quarta-feira, fevereiro 10, 2010

Entrudanças 2010


E pronto. As previsões meteorológicas para os próximos dias não poderiam ser melhores! Chuva com fartura, vento de assobiar e frio de ranger o dente são os aliciantes que fazem com que estejam reunidas as condições para que os leitores do Pulanito saiam de casa e venham até Entradas assistir ao melhor Entrudo a sul do Tejo através do festival Entrudanças que tem lugar assegurado todos os anos e sempre por esta data.

O Festival Entrudanças tem vindo cada ano que passa, a granjear mais e mais adeptos, tantos, que mais das vezes a lotação hoteleira da região esgota e aqueles que trazem tenda, tendem a ter dificuldade em encontrar sítio abrigado onde a montar.

De resto a minha “Mátria” vai ser invadida por gente bonita, culta e simpática, que durante os dias do festival vai pintalgar as pedras das nossas ruas de uma saudável algazarra e de um colorido que dura os dias do Carnaval.

Trago hoje e aqui um texto longo que tem andado perdido pelas catacumbas do arquivo deste blogue. Como o tema do mesmo faz uma analogia entre os bailes de antigamente em Entradas e os bailes de agora trazidos por esta trupe saltimbanca da PédeXumbo, achei por bem dar-lhe luz e disponibilizá-lo aos leitores cá do estamine.

ENTRADANÇAS & ENTRUDANÇAS

Nos anos cinquenta do passado século, Entradas registava o seu maior crescimento demográfico, havendo por essa altura perto de duas mil pessoas a residirem por estas bandas.

As famílias eram invariavelmente numerosas e a vila transbordava de juventude. A maioria destas famílias tinha na sua prole quatro, cinco ou mais filhos para sustentar, tarefa difícil de levar a cabo em terra de paupérrimos recursos e onde os trabalhos eram quase sempre de carácter sazonal, logo, com largos períodos de carência onde a imaginação era levada ao limite para alimentar tanta boca ávida de pão.

Os moços e moças assim que ganhavam corpo eram encaminhados para trabalhos que não eram proporcionais às suas fracas figuras. No entanto, e como é próprio da juventude, a diversão e o catrapisco namorativo davam-lhes ainda ânimo para depois de longas jornadas de trabalho irem arrastar os pés cansados nos bailes tradicionais que por aqui se realizavam. Estes bailes eram realizados em casas particulares, com duas intenções: uma, para aconchegar o parco orçamento familiar através das entradas e das vendas de petiscos; a outra, era uma intenção mais hábil, que consistia em fazer solo.

Nesse tempo haviam dois bailes com garantia de casa cheia, eram os “balhos” da Patanisca e os “balhos” da Torradinha, assim conhecidos porque durante o serão dançante havia um convite formal ao consumo – aqui chamado de garvanço – que consistia em comer pataniscas ou torradinhas, consoante o organizador da função.

Como a chegada da electricidade era coisa que ainda ninguém ouvira falar, a “balhação” era feita à luz de candeeiro a petróleo. (Presumo que daria ao ambiente um certo toque romântico, propício à troca de olhares mais cúmplices ou ao jogo das sombras decalcadas nas paredes.) Quando não havia “flaitista” ou acordeonista, os bailes eram cantados, ou seja: bailava-se, ria-se e cantava-se ao mesmo tempo e, segundo testemunho dos que me são próximos, a diversão não deixava de estar garantida por tão importante ausência.

Nesse tempo, moço que se prezasse trazia nos bolsos dois objectos importantes: navalha e “flaita”. Navalha, porque faz parte da indumentária de qualquer alentejano que se preze; “flaita”, para animar musicalmente bailes ou mesmo outros períodos de ócio, nomeadamente na pastorícia onde o tempo abunda e o bulício da solidão convidam ao pincelar de sons a paisagem transtagana.

Por essa altura havia em Entradas um acordeonista de três acordes, de seu nome Manuel do Carmo, que animava os bailes de então. Este músico taberneiro, precursor da música brejeira hoje tão em voga, vincava no fole do seu instrumento letras que ainda hoje em Entradas são recordadas e das quais vos deixo breve exemplo, para que possam aquilatar da veia poética deste taberneiro, músico e poeta:

Minha sogra é forneira
Meu sogro vai à lenha
Minha vaca já pariu
E a minha mulher está prenha

Ou então o seu grande sucesso que ainda hoje é por lá cantado:

Balhem putas, balhem putas
Balhem putas dum cabrão

Quanto mais vocês balham
Mais putas vocês são

E destes devaneios se faziam as “Entradanças” de então. Mas esta não era a única modalidade dançante desses tempos. Conta-me o meu amigo Luís Fernando (exímio contador de episódios rocambolescos) que por esse tempo muitos homens lá da terra tinham por hábito dançar nas tabernas depois destas fecharem. O curioso, é que o faziam com outros homens!

Passo a contar. Talvez motivados pelo isolamento, pela falta de trabalho, pelos vapores etílicos ou mesmo pela pura necessidade de diversão, alguns (muitos) homens da minha terra, depois da taberna fechar, afastavam e arrumavam os bancos e dançavam uns com os outros, com a particularidade de terem o seu par fixo. (Note-se que neste caso refiro-me aos clientes habituais da minúscula “venda” do Ti Luís Santiago.)

Estes bailes eram geralmente cantados com quadras improvisadas no momento, tendo como tema o gracejo, a chacota ou ainda os defeitos ou qualidades de cada um dos intervenientes, o que fazia com que todos os elementos da função só e unicamente a eles dissesse respeito.

Sempre achei esta história uma das mais deliciosas que ouvi da boca deste meu amigo, até porque consigo visualizar as pessoas e o local, dando comigo a pensar na motivação de tão contra natura actividade e, caso a transportasse para os dias de hoje, seria facilmente censurável, ao passo que nesses idos anos era tida com a maior das naturalidades.

Depois veio um longo desvanecer dessas actividades que entretanto se tinham mudado para a Casa do Povo, ou para a Sociedade, até que, se exceptuarmos as festas tradicionais (onde cada vez se baila menos!), os bailes passaram a fazer parte dum passado que sendo recente já nos fica tão distante.

Eis senão quando há quatro anos aparece em Entradas – trazido pela autarquia castrense e apoiado pelas estruturas locais – um festival a que foi dado o sugestivo nome de Entrudanças, que consiste num programa oficinal de danças de vários géneros e tempos, onde locais e forasteiros (que são cada vez mais) aprendem durante o dia e praticam à noite nos bailes levados a cabo no Centro Cultural de Entradas. Diversão em estado puro!

Vem em bandos de vários locais do país e estrangeiro esta maralha alternativa, simpática e culta, que empresta a Entradas durante alguns dias uma vida e uma cor que fazem da minha terra um pequeno império da dança.

O programa é riquíssimo, misturando oficinas de danças europeias com africanas ou brasileiras. Do cardápio faz parte ainda a interacção dos forasteiros com as culturas locais, mesclando o cante com a gastronomia, numa fusão que só enriquece quem aprende e quem ensina. Ainda por cima, este festival tem por data a semana do Entrudo, fazendo com que Entradas seja a capital do Carnaval alternativo a sul do Tejo e não só.

Os forasteiros ocupam campos de jogos, armazéns e casões, onde pernoitam nas suas tendas. Enchem restaurantes, cafés e demais estabelecimentos, gerando um inusitado movimento para tão pacato meio. Quando partem, levam consigo o desejo de voltar e trazer mais amigos no próximo ano, o que de resto tem vindo a acontecer a cada ano que passa e ainda só vamos na quarta edição.

De parabéns está a organização (Associação PédeXumbo, Câmara Municipal de Castro Verde e Junta de Freguesia de Entradas) que em boa hora trouxe para Entradas esta extasiante experiência, sem nunca esquecer o trabalho dos voluntários da Sociedade Entradense e muitos outros que deram o melhor de si para que revivam os novos “balhos” da Patanisca e Torradinha agora revisitados, reorganizados e melhorados em moldes deste tempo.

PROGRAMA ENTRUDANÇAS 2010

Sábado | dia 13
15h30 – 17h00 Oficina Sete Passos Igual ao Infinito – Danças Galegas – Mala Herva (Salão CRE)
Oficina de Salsa – Ricardo Faria (Tenda 1)
16h00 – 17h00 Actuação de Grupos Corais (Praça Zeca Afonso)
16h30 – 17h30 Sessão de Contos (Biblioteca)
17h30 – 19h00 Encontro Mediterrânico e Oficina de Adufe e Cante (Biblioteca)
17h00 – 18h30 Oficina de Danças Tradicionais Europeias I – Alexandre Matias (Tenda 1)
18h45 – 20h00 Baile com Pó (Salão CRE)
22h00 – 22h45 Baile com a Banda 1º de Janeiro (Salão CRE)
23h00 – 00h30 Baile com Mala Herva (Salão CRE)
01h00 – 02h30 Baile com EmBRUN (Salão CRE)

Domingo | dia 14

11h00 – 12h30 Oficina de Dança para Adufe – Leonor Narciso (Salão CRE)
Oficina de Kanisade – Cabo Verde – António Tavares (Tenda 1)
11h00 – 13h00 Oficina de Gastronomia + Almoço** (Escola EB1)
14h00 – 18h00 Oficina “Os Entrouxos de Hoje - Transformação de Roupa” - Paula Maurício (Tenda 2)
Oficina Criativa do Entrouxo “Um Palmo de Entrouxos” - Vanda Palma (Tenda 2)
15h00 – 16h30 Oficina de Danças Turcas – Kirika (Salão CRE)
Oficina Sete Saltos para o Infinito – Danças Galegas – Mala Herva (Tenda 1)
15h00 – 15h45 Oficina de Cante Alentejano para Crianças – Álvaro Mira e Filipe Pratas (Biblioteca)
18h00 – 19h00 Oficina de Pandeireta Galega – Sérxio Cobos (Tenda 1)
18h00 – 19h30 Oficina de Danças Portuguesas – Lançamento CD NMB (Salão CRE)
21h15 – 22h15 Baile com Kirika (Salão CRE)
22h30 – 00h00 Baile com Omiri (Salão CRE)
00h30 – 02h00 Baile com No Mazurka Band (Salão CRE)

Segunda-feira | dia 15

11h00 – 12h30 Oficina de Salsa – Ricardo Faria (Tenda 1)
14h30 – 18h00 Construção de Didgeridoo – Rodrigo Viertebro (Tenda 2)
15h30 – 16h30 Oficina de Percussão – Nuno Patrício (Frente à Biblioteca)
15h00 – 16h30 Oficina de Danças Europeias II – Alexandre Matias (Salão CRE)
Oficina de Kanisade – Cabo Verde – António Tavares (Tenda 1)
17h00 – 18h30 Oficina de Dança e de Cante – Celina da Piedade e Pedro Mestre (Tenda 1)
18h45 – 20h00 Matiné Dançante – Dj Matt (Salão CRE)
22h00 – 23h30 Baile com O Cabaz (Salão CRE)
00h00 – 02h00 Baile com Embrun (Salão CRE)

info / org: www.pedexumbo.com

Escrito por pulanito @ fevereiro 10, 2010   8 comentários

8 Comments:

At 1:57 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Ainda não é este ano... mas lendo o programa das festas fiquei com mais apetite....tomara que dure até eu me dispor!
Beijinhos da prima

 
At 5:19 da tarde, Anonymous Anónimo said...

E eu já estou a fazer a mochila e a preparar os restantes apetrechos para a visita anual à lindissima vila de Entradas.
Kika

 
At 7:06 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Tb vou lá estar.

 
At 12:23 da tarde, Anonymous Anónimo said...

"O Pulanito faz 69 fãs no Facebook..."

O que são fãs?
E onde é isso do Face...quê????

Seja o que for e como for e com quem for,temos que festejar!
Temos que festejar!...69 /isso mesmo, sessente e nove( ao meio dia de 13 de Fevereiro/2010).

Eh pá!...69(que bom)...Força Pulanito.
Qual é número a seguir?

O Pita até se morde todo!!!!!

E o Xiclista (da mota) desde que anda chateado com a Mafaldinha...Pois,também não!!!!

ups!

 
At 1:39 da tarde, Blogger Unknown said...

Grande amigo Napoleão, vejo que continuas sempre em altas performances!
Gostei muito do que vi e li!

Deixo-te um grande beijinho e a promessa de voltar.

MOC

 
At 1:40 da tarde, Blogger Unknown said...

Grande amigo Napoleão, vejo que continuas sempre em altas performances!
Gostei muito do que vi e li!

Deixo-te um grande beijinho e a promessa de voltar.

MOC

 
At 12:33 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Ainda não perdi a esperança de ver o Entrudanças publicitado nos pacotinhos de açucar de uma conhecida marca de cafê ( tal como acontece com a Ovibeja) ou em faixas publicitárias da aludhda marca : " D...MENTE ENTRUDANÇAS"
José G. Mestre

 
At 5:05 da tarde, Blogger José Mestre said...

Que pena o raio da chuva ter chabaçado a 9.ª edição do festival Entrudanças (7.ª em Entradas) uma vez que o Entrudanças se instalou de "armas e bagagens" na nossa vila de Entradas no ano de 2004. tendo sido a 1.ª e a 2.ª edições realizadas na cidade de Évora nos anos de 2000 e 2001 não se tendo realizado nos anos de 2002 e 2003 seguintes, segundo apurei na consulta que fiz ao site da Associação Pé de Xumbo

 

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