Adeus ó Fonte do Linhas!
Levantou-se mal o sol raiou. Percorreu o mesmo caminho que calcorreara vezes sem conta. Era uma espécie de chamamento. Uma vereda de espanto que o conduzia sempre ao mesmo local.
Aí chegado, despia a t-shirt que lhe cobria a magreza dos vinte anos. Arremessava os longos cabelos para trás de forma a, no movimento seguinte, os mergulhar de um só golpe nas águas cristalinas da nascente.
Depois, recobrado do choque termal, com um vigoroso movimento em espiral, atirava para as costas, a farta cabeleira encharcada. Era um ritual quase diário. Uma coisa em forma de pele que não sabia explicar.
Sentia-se deus. Poeta dos silêncios da planura. Rei Neptuno dos pegos e das ribeiras e em particular, deste local tão assumidamente seu: a Fonte do Linhas!
Amava o chão que pisava. Venerava a lonjura e a solidão. Estremecia com o naufrágio do sol naquela mar longínquo que era a linha do horizonte.
Certo dia teve de partir. Como tantos outros, foi atrás do sonho helvético duma vida melhor... como se isso fosse possível!
Ainda pensou em regressar, mas as necessidades do homem sobrepuseram-se aos devaneios do poeta.
Para se compensar, mudou mentalmente a toponímia dos corredores do armazém de viveres onde labutava. O corredor das mercearias passou na sua cabeça a Pego da Maria Jacinta, o das bebidas o do Alcorão, ao dos produtos de higiene onde predominavam os champôs apelidou-o naturalmente de: Fonte do Linhas. E assim, sem cá estar... nunca de cá saía!
Passados anos regressou. Palmilhou ansioso o caminho que os seus passos ajudaram a alargar.
Aí chegado, julgou ter-se enganado. No lugar da nascente estava uma casa de onde era bombeada a água que da fonte brotava e que agora abastecia a população.
Uma tristeza imensa apoderou-se-lhe do peito. Passou o dia calcorreando os campos da sua crença. Embriagou-se de silêncio e liberdade. Quando pelo sereno regressou ao povoado, vindas lá do fundo duma venda, ressoavam as vozes dos homens que cantavam uma moda por si desconhecida:
Adeus ó fonte do linhas
Já não tens água clara....
1 Comments:
Magnifica descrição desse nosso compatriota, que nunca teve mais terra do que alguns palmos do quintal dos seus pais, e agora seu, mas que sempre olhou, e continua a olhar o horizonte entradense, sem esquecer o do Chaparro dos Pernas como sendo sua pertença.
Como é bom sonhar, e ter a certeza que a terra que tanto amamos, não admite marcos, nem fronteiras, e é pertença de todos nós, e com todos nós há-de ficar, independentemente dos registos nas Conservatórias de todos os Registos Prediais.
Quando tomei conhecimento deste teu texto sobre o Serrano. Até aos primeiros 5 parágrafos, pensei que o destinatário poderia ser o Carlos Seixinho ( BOLHA ).
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