A Drogaria do Senhor Marçalo
O Senhor Marçalo com alguns dos artefactos que vende no seu estabelecimento
O rei Merlin da drogaria Marçalo, é o próprio senhor que lhe dá o nome. Começo esta crónica com este trocadilho de modo a reiterar o quanto aprecio estes ícones do comércio local, e o Manuel Marçalo, é um deles. Estabelecido desde 1991 em Castro Verde, depois de quatro anos emigrado em França e dezasseis no Canadá, terras distantes para onde teve de partir de modo a arranjar o pé-de-meia necessário para regressar e iniciar o negócio.
Gosto da palavra: estabelecido. Dá-me sempre a sensação que é coisa de raízes cravadas terra adentro, tarefa para levar ao limite das forças, missão para cumprir até ao resto dos dias, ou mesmo, ritual feito compromisso para com os que aportam ao seu balcão. O senhor Marçalo conta setenta e dois anos, mas no que diz respeito ao domínio ao conhecimento do seu metier, parece ter mais de cem e, na agilidade física, não lhe daria mais de quarenta.
Das vezes que lá vou afasto-me sempre um pouco da zona do balcão para ouvir os sábios conselhos com que presenteia a clientela.
— “Ó senhor Marçalo avie-me lá aí remédio para as carraças.” Pede um apressado cliente.
— “E é para o animal ou para o quintal?” pergunta o droguista.
— “É para os dois.”
— “Tenha em atenção que a mistura deve ser feita como mandam as indicações. Nada de inventar. Nem crianças nem animais por perto e você deve fazê-lo com roupa apropriada e com proteção nas mãos e olhos. Ainda na semana passada dei o mesmo conselho a uma moça que por aqui passou. Não os seguiu e foi parar a Beja ao hospital”.
— “Aponte aí que o meu patrão logo paga” — remata o apressado cliente saindo porta fora ao mesmo tempo que agradece o conselho.
Desta pequena conversa em forma de exemplo retive duas coisas que jamais aconteceriam nas grandes superfícies suas concorrentes. Ninguém se preocuparia em facultar tais preciosas indicações e jamais poderíamos mandar apontar no livro do fiado para futuro acerto de contas.
Quando comecei a frequentar o seu estaminé (1997), tinha um colaborador, moço sisudo mas prestável. Depois, o colaborador desapareceu e Manuel Marçalo ficou sozinho durante anos diante duma cada vez maior freguesia que demandava os seus préstimos.
Da última vez que por lá passei já tinha nova colaboradora. Gaiata desenvolta e simpática, pareceu-me capaz de tirar de cima dos ombros do patrão alguma da carga de trabalho a que este se sujeita diariamente.
Chegado o mês de junho, quando os dias são maiores e mesmo depois de um árduo dia de labor, é vê-lo montar-se à tardinha na sua Renault 4L e na companhia da sua senhora dirigir-se à Água Santa da Herdade. Aí, depois de um milagroso banho de águas sulfurosas, junta-se aos restantes banhistas para a vespertina confraternização, partilhando petisco e paleio.
A drogaria Marçalo é uma autêntica babilónia de produtos, como de resto é habitual neste género de estabelecimentos, mas aqui tem mais umas coisitas que noutros lugares não encontro.
Bem! Vende navalhas de todos os tamanhos e feitios e isso para mim já chegava, mas, na prateleira por de trás do balcão ainda comercializa objetos que me fazem viajar no tempo.
Dentro da iluminação, os famosos candeeiros a petróleo , com a admirável torcida e chaminé elegante debruada a ondulante beiral de vidro. Para a cozinha, as famosas máquinas a petróleo todas em latão. Recordo-me que se tinha de bombear ar para que o combustível subisse e, para limpar os bicos uma agulha com que se retiravam as impurezas que não deixavam passar a chama.
Tem ainda peneiras e crivos de vários tamanhos e um vasto cardápio de material de latoaria que me faz recuar a um tempo de tremendas dificuldades, mas sabe-se lá porquê, não consigo dele matar as saudades que me perseguem.
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