peripécias pelos mares, consegue chegar aos Estados Unidos .O "brevet" de piloto garantiu-lhe a sobrevivência, mas as autoridades acabam por o localizar, obrigando-o a abandonar o país. O destino foi o Rio de Janeiro, juntando-se assim a outros antifascistas que do exterior procuravam meios para acabar com o regime de Salazar em Portugal. Estava-se em 1956 e Palma Inácio contava 34 anos. Dois anos depois, a luta antifascista agitou-se com a candidatura do General Sem Medo às eleições presidenciais e o exílio deste no Brasil, a que pouco depois se junta também o capitão Henrique Galvão.
Palma Inácio, acompanhado de Camilo Mortágua, Amândio Silva, Maria Helena Vidal, João Martins e Francisco Vasconcelos, preparou então uma operação que haveria de acordar Lisboa de espanto - na manhã de 10 de Novembro, um avião da TAP, que partira de Casablanca, é desviado para sobrevoar Lisboa, onde são lançados cerca de 100 mil panfletos antifascistas. Os caças da Força Aérea não conseguem interceptar o avião, que regressa a Casablanca, para desespero do Regime.
De regresso ao Brasil, o grupo confrontou-se com a necessidade de procurar financiamento para as suas operações. Começou assim a preparação do mais espectacular golpe contra a Ditadura, o assalto à dependência do Banco de Portugal na Figueira da Foz, concretizada em Maio de 1967 com Camilo Mortágua, António Barracosa, e Luís Benvindo. Foi a operação que mais feriu o regime de Salazar, não apenas pela operação em si, mas porque todos os pedidos de extradição solicitados pelas autoridades portuguesas às suas congéneres estrangeiras foram recusados, uma vez que os respectivos órgãos judiciais compreenderam que se tratara de uma operação de carácter político - uma realidade com que ainda hoje alguns (poucos) portugueses não se conformam.
Nesta altura, o movimento antifascista estava localizado em Paris, onde acaba por nascer a LUAR - Liga de Unidade e Acção Revolucionária, que reivindicou o assalto para como operação manifestamente política.
Na capital francesa, Palma Inácio planeou outro golpe, talvez mais arrojado que o anterior, mas que acabaria por fracassar: tomar a cidade da Covilhã. Deste vez, é detido pela PIDE, que acabará por sofrer uma das suas maiores humilhações. Palma Inácio concebeu a célebre fuga da prisão do Porto, serrando as grades da cela com lâminas que a sua irmã lhe fizera chegar, com a ajuda do informador da PIDE, de alcunha o "Canário", e o conhecimento dos inspectores Barbieri Cardoso e Sachetti, que se havia introduzido na LUAR.Ambos os inspectores sabiam da existência das lâminas mas nunca as conseguiram localizar, apesar das inúmeras revistas à cela.
Em Novembro de 1973, é de novo detido pela PIDE, depois de ter entrado clandestinamente em Portugal para mais uma operação**. Toda a raiva da polícia política contra Palma Inácio desabou sobre ele na primeira noite, em que foi barbaramente espancado.
Cinco meses depois, na sua cela, recebeu, em código morse feito pela buzina de um carro, nas imediações de Caxias, a primeira notícia de que um golpe militar está em curso. A Revolução estava na rua. No dia seguinte, a 26 de Abril, chegou a ordem de libertação dos presos políticos. Contudo, Palma Inácio foi o último a sair, pois alguns militares, que recusavam ver o assalto à Figueira da Foz como uma operação política, resistiram à sua libertação.
Quem conheceu este antifascista, de cachimbo sempre no canto da boca e casaco de xadrez, saberá o quanto estas linhas são poucas para espelhar a sua vida, em que à coragem juntou a lealdade e o seu humanismo, que lhe valem o título de "o último herói romântico de Portugal".
In jornal Republica -2000
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Em Novembro de 1973 assisti “in loco” à captura do velho guerreiro e dos seus camaradas.
Eram cerca das 11.30 da manhã quando três homens entraram na Tasca do João na Av. Duque D’Ávila em Lisboa onde eu e outro amigo comíamos uma sandes por não haver gostado do almoço no hotel onde trabalhávamos. Gracejaram com o tempo ou coisa que o valha e à vez foram à casa de banho.
Nisto entra no minúsculo estabelecimento um indeterminado número de homens vestidos de fato escuro e empunhando metralhadoras. Era a PIDE!
Puseram de imediato os poucos clientes na rua e neutralizaram o outro grupo que há pouco havia entrado.
Do relato do que se passou no interior nada sei, mas segundo o taberneiro João nos contou, os Pides rejubilavam de alegria ao descobrirem quem haviam capturado.
Hermínio da Palma Inácio, o mais alto do grupo ao sair algemado da tasca para entrar no carro da policía politíca olhou o seu algoz nos olhos e disse-lhe :– saiba vencer, que eu também sei perder!
Soube mais tarde que pretendiam assaltar o Banco de Angola na esquina imediata à Tasca do João.
Nunca mais me esqueci da frase que ouvi da boca deste algarvio, exemplo de coragem e heroísmo que hoje nos deixou.
Eram cerca das 11.30 da manhã quando três homens entraram na Tasca do João na Av. Duque D’Ávila em Lisboa onde eu e outro amigo comíamos uma sandes por não haver gostado do almoço no hotel onde trabalhávamos. Gracejaram com o tempo ou coisa que o valha e à vez foram à casa de banho.
Nisto entra no minúsculo estabelecimento um indeterminado número de homens vestidos de fato escuro e empunhando metralhadoras. Era a PIDE!
Puseram de imediato os poucos clientes na rua e neutralizaram o outro grupo que há pouco havia entrado.
Do relato do que se passou no interior nada sei, mas segundo o taberneiro João nos contou, os Pides rejubilavam de alegria ao descobrirem quem haviam capturado.
Hermínio da Palma Inácio, o mais alto do grupo ao sair algemado da tasca para entrar no carro da policía politíca olhou o seu algoz nos olhos e disse-lhe :– saiba vencer, que eu também sei perder!
Soube mais tarde que pretendiam assaltar o Banco de Angola na esquina imediata à Tasca do João.
Nunca mais me esqueci da frase que ouvi da boca deste algarvio, exemplo de coragem e heroísmo que hoje nos deixou.
7 Comments:
Há já muitos anos atrás, mais de 30 deu-se uma situação caricata com um indivíduo de nome António Galrão,já falecido, e que pelos vistos era fisionomicamente parecido com Hermínio Palma Inácio tipo bonacheirão, que não fazia "mal a uma mosca", aparentemente "um pobre diabo" como se costuma dizer na gíria mas que era filho de um advogado que tinha sido administrador não sei de que concelho. Acontece que certo dia foi preso por alguns agentes da pide que logo comunicaram a "boa nova" para a sede: "Finalmente prendemos o Palma Inácio". Um amigo que ia a passar e viu o amigo Galrão entre dois "pides" exclanou surpreso :" Então Galrão, vais preso?!". É verdade - respondeu o nosso protagonista - confundiram-me com o Palma Inácio
Curiosa coincidência! Palma Inácio morre precisamente no dia em que faz 120 anos que se deu a célebre tomada da Batilha, em Paris, durante a Revolução Francesa, em que foram proclamados os princípios universais da Liberdade, Fraternidad e Igualdade (Liberté, Fraternité et Egalité)que viriam a ser adoptados pela República Portuguesa instaurada em 5 de outubro de 1910.
Parabéns pela Homenagem, caro Pulanito.
"Poucos conheceram o autor da ideia do código morse feito pela buzina de um carro, fui práticamente criado a ouvi-lo, era certo e sabido que o José David, meu saudoso Pai, sabia o que iria acontecer, apesar da diferença de idade eram muito amigos, e durante algum tempo, quando um ia para o Hotel, o outro já tinha as malas feitas.
Vi há pouco nas tvs imagens do funeral.
Pouca gente. Parecendo que, quase só ,do partido que representou na AM de Lisboa.Naturalmente lá estavam os históricos do PS.
É bom que a história não apague o que foi a luta contra o regime do estado novo e quem mais a protagonizou,com risco da própria vida.
Goste-se ou não.
Foi bom teres "postado" desta forma.
jm
Napoleão; afinal com tão tenra idade, já tens estado presente em muitos momentos importantes da nossa história!
Caro Pulanito, estou a tentar fazer aquilo que há mt deveria ter feito descobrir quem foi José David.
Um abraço
Caro Pulanito, estou a tentar fazer aquilo que há mt deveria ter feito descobrir quem foi José David.
Um abraço
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