A 30 Dias da Partida Para Santiago de Compostela
A estátua de homenagem ao sapateiro em Almodôvar - dá para ver o tamanho comparada comigo.
Serão seguramente mais de 1000 quilómetros a pedalar por terras de Portugal e norte de Espanha que eu e os meus amigos iremos percorrer.
Estou de algum modo ansioso que tal epopeia tenha o seu inicio, até porque é uma semana em que apesar dos desafios que teremos de vencer, damo-nos conta de que afinal em cima do duro selim de uma bicicleta também se cimentam amizades genuínas.
Tenho treinado o que posso, o que não é muito nem é pouco, é quase nada!
Estive o passado fim-de-semana em Entradas com o firme propósito de treinar afincadamente. Acabei por pedalar 300 Km em 3 dias o que não é mau de todo, mas também podia ter sido bastante melhor.
A partir de agora, vai-se adensando a ansiedade. O nervoso miudinho, o medo de falhar, o acontecimento inesperado que nos obriga a desistir, uma lesão, a doença de um familiar próximo, eu sei lá…é preciso que os deuses estejam todos bem dispostos e com vontade de reunir consensos para tudo corra pelo melhor.
Lá andei às voltas pelas desertas estradas alentejanas pedalando sem cessar. Repeti trajectos, e parei em locais em que sempre fiz questão de parar. No percurso de sexta-feira fui directo de Entradas a Santa Vitória. Quando saí de Entradas já sabia que seria aqui a minha primeira e única paragem desse dia. A tasca onde costumo parar chama-se Retiro dos Caçadores, que à imagem de Café Central, deve ser dos nomes mais utilizados para estabelecimentos desta natureza que encontramos com mais facilidade em cada terra do interior alentejano.
Paro aqui no Retiro dos Caçadores em Santa Vitória porque a senhora é simpática, saúda-me efusivamente e comanda o que se passa deste lado do balcão como um maestro sem batuta comanda uma orquestra de desafinados.
Bebo um café, pago uma rodada aos presentes que normalmente serve de desbloqueador de conversa, onde uns se admiram pelos quilómetros que já percorri e pelos que ainda tenho de percorrer, outros, com o seu GPS mental, acham que é coisa que se faz com uma perna ás costas.
O pessoal já me vai conhecendo e da meia dúzia de vezes que ali parei, até já se metem comigo utilizando a famosa frase de quem se senta á beira da estrada para ver o mundo passar.
- Os outros já passaram há pedaço. Ou quando me equipo de amarelo e me dizem – Então és o camisola amarela e vais em último.
Sigo caminho em direcção à Mina da Juliana pelas estradas do interior alentejano. Aqui abro as goelas e canto, grito, guincho ou lá o que se lhe queira chamar e solto as amarras pulmonares e experimento uma sensação de alívio que recomendo.
Daniel - Guardador de sonhos
Quando passo esse marco do novo Alentejo que dá pelo nome de Vila Galé, viro agulha para Albernôa. No caminho à beira da estrada encontro o jovem pastor Daniel que me saúda. Paro para a foto que aqui vos trago e pergunto-lhe como vai a vida, ao que Daniel responde – Ele há lá melhor vida do que esta!
Nem sequer lhe respondo porque a minha concordância é total. Daniel assobia ao seu cão com os dedos mindinhos em cada um dos cantos da boca o que provoca uma estridência sonora que o cão entende no imediato, reunindo um par de cabras que se afastava do rebanho.
Tenho um especial fascínio por esta vida. Vêm-me á lembrança de imediato Alberto Caeiro, esse heterónimo de Fernando Pessoa que tinha no pastoreio e na contemplação da natureza o seu mister.
No Sábado dia 2 de Maio dou uma volta larga de 115 Km para compensar os 90 do dia anterior.
Domingo penso fazer uma volta de apenas algum desentorpecimento quando encontro á saída de Entradas um outro ciclista com quem entabulo conversa de imediato.
Como ando sempre sozinho, é um bálsamo encontrar alguém que nos amenize o caminho.
Diz-me ser de Aljustrel e ir até Almodôvar onde há uma concentração de Fiats 600. Disponho-me a acompanhá-lo, sem que antes lhe peça permissão a que este acede sem pestanejar.
Lá fomos desenrolando o rosário de quem se quer dar a conhecer. Fico a saber que o meu companheiro de viagem de seu nome Luis Alvaro, também está a treinar para ir a Fátima no próximo fim-de-semana.
Passámos Castro Verde, Rosário e em menos de duas horas estávamos em Almodôvar.
Luis pergunta-me se conheço a estátua do sapateiro. No meu registo mental tenho a ideia de ter visto uma estátua de um sapateiro, numa das múltiplas rotundas que agora inundam as nossas vilas.
Luís, meu companheiro de jornada
Luis conduz-me então para uma praça do interior da vila onde me apresenta o tal sapateiro, uma estátua descomunal feita de lixo metálico, peças velhas muita paciência e um engenho artístico do mais fino recorte.
Fiquei a saber que foi feita por um tal de Aureliano em 2001 e aqui lhe tiro o meu chapéu em forma de homenagem.
De Fiats 600 nem cheiro, de modo que fizemos meia volta e regressámos pelo mesmo caminho, triturando quilómetros atrás de quilómetros.
Curiosa estátua de homenagem aos soldados da paz
Visitámos ainda do mesmo artista a homenagem ao bombeiro, um estátua divertida, cheia de acção e movimento, relatando (a meu ver) um momento de urgência, como são afinal praticamente todos os momentos dos soldados da paz.
Gostei imenso deste trabalho, só que já tinha sido surpreendido pelo método de trabalho anteriormente, portanto o factor surpresa esvaiu-se.
Ao chegar a Entradas, trocámos telefones e combinámos futuras pedaladas juntos, o que seguramente irá acontecer e a breve trecho.
Bem sei que escrevo pouco, mas quando o faço é logo para toda a semana.
A partir de agora aqui trarei notícias mais atempadas, até porque os dias, são a partir de agora, riscados a X no calendário a uma velocidade quase estonteante.
6 Comments:
Amigo,
Vou como sempre acompanhar as tuas peripécias ciclistas por terras de Portugal e de Espanha.
Que tudo vos corra como desejarem que eu cá estarei para vos acompanhar no meu sofá.
B. Sales
És o orgulho dos Santiagos.
Força grande primo.
"Aqui abro as goelas e canto, grito, guincho ou lá o que se lhe queira chamar e solto as amarras pulmonares e experimento uma sensação de alívio que recomendo."
Vê lá se gastas o ruído todo que é para não ressonares tanto...
Caro amigo,
Com a inveja do costume cá vou ficar a acimpanhar as suas peripécias por essas estradas dedicadas aos Reis do Asfalto.
Vou-lhe dar uma novidade, apesar da minha tromblebite, já pedalei de Pera a Silves, e esta....
Cá fico a torcer e a deliciar-me com as crónicas da viagem de perna estendida.Vai um abraço Amigo para ajudar nas subidas.
Ganda Nap,
este ano não vai haver quem te segure.
Força na preparação e boas pedaladas pela planície e dos nossos encantos.
ups!
"Daniel guardador de sonhos" tal como o Constantino personagem principal do livro homónimo da autoria desse nome grande da literatura portuguesa que foi Alves Redol baseado em Constantino Cara-Linda e que o autor "crismou" como Constantino Cantigas e que o autor pôs como subtítulo : "guardador de vacas e de sonhos"
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