Na Fila do Supermercado
Juro que tenho tentado escrever. Juro que tenho tentado encarreirar umas quantas frases de modo a actualizar a montra desta loja de esquina com vista para o meu interior.
Escrevo, volto a escrever e após algumas frases apago tudo e volto de novo a escrever.
Não sei o que se passa comigo, só me apetece nada apetecer!
Bem sei que o meu melhor amigo, que por sinal era meu pai, partiu recentemente deixando em seu lugar uma surda ausência com a qual ainda não aprendi a lidar e, talvez por via desta falta, me sinta completamente desmotivado para a escrita.
Talvez pudesse exorcizar aqui alguns dos fantasmas que me perseguem. Talvez pudesse aqui expugnar alguns dos diabos que me atormentam e, assim, escrevendo me iria de uma qualquer lei da morte libertando. Mas não! Volto a ser assaltado por este colossal vazio que de tão negro e fundo nem dele ouso falar.
Por isso decidi fazer uma sessão de charcutaria artesanal e, assim sendo, proponho-vos um enchimento de chouriços em série falando-vos do que de mais banal existe: O meu azar na fila da caixa do supermercado.
Não sei se é só comigo que acontece, mas que tenho um azar do caraças com a escolha da caixa onde pretendo pagar as contas das minhas mercas.
Ainda hoje, ao regressar a casa passei pelo supermercado para fazer umas pequenas compras e, ao aproximar-me da altura de pagar, verifiquei que estavam quatro caixas abertas, fiz o meu habitual cálculo mental de modo a fintar a má sorte que me persegue. Fiz um compasso de espera, olhei para a cara das operadoras para ver qual era a mais despachada e fiz a minha escolha. Calhou na caixa 3. Só tinha uma pessoa à minha frente e, pensando que pelo menos desta vez tinha acertado, quando vou pagar o raio da máquina que dá os tickets emperrou, não deixando a pobre funcionária abrir a caixa.
Nas outras caixas ao lado era um ver se te avias, e eu, a vê-los passar. Encolhi mentalmente os ombros, sorri para dentro e pensei na minha malapata sempre que tento pagar as contas.
Noutras alturas, ou apanho uma velhota à frente que só depois de arrumar muito bem os sacos é que puxa da carteira, conta e reconta as notas, depois saca do porta moedas e, não raras vezes dos óculos, numa tentativa de agilizar o processo de pagamento, conta moeda a moeda, volta contar e por fim, já quando o meu desespero começa a ganhar grunhidos de desconforto lá se afasta lentamente.
Isto para não falar doutros clientes das mais variadas proveniências e aspectos que se esquecem de pesar os legumes tornando num eterno “instantinho” ao local de pesagem, regressando apenas quando os outros clientes concorrentes deste jogo avançam avassaladoramente tapete fora, um atrás do outro, e eu, a vê-los passar!
Para me distrair penso naquele jogo dos barcos da feira popular, onde também nunca ganhei nada, e onde os concorrentes tinham de acertar com uma bola num orifício que saltava para o dito através duma pancada num botão que as fazia saltar, que por sua vez fazia movimentar os pequenos barcos, sendo que, o primeiro a atingir a meta era o que ganhava a famosa garrafa de ginja.
As mercadorias a passarem no tapete, fazem-me lembrar esse jogo de destreza e precisão de que tanto gostava lá para as bandas de Entrecampos.
Temos ainda o caso dos clientes que mesmo à beirinha de pagarem resolvem contestar o preço de determinado produto que não confere com o recibo ou com o mostrador da caixa, resultando obviamente na chamada de um superior para resolver a contenda, coisa que dependendo da disparidade em causa, demora mais ou menos tempo, geralmente, muito!
Há ainda as meninas da caixa faladoras por natureza, que para se concentrarem na conversa se esquecem que estão a trabalhar e que naquele corredor da morte das nossas carteiras, o tempo é um bem precioso e toda a gente quer sair dali o mais rapidamente possível, embora tenham deambulado pelos corredores do supermercado, comparando preços, avaliando produtos, comendo à sucapa (meu caso!), provando tudo o que há para provar, para depois quase terem um ataque de nervos quando entram no obrigatório corredor, de onde todos saímos mais pobres.
Por outro lado, temos ainda as caixas inexperientes que, ou trocam o produto na hora da pesagem (sempre por outro mais caro, caso contrário também ninguém se queixa..e ainda bem!), ou que se enganam no número de embalagens e lá agarram de minuto a minuto num telefone para onde falam para o bocal mas tendo o cuidado do auricular ficar à frente do nariz….coisa estilosa, p’ra dar cardenância, penso eu no pensar à la Jorge Jesus.
Já tentei das mais variadas maneiras fintar este destino de pagador de promessas feitas chouriço com que enchi esta crónica, mas na verdade sempre que me abeiro duma caixa de supermercado, existe uma força superior que tira uns minutos dos seus múltiplos afazeres, para vir gozar comigo e, fazer com que o meu destino, seja destilar ódios sobre pessoas que não têm culpa nenhuma destes meus jogos mentais dignos de um perfeito anormal.
PS: Regressei agora do supermercado: terça-feira dia 16 11 2010
Passei no supermercado para comprar duas coisas: papel higiénico e maçãs, duas coisas essenciais para uma boa qualidade de vida.
Quando vou para fazer a minha habitual abordagem, vejo (pela primeira vez na vida), duas caixas sem ninguém. Pensei para com os meus botões. É hoje! É hoje que se me vai acabar o azar.
Decido-me pela caixa mais próxima da porta e com um enorme sorriso apresento-me com os produtos na mão, disposto a expugnar este mau-olhado que há tanto tempo me apoquenta.
Resposta da menina da caixa, que tinha um pequeno papel na mão: «Importa-se de esperar um bocadinho, é que a senhora a quem este papel pertence foi ali num instantinho». No tal famoso “instantinho” que tanto abomino; eram 11:31.
Como a outra caixa continuava vazia, disse para comigo: «Não! Desta não me enganas»,e zás agarro no papel higiénico e nas maçãs fazendo intenção de ir para a outra caixa no preciso momento em que entra uma velhinha (género idosa do anúncio do KitKat) com o carrinho com as rodas a ranger e atulhado de material.
Nesse instante chega mais um cliente à minha fila, e entretanto à outra caixa juntam-se outros clientes, o que me faz ficar ali à beirinha de pagar como se fora um peixe desesperado que olha para o mar à sua frente e acaba por morrer na praia asfixiado.
Às 11:37 (e seis minutos em fila de supermercado pode ser um entupimento) lá aparece a senhora com a caixa dos chocapits para a neta que reclamando com a pobre rapariga da caixa, afirmando dificuldade em na encontrar.
Este é um azar light! Que todos os males do mundo fossem termos de esperar na fila do supermercado para pagar (sinal de que temos dinheiro em carteira!) e capacidade para lá nos deslocarmos. Digo isto para chegar à construtiva resolução de que afinal tudo é relativo; mas, que me anda a toldar o juízo: disso não restam dúvidas:
11 Comments:
Compreendo prefeitamente estas tuas aventuras nas filas das caixas, pois tambem as vivo. Tenho o dom de escolher sempre a caixa mais lenta, ou são todas assim??? Talvez o problema sejamos nós!
Isaura
Caro amigo
Soube agora da partida do teu pai,é a vida companheiro e todos caminhamos nesse sentido.Sabendo da cumplicidade que vos unia calculo o que te vai na alma.
Um abraço de pesar para ti.
Para ele, que descanse em paz.
jmatos
Caro João Matos,
Muito obrigado pelas tuas palavras amigas..
Forte abraço
E aí está mais uma aventura do pulanito, e que aventura. Realmente é muito azar...
Um abraço e as sinceras condolências pela ida do seu pai.
Força!
Pois é Napoleão. Já fizeram onze anos que o meu pai partiu, mas há sempre uma hora no silêncio do campo em que eu penso, como ele amava pisar os torrões que ele tanta vez voltou com o seu arado para ganhar o pão nosso de cada dia. É assim a nossa vida. Mas que doi, doi. E ainda doi mais, quando já partiram os dois seres que nos puseram neste mundo, como é o meu caso.´Mesmo que jjá tenhamos ultrapassdo os cinquenta é sempre penoso dizer, já não tenho pai, nem mâe! Há que pensar nos filhos e netos para aliviar as dores que nunca passam, mesmo que o tempo as atenue. Um abraço amigo!
Lurdes salgueiro,
Pensei que era a única.... ahhhhhhhhhhhh
Quando eu mandar no país vou abolir as caixas de supermercado. Ou vou contratar o Piteira para ir ao Supermercado por ti...
Abraço
Normalmente a caixa que escolhemos é sempre a mais problemática. outras vezes está fechada a que mais nos interessa. Um dia fui à Coopcastrense a fim de carregar o telemóvel. Não tinha cartão multibanco e não dava para ir a mais lado nenhum. E quando me dirigia à única caixa onde procedem a carregamentos de telemóveis e qual não é o meu espanto quando a empregada me disse que aquela caixa ia fechar.
Nap,ainda perdes tempo a comprar papel higiénico no supermercado.Caies em cada cilada da sociedade de consumo.
Quando vieres à Graça vamos mostrar-te como se pode prescindir desse hábito de burguês neo liberal.
Há alternativas ecológicas que o Carneiro(gajo da cidade) desconhece.O gajo só usa rolos de folha tripla* com bonequinhos e coraçõezinhos azuis e dragõezinhos(xiça)....
Ah!Também temos maçãs,na horta do Pita/agricultura biológica a martelo...:-)
Abraço
jm
*passou a usar rolos de 5 folhas.É um berdadeiro bimbo(por correspondência)
Errado, amigo. com a crise ando a usar papel de jornal. Mas não com quaisquer notícias. Apenas com notícias dos meus processos. Acho mais chic...
Mas a verdade é que desde que me roubaste a mochila o papel higiénico que lá estava desapareceu...
Mas a próxima vez que for a Entradas levo uma resma, só para o Nap não ter que ir bichar para a bicha.
Carlos salgueiro,
muito bem escrito, consegues fazer disto uma coisa divertida, mais uma vez parabéns, gostei muito. Grande Abraço
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