Excerto do Capitulo III do FADO...para aguçar o apetite
Esta era a vista que Joaquim Cabreira tinha lá do fundo poço que cavara na sofreguidão do seu sofrimento.
Este é provavelmente o capítulo que mais gozo me deu escrever, demorou uma noite inteira do inverno passado. A água que nascia neste poço caía em cima do meu telhado de forma assustadora. Ouvi Rodrigo Leão a noite inteira, quando a manhã chegou tinha cavado em forma de escrita um dos capítulos mais emblemáticos deste FADO.
"Aquela força estranha que o invadia impelia-o a cavar cada vez mais fundo. Já mal conseguia deitar fora com a pá a terra que ia soltando, ora com a enxada, ora com a picareta.
Já sem forças, quase sem luz, tentou sair do poço que esburacara até à exaustão. Firmando um pé em cada uma das paredes, reparou que não as podia galgar porque o espaço era demasiado largo. Como só encontrara terra nos mais de dois metros que escavara, não tinha qualquer apoio para se poder catapultar para o gargalo do mesmo. Puxou pela cabeça. Tentou, sem êxito, utilizar as ferramentas que tinha no fundo do poço. Talvez o seu desígnio estivesse a acontecer. Talvez ele tivesse mesmo cavado a própria sepultura. Talvez o mundo tivesse desabado sobre si naquela manhã de agosto. Talvez não fosse justo que a ele sobrevivesse.
Sentou-se no fundo do poço e fechou os olhos. Pensou que assim adormeceria e, adormecendo, morreria. Não sabia que havia coisas que escapavam à vontade do comum dos mortais e que esta coisa de morrer é mais complicada do que se julga. Afinal, Joaquim Cabreira só percebia da morte dos outros.
Com a luz solar a esvaecer-se, sem ninguém por perto que lhe pudesse acudir, decidiu em definitivo sentar-se no fundo do poço; alguém daria pela sua falta e o viria procurar.
De repente, um pequeno fio de água começou a brotar e, à medida que este ia correndo ia enchendo aquela espécie de cilindro escavado na terra. Joaquim nem queria acreditar. Se ninguém lhe viesse acudir antes da noite ser verdadeiramente noite, morreria afogado no poço que ele próprio cavara. A força da nascente era tanta, que a água, em três tempos, já lhe chegara aos joelhos.
Tentou em desespero uma última vez escapar a este destino fatal e a forma que encontrou foi clamando: «AJUDA! SOCORRO! AJUDA! SOCORRO!» Gritou a plenos pulmões vezes sem conta. De cada vez que parava de bradar via a água subir mais uns centímetros. Feitas as contas, morrer naquele dia não lhe vinha a calhar, mas agora nada podia fazer."
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1 Comments:
Caro amigo,
Foi com muita expectativa que comprei o teu Fado, na feira do Livro de Castro.
Peguei nele de seguida e li as primeiras páginas para lhe tomar o peso e o gosto. Decidi parar e que o leria durante o meu trajecto para Munique dois dias depois.
Durante a viagem coloquei Nitin Sawnhey a tocar no mp3 e instalei-me para te ler, (sim tem muito de ti naquele livro) li de seguida a forma como deste vida ao Zé Viola e à Amália Cabreira e ao seu sonho de vida em Liberdade.
Parei no final da minha viagem no capitulo XV no meio da sua fuga da prisão espanhola com toda a e expectativa e emoção que se adivinhava em seguida. Prometi a mim mesmo só voltar ao teu romance na viagem de regresso e que ótima companhia que tu foste, ao conseguir transmitir-me emoção, suspense e ao mesmo tempo alguma nostalgia dos tempos idos.
Obrigado pelo teu livro, por mim, estou ansioso de ver próximo, mas agora vai ser mais complicado para ti, porque colocaste a tua fasquia muito alta.
Um abraço
Acácio Balagueiras
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