O Pitrolino
Na minha infância lisboeta tudo se vendia de porta em porta e a vida passava-nos à frente da janela em forma de pregão. Era a varina de canastra em forma de barco à cabeça, balançando rua abaixo de mão na anca; era o padeiro de gigantesco cesto de verga no suporte da bicicleta distribuindo ao alvorecer esse perfume matinal em forma de carcaça; era o leiteiro de cântaro debaixo do braço mais o ardina com as notícias fresquinhas, era o amola tesouras com a sua gaita (uma espécie de flauta dos Andes), acordando ao som desta o bairro para a azáfama de mais um dia das nossas vidas; mas de entre todos eles, o que mais me fascinava era o pitrolino!
O pitrolino que eu conheci era um carro puxado por um enorme e possante cavalo branco. Este carro foi dos primeiros que vi com pneumáticos, a sua carcaça era uma amálgama de gavetas, gavetinhas e gavetões metálicos, todo construído a propósito para poder levar o máximo de mercadorias.
Na parte de trás tinha os depósitos de petróleo e azeite com as suas respectivas medideiras hidráulicas que lhe emprestavam assim um ar, que se não fora o cavalo, parecia um daqueles veículos espaciais feitos na garagem por um curioso engenhocas.
Este porta-estandarte do comércio de vizinhança vendia de tudo: sabão azul e branco (sabão macaco) e sabão amarelo em grandes barras que comercializava a peso depois de cortar a porção desejada com um enorme facalhão. Cera para os soalhos, caixas de fósforos das grandes, benzina e benzovaque para retirar as nódoas, solarina para os metais e tantas outras drogas para o uso da casa.
Do outro lado do inenarrável veículo, ou seja, do lado esquerdo do cavalo branco para quem o estivesse a ver por de trás, a secção de mercearias! Das gavetas que se abrem saem arroz, feijão e grão. Doutras bacalhau, ali mesmo cortado à posta pela faca montada na aba por cima da roda.
Aquilo que nos fazia secar a garganta vinha em forma de rebuçados que o nosso pitrolino trazia nuns tubos de plástico transparente que para além de darem ao veículo um ar mais futurista, também servia para fazer luzir os olhos da criançada.
Quando chegava fazia soar a corneta, forma de se anunciar à população do bairro, quando partia voltava a tocar a dita, num até para a semana anunciado, nunca sem antes jogar a mão ao frasco dos sugus, atirando uma mão cheia ao ar para deleite da pequenada.
4 Comments:
Nesse tempo a Mari Moura dizia nervosa ao Manel Pataquinho:"Maneli nã te descalces que tens quir ao pitroli".
Enquanto o Zé Xiçaro se escapava pela janela de trás,ajeitando as roupas desajeitadamente.
O Quim,que não era de intrigas,enquanto com a fisga tentava depenar pássaros debaixo da velha figueira de figos cabaçais,gritou"agarra que é ladrão "...
O Maneli armou uma cena de ciúmes ,com distribuição de fruta a criar bicho...
E a primeira ambulância dos bombeiros saiu a toda velocidade,vibrando a sirene.
Desde então o Maneli passou a chamar-se:Maneli Do Pitroli.
BOAS FESTAS!.....BOM ANO-- 2013-- PARA TODOS!!!
E até lá estamos tramados,pá!-:)
HAJA SAÚDE!
-que eles tratam do que resta-
jm
Pedro Souto: soube há pouco tempo porque fui procurar: Benzovac é a benzina comercializada pela MOBIL. depois ficou a ser assim chamado. beijo, mano
Querido Serrana;
Tive vários Mercedes desses na minha infância"
José Mestre:
"É varina, usa chinela, tem movimentos de gata; na canastra, a caravela, no coração, a fragata. Em vez de corvos no xaile, gaivotas vêm pousar. Quando o vento a leva ao baile, baila no baile com o mar. É de conchas o vestido, tem algas na cabeleira, e nas veias o latido do motor duma traineira. Vende sonho e maresia, tempestades apregoa. Seu nome próprio: Maria. Seu apelido: Lisboa."
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