Nos Despojos da Festa
Domingo. Finais de Julho. As Noites em Santiago estão de restos, e eu, de rastos me confesso!
Confesso que já não tenho condição física, ou mesmo disponibilidade estomacal para emborcar doses industriais de cerveja bucho abaixo na esperança de saciar um qualquer animal interno que me povoa as vísceras entradenses.
Lá fora, um infernal calor de verão alentejano eleva as temperaturas ao absurdo, coisa que me torna cativo da fresquidão da minha casa.
Há pouco tocou o imponente sino da torre altaneira da igreja matriz, e quando o sino toca a horas desusadas é quase sempre sinal que um dos nossos partiu.
Tocou as quarenta lancinantes badaladas anunciando a partida do primo António Revés que agora mentalmente revisito ao som de Bliss.
Tinha a particularidade de ser primo de toda a gente, cultivando num imaginário laço familiar, um elo que o ligasse aos outros na ânsia de a todos transformar numa grande família, coisa que se lhe colou ao nome e que amanhã levará consigo para essa morada sete palmos abaixo do nível da terra.
Regressando à edição de 2009 das Noites em Santiago que começaram na passada sexta feira tendo como ponto alto a 10ª edição da corrida de touros, que é para os aficionados da região um marco assinalável no panorama taurino baixo-alentejano.
É bom ver a nossa terra ser invadida por milhares de forasteiros que todos os anos, na última sexta-feira de Julho enchem praça e orgulham quem ano após ano, porfia para que tal aconteça.
A coisa acabou para o tarde (ou cedo segundo o ângulo!) e só me fui deitar depois de uma maratona cervejal que terminou às 6.30 da manhã, na companhia do ser mais incompreendido que conheço: o meu amigo, José António Serrano.
O Serrano lá me voltou a falar de Pessoa e de Camões, misturados com o “pego” da Maria Jacinta mais a mágoa de lhe haverem “roubado” a fonte do Ti Linhas.
Serrano vive na Suíça obcecado pela terra que o viu nascer e como forma de colmatar as cancerígenas saudades que o atormentam, na empresa onde trabalha atribuiu a cada corredor dos enormes pavilhões um dos nomes dos “pegos” da sua infância, e assim; não estando cá, nunca de cá sai. Não os podendo namorar ou neles lavar a alma e a farta cabeleira que sempre ostentou, (ritual do libertino-maltês que afirma ser!) levou-os consigo camuflando-os em forma de corredor de armazém.
Para uns é loucura, para mim é poesia em estado puro. É deste ângulo meio obtuso, meio confuso que vejo e revejo o mundo a que pertenço.
Sábado. Dia de brasa alentejana. Como não consigo dormir muitas horas, levantei-me ainda algo azamboado. Recolho na memória os cacos duma noite quase vertigem e preparo-me para mais uma jornada de dança, festança e comezaina.
Pela tarde fui assistir à apresentação do livro de Pedro Pinto (pivot da TVI) “ O último Bandeirante”, obra que fiquei com enorme curiosidade em conhecer, tal a maneira com que o autor “vendeu” o seu artigo.
Esta apresentação teve a particularidade de ter sido realizada na rua, sob a frondosa sombra da Igreja da Misericórdia, onde a atenta plateia interagia com o autor, demonstrando um inusitado interesse pela leitura, o que, confesso, me deixou algo admirado.
José Alberto Reis
A noite estava reservada para José Alberto Reis, esse Júlio Iglésias português, humidificador de roliças sonhadoras, candidatas ao “pay roll” do Ti Belmiro, como repositoras de produtos em qualquer superfície comercial da região.
Enquanto lá atrás os homens entornavam copos de imperial uns atrás dos outros, o bom do José Alberto debitava música a metro com títulos tão sugestivos como: “Perdoa-me”, “Amo-te” ou mesmo “Confia em mim”, isto para não falar da época em que tudo isto aconteceu, mas que pelo título de um dos seus hits, deve ter sido em “ Setembro”.
O sábado voou na voragem dos ponteiros do relógio, e o Domingo estava ali ao virar da esquina de uma noite mal dormida.
O último dia das festas, é sempre dia de “recolher despojos”, até porque os exageros dos dias e noites anteriores começam a fazer mossa no abalado físico dos resistentes.
Domingo era dia de almoço de Entradenses, que tinha como objectivo, recolher fundos para a longa caminhada que é construir o Lar de Idosos de Entradas e as ajudas e candidaturas são sempre processos em que há que conjugar um enorme número de interesses que se prolongam no tempo, mas isso, é conversa para outra ocasião!
Lá comemos o belíssimo cozido de grão a que 126 entradenses fizeram questão de aderir.
À tarde, constava do programa a habitual procissão, acompanhada pela banda de música o que emprestava ao cortejo um não sei quê de Kusturica, a que só faltava mesmo um par de gansos imaculadamente brancos a fechar a comitiva de ar grave e sério em sinal de respeito pela Senhora que se faz passear no andor carregado ao ombro de compenetradas e fervorosas devotas entradenses.
Apesar do som estar “uma bosta”, as nossas “ceifeiras” representaram Entradas e o cante da terra chã com enorme dignidade, brio e, diria mesmo, valentia!
Bem-vindas sejam cantadeiras da minha terra, que enchem de cores, sons e orgulho uma gente a precisar urgentemente de referências e exemplos como o vosso.
Já repararam que bonitas são as nossas ceifeiras.
É claro que o programa das festas incluía outras actividades, mas como não pude assistir a todas elas fico-me por aqui, até porque se me alongo corro o risco de ninguém ler isto.
Também não tenho fotos, porque a minha máquina ficou sem bateria…vai daí ter de me socorrer do amigo Joaquim Martins que me emprestou algumas, o que desde já lhe agradeço.
7 Comments:
Amigo Napoleão
é sentimento comum dos alentejanos o amor á terra que nos viu nascer, mas não conheço ninguém que, como tu, consiga reproduzir através da palavra essa maneira de estar e sentir.Um abraço
jmatos
Compartilho da opinião do postador jmatos.
acompanho o teu blogue há muito tempo e como alentejana sinto nas tuas palavras o que me vai na alma.
Continua a trazer-nos o teu alentejo, as tuas viagens e as tuas deliciosas histórias.
Helena - Alentejana residente em Lisboa
Este ano não fui à festa e nem conhecia o programa, sabia que o meu primo haveria de me informar e aí está...tenho pena de tudo mas o cozido de grão é que me estava mesmo a apetecer...daqui a uns dias apareço e quem sabe...beijinhos
Também compartilho da opinão do comentador jmatos que apenas numa linha e num pedacinho doutra (com o écran do computador todo "aberto" obviamente)disse muita coisa.
Quanto ao amigo Revés também lhe dediquei uma modestíssima homenagem do meu blog.
Espero que as Noites em Santiago 2010 não sejam ensombradas pela morte de ninguém
De vez enquando passo por aqui,e que bem me sabem as suas palavras.
Recordar é viver!...
mariacastrense.
Nós ceifeiras somos as maiores!!!:)
IBento
Pulanito
É só para informar que a actuação das Ceifeiras em Almansil, na Festa das Comunidades, na última sexta feira, foi um verdadeiro sucesso, que bem afinadas que estavam, sem nervosismos de nenhuma espécie.Parabéns às Ceifeiras de Entradas.
Mª Lucília
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