Por Terras de Divor
Ir a Divor, é mais que um dever, é quase uma devoção, tal é a amizade com que somos recebidos pelos nossos anfitriões e companheiros do pedal.
Estávamos convocados para o inicio da época pedalante e aproveitando para falarmos sobre a ciclo-peregrinação anual a Santiago de Compostela que terá este ano lugar a partir de 7 de Junho para os da Graça do Divor, mas para mim dois dias antes, já que parto do Algarve este ano, procurando não me afastar do caminho peninsular que conduz a este secular e místico santuário. De qualquer modo estou a preparar post especial a assinalar a preparação mental para tão larga epopeia.
De Lisboa vieram três companheiros: o Carneiro mais conhecido pelo Incrível Hulk, o Bernardo e o Duarte que vão engrossando o pelotão da equipa de Divor e que logo ali se comprometeram a partilhar trajecto e farnel até terras de Santiago, o que assim sendo e segundo o grande chefe (o gajo é mesmo grande) J. Miguel fecha as inscrições para a grande epopeia anual que leva estas almas a pedalar largas centenas de quilómetros e no meu caso seguramente mais de 1.100.
O nosso anfitrião (o calmeirão de azul) Joaquim Miguel adquiriu esta preciosidade, que me fez lembrar a bicicleta onde aprendi a andar.
Então vamos lá ao resumo da jornada:
De referir que este percurso foi feito em bicicleta de montanha. Saímos da Graça do Divor em direcção a Arraiolos por estrada alcatroada. Percorridos uns parcos quilómetros entrámos campo dentro até encontrarmos a ciclo-via que liga Évora a Estremoz numa distância de 21 quilómetros, aproveitando uma linha de comboio há muito desactivada.
É de facto outra loiça pedalar em segurança e sem a intrusão de viaturas motorizadas, podendo circular em bloco, conversando, cantando ou mesmo parvejando conforme for a vontade de cada um.
Aqui abro um parêntesis para me referir ao pensamento que me atropelava o sentido aquando da nossa entrada por esta desactivada via.
Penso para com os meus botões que este Alentejo, sendo também ele parte da terra chã que a quase todos os do grupo viu nascer, pouco tem a ver com o Alentejo onde debutei para o mundo.
Amo a minha terra como a nenhuma outra no mundo. Amo a rudeza das gentes, das casas e dos campos. Amo a luz e o verde que inundam os campos a perder na lonjura.
Amo os horizontes sem fim e mais o voo pesaroso da abetarda. Amo o silêncio e o perfume inebriante das flores silvestres e das outras que crescem nas margens dos regatos com que tempero açordas e sonhos de sonhar amanhãs. Amo os pastores, as ovelhas, os cães e os chocalhos e amo os amanheceres e os fins de tarde onde o ciclo da luz em forma de bola de fogo se fina por detrás do monte que ondula no recorte da paisagem.
Amo a Primavera, o Verão, o Outono, o Inverno e aquela estação indeterminada que inventamos para regalo da nossa contemplação.
Amo a minha terra como amei em tarde de primeiro amor, como num relato incendiado de dois corpos que se entrelaçam e explodem em espasmos viscerais.
Amo a minha terra, mas também gosto desta, que não sendo minha também gostava que fosse.
Aqui no Alentejo mais alto, existe um outro cuidado com o património que me agrada de sobremaneira. Gosto da arquitectura senhorial, mas também gosto da altivez das chaminés da arquitectura popular. Gosto da riqueza gastronómica da região. Gosto da razoabilidade das distâncias entre terras, gosto de gostar de aqui vir, mas acima de tudo gosto das pessoas e gostar de pessoas é um vício de que me não consigo livrar.
Pronto! Era nisso que ia a pensar quando alguém do grupo resolveu mudar de agulha e levar-nos a uma elevação amuralhada do tempo dos mouros onde fizemos uns “bonecos” para a posteridade.
De regresso à ciclo-via em dia de sábado deu para ver como as comunidades vizinhas deste equipamento usam e abusam dele dando-lhe a merecida utilidade, trazendo de novo vida a uma linha que já foi de ferro e que por estar morta foi em definitivo enterrada.
Os derradeiros quilómetros desta via fazem-se por alcatrão e com iluminação para que os que não possam aqui exercitar-se de dia o façam quando a noite cai.
Em Évora era dia de chegada da última etapa da Volta ao Alentejo junto ao templo de Diana. Uma subida puxadota, enrolada, estreita e empedrada. Todos os condimentos para uma chegada emocionante caso o piso não provoque aos profissionais as mesmas maleitas que os amadores sofrem sempre que beijam o alcatrão ou o empedrado.
Regressámos pela mesma via à Graça do Divor onde nos esperava em casa do Joaquim Miguel um repasto sublimemente preparado por Maria Adelina e pela Guilhermina. A primeira, esposa do Joaquim Miguel e a segunda, amiga e ajudante de serviço.
Aspecto do almoço - Não é de admirar que o caminho de Évora para Divor fosse feito a 100 à hora - Foto surripiada na taska do Xiclista, porque a minha máquina ficou sem bateria.
Desde os aperitivos, à divinal açorda de camarão, passando pelos bifinhos ousando ainda provar algumas das sobremesas devo dizer que já estive em casamentos menos apetrechados.
O Carneiro brindou-nos com a sua ginja de Óbidos caseira cuja receita está guardada na cabeça do seu velho pai, um segredo que o Carneiro deverá herdar e por sua vez honrar, trazendo ocasionalmente até nós uma garrafinha desse precioso néctar.
A tarde voou mais rápido que as garrafas de vinho que Joaquim Miguel insistia em abrir uma atrás de outra.
Fiquei com a sensação de que matámos umas saudades que há algum tempo nos apoquentavam, reacendemos a chama da amizade celebrada à boa maneira alentejana e combinámos novas pedaladas para os domingos de Primavera que hão-de vir.
5 Comments:
É sempre uma alegria passar os olhos pelo seu blog, e como sempre cá fica o meu queixume de sempre, será que alguma vez terei o prazer de ir numa caminhada dessas, estou a pensar por a acelera a funcionar e talvez assim não falhe. Um abraço
Mouros,mouros e mais mouros e o Amigo Carneiro....está difícil de o demover.Ainda não é este ano,digo eu!..."pensa ele de que!!!!!"
ups!
A "Bernarda" novinha e bem jeitosinha....E a velha avó da Bernarda,nas mãos do Kim...quem é que percebe isto?
Ups!
....A velha bicicleta foi-me oferecido por um amigo, aqui, da Graça.Tem quase a minha idade:pertencia ao senhor Catraia(pai).
Dá que pensar:é igual à minha primeira "máquina";vão 55 anos que decidiu fugir ao pelotão...Ainda podias andar por cá,Pai!
Haja Saúde!
jm
Curiosamente, já estabelecido há muito o meu cinismo (em sentido filosófico) em relação á vida, a minha descrença e desconfiança como método de análise da realidade e dos homens, foi nesse antro de alentejanos que me senti recebido, acarinhado, estimado.
Porra, por vezes ainda me comovo com a amizade que troco com Homens Bons.
Numa das muitas pesquisas sobre Caminhos de Santiago encontrei o seu blog.Nesse momento tornei-me visitante assíduo do mesmo.Temos muito em comum.O carinho pelo nosso Alentejo e o gosto quase maníaco pelas pedaladas.Sou do norte alentejano mas neste momento vivo em Castro.Quem sabe se um dia não iremos degustar do prazer de umas pedaladas e umas horas de conversas sobre o nosso Alentejo.
Um abraço.
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