Morreu o Isaías
Vão-se-me morrendo aos poucos os ícones que ao longo da vida fui aprendendo a admirar. Isaías Parreiras era um deles!
Adegueiro galante, educação de fino recorte e humor viperino eram algumas das referências deste “monstro” da cozinha regional alentejana.
A Adega do Isaías em Estremoz, é conhecida por praticamente todos os bons apreciadores da cozinha das ervas e dos sabores, da cozinha dos ganhões de que Isaías Parreira era o seu legitimo embaixador tendo sido em diversas ocasiões e em diversos certames premiado e reconhecido como tal.
Conheci Isaías há talvez uns trinta anos, tendo sido a este apresentado por outro amigo de Estremoz, o Silvino Sardo.
Ali, naquele espaço invocativo de várias gerações de petisqueiros, rodeado das talhas onde outrora se fazia o vinho da casa e onde sobre as mesas corridas cabe sempre mais um, passei noites memoráveis.
Isaías ao final das refeições sempre vinha sentar-se connosco e entrar no jogo do "parvejo" que parece ser extensível a uma faixa significativa de alentejanos, onde me incluo.
Na Adega do Isaías degustei muitas das iguarias da terra chã. As “burras” são um ex-libris da casa (agora chamam-se por aí bochechas de porco e já vêm sem osso -modernices!), aqui provei, as melhores migas de que tenho memória incluindo as de espargos, mas dos pratos que mais gostei de aqui saborear foi a famosa lebre com nabos.
Tenho na lembrança as noites de fadistagem que ocasionalmente aqui aconteciam, até porque Estremoz é terra de boas vozes e o local propício a dar liberdade às gargantas cantadeiras da marmórea cidade.
Um recanto da adega
Muitas vezes depois de almoço fiquei á conversa com este amigo que agora partiu. Numa dessas vezes, já a meia tarde, toca o telefone. Isaías atende, do outro lado alguém diz :– fala da casa militar do senhor Presidente da República Dr. Mário Soares. O Senhor presidente gostaria de almoçar na sua casa no regresso da homenagem que vai fazer ao General Humberto Delgado em Vila Nueva del Fresno.
Depois de se certificar que não era nenhuma brincadeira Isaías responde – Mas a minha casa é uma adega, como é que vou receber aqui o Presidente da República, questionou.
- O Senhor Presidente sabe muito bem que é uma taberna e faz questão de almoçar na sua casa, e já agora gostava de comer migas.
- Mas pretende que feche a casa só para o Presidente, retorquiu.
- Não. Pode reservar uma ou duas mesas onde caibam 16 a 20 pessoas.
Fui testemunha deste episódio e posteriormente confirmei a passagem de Mário Soares por este local conforme combinado e de que Isaías guarda foto a celebrar tão importante acontecimento.
Ultimamente só via o amigo Isaías aquando da tradicional ida a Vila Viçosa para a encomenda dos cartazes para a corrida de touros de Entradas. Era então paragem obrigatória um lanche ou um jantar à do Isaías.
Depois da morte prematura de seu filho ( José Marcos), mestre Isaías ressentiu-se dessa maldade que a natureza lhe pregou, tendo desde então muita dificuldade em recuperar a mobilidade, mas mesmo assim não deixava de estar presente, recebendo os muitos amigos que lhe frequentavam a adega, mas que Isaías recebia, como se fosse o salão nobre de um palácio.
Continuarei a frequentar este local de peregrinação gastronómica, porque sei, que os que ficaram hão-de querer honrar o homem que colocou Estremoz e o Alentejo no mapa dos gastrónomos mais exigentes….e até um Presidente da República.
Quando aí for, olharei para a cadeira onde sempre o encontrei, e certamente com ele trocarei dois dedos de conversa. Espero que me volte a contar a estória do garrafão contendo aquela aguardente amarelinha que descobriu debaixo da cama e que lhe foi ofertado no dia do seu casamento há mais de 40 anos e que sempre me dava a provar de cada fez que me via, e o raio do garrafão nunca mais tinha fundo.
Descanse em paz...foi um prazer conhecê-lo amigo, se é que me concede a honra de assim o tratar.
PS: na minha agenda telefónica ainda consta assim o seu nome: Isaías - a melhor taberna do mundo.
Etiquetas: burras, Cozinha alentejana, cozinha dos ganhões, estremoz, Isaías Parreira, lebre com nabo, migas, Taberna do Isaías
1 Comments:
No final dos anos 60,dois Borbenses frequentadores habituais da "Tasca do Isaías"(aos sábados após a manhã de mercado ancestral),prometeram ao anfitrião trazerem de Badajoz uma garrafa de 5 litros de "Old Scotch Whisky--Jhonnie Walker".
Na fronteira do Caia foram abordados pelos agentes que, esporadicamente, rebuscavam as viaturas.
Encontrando uma tão volumosa mercadoria de contrabando ,logo se apostaram em fazer a sua apreensão.
O "Margalho" e o "Cereja" haviam permanecido tempo inusitado no "Mervique" e de lá traziam já uma alcolémia suficiente para rebentar com qualquer balão,que nessa época providencialmente ainda não existia.
Perante a ameaça de retenção do néctar,o "Cereja " de faces amorangadas e nariz de pimentão vermelho dizia ,placidamente , para o "Margalho":"queres ver António que a temos que beber aqui".
O Isaías foi,agora, ter com eles.
Paz às suas almas!
Haja Saúde.
jm
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