Diário de Viagem dia 1
Vou partir mas tenho esperança
De correr o mundo inteiro quero ir…..
Assim começa uma das “modas” mais conhecidas de qualquer alentejano que se preze.
Começou hoje FINALMENTE a viagem que me levará a Santiago de Compostela na companhia dos companheiros da equipa de Nossa Senhora da Graça de Divor de onde me encontro a escrever neste momento em casa do Joaquim Miguel e da Maria Adelina um casal irrepreensivelmente hospitaleiro e encantador.
Como é de calcular mal consegui dormir e quando o dia raiou, aqui este vosso amigo já estava de pé num frenesim fora do comum.
Revi a matéria, respirei fundo e pelas 7.45 horas abalei de (Santiago de) Entradas envolto numa neblina que dava ao ar matinal de Entradas um ambiente místico, mesmo condizente com a partida que há pouco se deu.
Vou em direcção ao Carregueiro em pedalada cadenciada e olho para trás uma e outra vez, enquanto não faço o desmame do grilo dos remorsos que me manda de volta para casa a cada pedalada que dou.
Quando chego ao Carregueiro ( agora já não tem o comboio que sopra pela linha) cerro os dentes e decido seguir em frente sem mais delongas.
Dali a Aljustrel foi um tiro, depois Ervidel já fazia parte dos meus planos visuais e quando cheguei a Ferreira do Alentejo, tinha cumprido cerca de um terço do percurso.
A partir daqui deixo de estar sozinho porque ao meu encontro vieram os Joaquins Piteira e Miguel que fizeram questão de me acompanhar a partir deste ponto da viagem.
Rodámos a uma velocidade comedida para um primeiro dia e fomos galgando quilómetros um atrás do outro até chegarmos a Alvito.
Alvito já cheira a Alto a Alentejo. É uma vila rica em património humano e material conforme tiveram oportunidade de constatar os nossos olhos ao viajarmos pelas antiquíssimas paredes do seu castelo hoje transformado em Pousada.
Quanto ao património humano, tivemos o ensejo de com eles compartilhar uns pedaços de toucinho (do alto) e ainda uma linguiça de se lhe tirar o chapéu, na inédita Associação de Cante desta alva vila Alentejana.
Comendo toucinho (do alto)
Convivas da associação de cante do Alvito
Fizemos fotos e amigos, mas o nosso destino ainda dista umas boas dezenas de quilómetros e há que fazê-los impreterivelmente, ainda que o nosso desejo fosse ficar ali a beber da sabedoria desta gente que trata por tu os segredos da terra.
Sempre a pedalar estrada acima damos connosco a cruzar a povoação de Aguiar. Nesta terra (segundo os meus confrades pedalantes) não se pode perguntar a esta gente as horas, pois consta que em tempos idos, um padre terá feito uma colecta para reparar a igreja e o seu relógio, mas entretanto desapareceu. As pessoas pensando-se ludibriadas insurgiram-se contra o desaparecido cura, mas certo dia apareceu uma enorme caixa trazida por um viajante.
Vinha da parte do tal padre e dizia que no seu interior estava o relógio pertencente à igreja. Foi declarado feriado na aldeia para que toda a gente pudesse no dia seguinte assistir á abertura de tão necessário equipamento temporal.
As mulheres eram as mais curiosas, sendo que algumas delas diziam que os respectivos maridos tinham quota-parte no espólio do interior da caixa, porque teriam sido generosos contribuintes de tal renovação, mas quando a caixa foi aberta, esta apresentava um inusitado numero de pares de cornos.
Bem, o resto é fácil de imaginar, bem como o motivo porque em Aguiar não se pode perguntar as horas à população.
A igreja de Aguiar com o relógio da discórdia
Continuámos estrada fora, galgando, penando, sofrendo quilómetro atrás de quilómetro, só descansando quando Évora ( a cidade mais encantadora de Portugal, na minha perspectiva) estava no fio dos nossos horizontes.
Até Graça do Divor foi depois um tirinho de 15 quilómetros, mas estes, pareciam não querer acabar. Mas chegámos, e a prova é que estou a escrever desta bonita aldeia.
Banho tomado na casa do Joaquim Miguel, onde me foi apresentada a Maria Adelina ( que cozinha divinalmente).
Regressámos ainda a Évora para a foto de família e estamos agora prontos para o sono retemperador, que nos há-de dar forças e ânimo que nos conduzirá a Torres Novas onde pernoitaremos e onde assistiremos ao vibrante desafio da estreia de Portugal no Europeu de futebol.
Por mim, deixo aqui o meu palpite. Portugal 2 Turquia 1.
Até amanhã…
PS: Não se esqueçam de ler e divulgar a viagem em questão, bem como de comentar as incidências e tropelias do dia a dia.
PS1: parece que amanhã temos 40 empadas para deitar abaixo….
Trajecto: Santiago de Entradas - Nossa Senhora da Graça do Divor
Distância: 138 Km
4 Comments:
"vamos lá saindo
por esses campos fora
que a manhã vem vindo
dos lados da aurora"
A CAMINHO DE SANTIAGO!
Napoleão é meu privilégio poder conhecer-te e contigo privar estes dias.
Sorte minha ter ainda descoberto pelo caminho o declamador de voz poética Viriato Ventura.
Posso agora afirmar ter sentido ontem ao serão a alma de Fernando Pessoa em minha casa.
nesta semana as visitas ao teu blog vão subir de uma maneira exorbitante para poder acompanhar as passadas do viajante...para poder contemplar as palvras do poeta, a força do ciclista, as fotografias do observador, as sensações do apaixonado e a visão de alentejano...
Santiago de compostela espera por ti a uma pedalada de ansiedade, e nós esperamos por ti 'num nosso aqui...' com um abraço de saudade...
longe...mas perto!
continua a deliciar-nos com as tua s aventuras...
beijinho vindo do sul...
teu fruto, teu pêssego recheado com pérolas de antigamente...Catarina Mira
Minha filhota,
a vida é feita destas pequenas sensações...o teu comentário fez-me estremecer, e tu sabes o que isso significa.
Obrigado por seres minha filha, meu orgulho, meu pêssego recheado com pérolas de antigamente...
Abalei do Alentejo
Olhei para trás chorando
Em passando a ribeira de Terges
As ondas me vão levando
Um abraço
José Mestre
P.S. Sobre a Catarina Mira : A querm é que a miúda sai tão poética?!...
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