Água Santa da Herdade - Um SPA à Alentejana!
Esta é uma parte da “pátria” alentejana que nesta altura do ano tem tanto de bela como de deprimente. É o tempo em que os campos se apresentam numa nudez quase desértica e, se trocássemos as minis por chá e os chapéus por turbantes, bem poderíamos estar num qualquer recanto berbere.
Hoje quero-vos levar numa viagem à profundeza da terra transtagana, a um sítio onde o tempo continua imutável. Hoje como há dezenas de anos tudo continua igual; aqui não há electricidade, nem água canalizada, nem estradas alcatroadas, aqui, o único sinal de que estamos no século presente, é-nos trazido pelo ruído sincopado de um pequeno gerador. Mas comecemos pelo princípio, para isso peço-vos que venham daí comigo.
Saindo de Castro Verde em direcção a Mértola, depois de passada a pequena povoação da Galeguinha, um pouco mais à frente encontramos placas que nos indicam a direcção de Rolão e Viseus. Percorridos alguns quilómetros havemos de fazer agulha para a Figueirinha, que nos há-de conduzir a Tacões, depois Penilhos e um pouco mais à frente Martinhanes, onde á entrada da pequena povoação e antes do “ Café Grilo” existe uma placa indicadora de que devemos aqui voltar para “ Água Santa da Herdade” um SPA à Alentejana perdido na imensidão da planície, logo que tenhamos percorrido os quatro quilómetros de terra batida que separam esta aldeia daquilo que considero ser um dos últimos paraísos por aqui existentes.
A caminho da água santa - Um deserto a lembrar outras paragens!
Reumático e doenças de ossos são aqui tratados em banhos diários da milagrosa água que quando bebida também (apesar do cheiro intenso a ovos podres) proporciona excelentes resultados a quem sofre de doenças do foro intestinal.
A cabana - Centro de Convivío - construída no leito da ribeira.
Para aqui vir e alugar uma destas casas que custa o “disparate” de 3€ por dia, é necessário vir com outra casa atrás. Das vezes que cá vim trazer familiares também tive de trazer as camas, fogão, cadeiras (mesa existe), loiças, talheres, detergentes, roupa de cama e cozinha e respectivos viveres e pasme-se: galinhas, patos e coelhos vivos (forma única de garantir alimentos frescos).
Nas casas nuas existe em cada quarto uma mesa e uma banheira pintada de azul índigo que lhe confere um aspecto assaz interessante. É nestas banheiras que reside muita da
esperança daqueles que procuram estas inóspitas paragens.
O tratamento normal é entre sete e nove banhos, segundo nos confidencia João Domingos (“técnico termal” entre Junho e Setembro, apanhador de fruta até finais de Outubro e tosquiador de ovelhas na Primavera, de entre outros misters que exerce consoante o tempo e as necessidades).
-Os termalistas não devem ficar em cada banho mais de 30 minutos para que beneficiem das propriedades destas águas – diz-nos João Domingos, que cobra €6 por cada um destes banhos milagreiros.
Pelo meio do “rebanho” de minis que emborcámos acompanhadas de excelente presunto da sua lavra, lá nos foi dizendo que os banhos começam a 24 de Junho ( chamado de banho de S. João que segundo a lenda valia logo pelos nove), também nos disse que no tempo de seu pai, ou do seu avô, juntavam-se ali dezenas de famílias; tantas, que num ido 7 de Agosto, para além das casas existentes, estavam erguidas nas margens da ribeira 22 barracas que albergavam outras tantas famílias; nisto veio de lá uma inesperada cheia, que embora não tento provocado vítimas, levou 20 dessas barracas ribeira abaixo. Dá para imaginar o dilúvio que se terá por aqui abatido. Estando no local podemos pressentir o pânico sentido nesse fatídico 7 de Agosto de um ano que ninguém me soube dizer qual.
O tempo foi voando e o sol desaparecendo atrás do outeiro. Era tempo de abalar, não sem antes o João Domingos nos deixar com água na boca confidenciando-nos que as noites de Verão ali eram também excelentes para saúde, já que nesse noctívago turno se apreciava o canto da natureza, e bastas vezes também o do homem, muitas delas acompanhado de um bela caldeirada de rãs que por aqui se ouvem coachar às centenas.
Pelo caminho de regresso e enquanto a estrada não ganhava o negro da civilização, perdizes e lebres corriam à frente do carro como que a desafiar o destino em manobras de arrepiar.
Com a alma prenhe de Alentejo regressei a casa com vontade de convosco compartilhar este dia de cortar a respiração.
Crónica a publicar no Correio Alentejo de 8 de Setembro de 2007
15 Comments:
Além de uma excelente descrição, aquele presunto devia ser uma maravilha... ...
O Pulanito lá vai descobrindo essas preciosidades por um alentejo que felizmente ainda tem algo de "profundo".
Excelente descrição. Em oportunidade próxima passarei por lá. Quero beber dessa água milagrosa que sabe a ovos podres.
André Milheiro
Bem...a banheira é um espectáculo..uma verdadeira peça de design...e não estou a brincar.
Tu lá descobres estes recantos dum Alentejo que aqui por Lisboa se pensa já não existir. Como Alentejana e tua conterrãnea, deixas-me sempre com vontade de voltar a correr para o meu Alentejo.
magnífica foto-reportagem. As minhas mais sinceras felicitações ao "repórter-fotográfico".Creio que qualquer dia aí temos um livro do amigo Napoleão Mira!A propósito já leste o livro "Uma Jornada ao Alentejo e ao Algarve" de Francisco de Sales Loureiro, ou "Por Cerros e Vales" de Brito Camacho, ou ainda o "Portugal" de Miguel Torga e tantos outroa livros de viagens quede momento não me ocorrem? Creio que já deves ter material suficiente para te lançares na publicação de um livro ou ainda não, amigo Napoleão?|
Um abraço do amigo
josé Mestre
P.S. Formulo sinceros votos para que o pessoal da ASAE não tenha a peregrina ideia de ir fazer termalismo para essas bandas e não leia este comentário ...
Mas que maravilha de SPA! O artigo está, como sempre, fantástico. As descrições fazem-nos sentir como se lá estivessemos!
Ui... As memórias...
Desde muito pequena fui-me familiarizando com esta realidade... A água santa...
Fui lá duas vezes com os meus pais, uma com uns 7 anos e outra com uns 10 ou 11...
Da primeira foi a surpresa, os banhos , a água que até era engraçada para beber. A avó connosco a falar da primeira vez que lá tinha ido por causa de umas dores nas cruzes! Ai parece que já passou uma vida!
Da segunda, encontrámos um casal de Brinches que o tempo já fez com que arrancasse da minha memória o nome de família... Mas foi um ano mágico! Já demasiado mandona para beber a água dos ovos podres, obrigava o meu pai a viagens a penilhos ao pequeno mini mercado existente para comprar garrafões de água.
Mas o mais importante eram as noites: sem distracções televisivas nem radiofónicas as pessoas conversavam! Parece incrível mas isso acontecia: conversava-se à refeição e após a mesma iamos para as mesas no exterior onde se avizinhavam, no meio das estrelas que banhavam aquele imenso céu, tertúlias musicais.
"Inda agora aqui cheguei,
Já estou quase de abalada,
Se quiser ficar pois fica,
Fica sim, cara bonita,
Que eu não me vou ralar nada!"
Aprendi tanto e penso que mesmo contrafeita, foi ali que semeei um pouquinho de mim no Alentejo.
Pudesse eu voltar lá e estar novamente com a avó e sentir na pele o calor de uma noite de verão!
ainda bem que te fiz recordar tempos felizes....
Na primeira oportunidade que tiver, vou visitar esta raridade, só não sei se ainda estarão a laborar.
Pulanito, trás-nos mais locais como este. Tenho a certeza que já deves ter praí outro na manga.
No ano que vem eu e o meu marido estamos lá caídos...ainda por cima agora que temos uma roulotte.
Vou já apontar na minha agenda.
Viva o Alentejo...e quanto mais profundo melhor...
TENHO MUITO ORGULHO EM PODER AINDA HOJE DISFRUTAR DESTE LUGAR E, MAIS ORGULHO TENHO EM QUEM ALI TRABALHOU E TRABALHA AINDA HOJE SEM PARA DURANTE OS NOSSOS BELOS VERÕES SEM IGUAL,SEM FÉRIAS DE ESCOLA OU DO TRABALHO.O RAPAZ QUE VÊEM NA FOTO COM OS BALDES É MEU PRIMO E, TODOS OS VERÕES PASSO SEMPRE POR LÁ PARA ME LEMBAR QUE JÁ FUI FELIZ E, NA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDO TIVE A OPORTUNIDADE DE PODER BRINCAR SEM TEMPO MARCADO NAQUELE LUGAR TÃO ESPECIAL,APAREÇAM E NÃO SE ARREPENDERÃO,PRINCIPALMENTE NO VERÃO ONDE O MEU PRIMO E A ESPOSA TEM UNS PETISCOS DELICIOSOS E MUITA BOA DISPOSIÇÃO PARA DISTRIBUIR,ATÉ AOS MAIS ESQUSITOS...ISTO JÁ PARA NÃO FALAR DAS MINIS GELADINHAS QUE CAEM QUE NEM GINJAS PARA ACALMAR O BAFO QUENTE DE AGOSTO.A SÉRIO!!! APAREÇAM,NEM QUE SEJA SÓ PARA VER,MAS ACONSELHO NO VERÃO...OBRIGADA
Ola, que recordações eu tenho da agua santa, visto que por la passei muitos e bons dias na minha infancia, a minha avo tinha la uma casa eu ia par la passar uma ou duas semanas todos os anos claro quando era miudo,sou de penilhos e conheci todas essas pessoas que por la trabalhavam a fazer os banhos milagrosos que essa agua faz,vivo no estrangeiro e ñ posso ir la como gostava, obrigado pulanito por trazeres aqui um pouco do nosso alentejo
E muito bom espero que mais pessoas venham conhecer.
O melhor mesmo era viver neste local, o som da água e das perdizes que não se calam, as flores dos loendros sempre viçosas e claro uma ligação à Internet e está lá tudo, as obras fantasticas que teve, com a represa de água, criam algo maravilhoso, a ribeira que mantem um caudal de água interessante. Certamente a Junta de Freguesia de S. João dos Caldeireiros ajudaram a concretizar algo que há muito tempo se esperava.
Quando me reformar, é lá.
Abraço a todos os que adoram este local único.
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