Caldeirada de Rãs e outras "Alembraduras"!
Ontem (03/09/08) fui alentejanar lá pra’s bandas do Alentejo profundo, mais propriamente para a Àgua Santa da Herdade - perto de Martinhanes -Mértola, local de onde postei uma das crónicas mais lidas deste blogue (ver post de Setembro 2007) e onde falava das agruras e maravilhas deste pedaço de Portugal desconhecido, e onde voltei passado um ano.
Tinha combinado com o Pardal, António José Brito e com o Caeiros (pessoal lá de Entradas...portanto) passar um serão nestas inóspitas paragens, onde poderia comer a tão almejada caldeirada de rãs de que ouvira falar vezes sem conta.
Não sei porquê, mas este batráquio exerce em mim um fascínio gastronómico, mas que havia anos, senão mesmo décadas que não voltava a sentir nas minhas papilas gustativas o paladar de tão requintado pitéu.
A coisa foi finalmente combinada, e lá abalámos caminho deste santuário em busca de sabores há muito guardados no báu das memórias.
Passámos primeiro por casa do Caeiros que se havia encarregado de por à prova os seus dotes culinários num dos pratos mais simples, mas ao mesmo tempo, mais aplaudidos e apaladados, que por alturas estivais se podem por aqui provar: A Tomatada.
A tomatada é um suculento prato feito com produtos da época e que podem variar consoante o gosto de cada um, e que consiste em juntar, tomates, cebola e ovos, num “revuelto” onde a imaginação de cada mestre de culinária poderá acrescentar o que lhe apetecer.
De qualquer modo estava muito saborosa e revelou-se uma excelente forma de acompanhamento das bogas do rio e mesmo das rãs fritas que lentamente devorámos num ritual que me trouxe à lembrança a última vez que fui à rã.
Teria eu, uns doze anos, quando uma ida à ribeira (à sucapa) consistia numa aventura para mais tarde recordar (como agora está a acontecer).
Sem autorização paternal, sabíamos que nos arriscaríamos no mínimo a um puxão de orelhas, e se a coisa metesse mais aflição talvez um sova de cinto, logo um risco mais que acrescido caso viéssemos a ser descobertos.
Era Verão e logo pela manhã combinei com o meu primo Chico Zé uma caçada à rã.
Armados de fisga na algibeira traseira, rumámos ao pego onde estas se ouviam coachar em sintonia e em sinfonia.
Caçar rãs à fisga implica, uma dose de perícia ao nível de atirador olímpico, coisa que nenhum dos dois possuía, vai dai termos gasto grande parte da manhã a tentar acertar no gelatinoso batráquio, o que se revelou um enorme fracasso.
Para além disso de cada vez que fazíamos um tiro, todas as rãs se atiravam ao pego, só regressando à tona quando a segurança estava assegurada, o que demorava sempre o seu tempo. Resta-me dizer que, melhorámos a nossa pontaria, mas de caçada…nem uma para amostra.
Regressámos a casa para almoçar e não sermos descobertos (condição fundamental para podermos à tarde regressar), e como “ quem não tem cão caça com gato”, optámos pelo plano B, que consistia em esvaziar o pego.
Não me recordo onde o meu primo foi desencantar uma bomba de escoar àgua, o que é certo, é que pela hora da calmaria lá iam estes dois predadores a caminho do mesmo pego, com a firme determinação de o esvaziar e desta vez acabarmos com aquela raça que nos havia atormentado a manhã.
Em Julho e Agosto, as ribeiras deixam de correr formando-se charcos com mais ou menos profundidade a que por aqui se chamam pegos e onde as espécies sedentárias se vão governando do elemento essencial, até que uma nova estação traga leito abaixo as primeiras renovadoras enxurradas, bálsamo essencial para a renovação das espécies e para a marcação dos ciclos da natureza.
Bem, deixemo-nos de filosofia barata e voltemos ao pressentido holocausto.
À medida que a água ia escoando ribanceira abaixo e o volume acumulado no charco cada vez menor, sentíamos a adrenalina de quem está próximo de eliminar de um só golpe o maior número possível de “inimigos”.
Munidos de tábua e saco, fomo-nos internado no pego e quando a água era já uma miragem foi um vertiginoso desatar de paulada nos inocentes batráquios que à medida que eram abatidos eram colocados dentro de cada um dos sacos.
Não me recordo de haver comido essas rãs. Tanto mais que não as podíamos levar para casa. Deste episódio guardo na memória o penoso caminho de volta, enlodados até á medula, às costas um saco recheado de cadáveres de rã e ainda a pesada bomba e respectivo magueirame, que carregámos repartindo o peso pelos dois.
Eu não levei nas orelhas porque estava de férias em casa da minha avó, mas o meu primo levou uma "tuna de porradas" daquelas de ficar todo roxinho e moidinho, e de cama três dias.
Recordo-me deste episódio aqui e agora, enquanto devoro a belissima caldeirada e escuto à minha volta a amálgama de conversas que surgem mais depressa do que o João Domingos (o anfitrião) debita minis em cima da mesa.
Ao meu lado um trabalhador agrícola, conhecedor da terra, silêncios e aves, como se das linhas da palma da sua mão se tratasse, desafia outro conviva (no caso um biólogo com cargo de relevo no ICN), a pronunciar-se sobre o tema que ele pensa (e se calhar bem) dominar melhor que o eminente cientista.
Desafia-o a responder a determinadas perguntas armadilhadas, mas de que este se defende com uma linguagem empírica, mas com um excelente conhecimento do terreno que (pelo olhar) deixa o seu interlocutor bastante admirado.
Falam de predadores. O homem da terra pergunta-lhe se sabe quem depois do homem é o maior predador. O outro hesita, aventa a hipótese do saca-rabos, mas logo o trabalhador agrícola lhe diz com ar vitorioso ser o bufo, e explica porquê.
- Daqui até ao açude (talvez 2km) devem haver 10 ninho de bufo. Cada bufo tem 3 crias, logo necessita de 3 peças de caça por dia para alimentar a prole, multiplicando isto pelo número de dias que lava um bicho destes a abandonar o ninho dava, pelas contas deste “entendido” qualquer coisa como 30 a 40 peças de caça, vezes trinta dias do mês – faça-lhe as contas e diga-me lá quem é o maior predador Sr. Dr. - rematou, ao mesmo tempo que com o olhar buscava cumplices para a sua teoria.
O tempo e as minis foram-se esgotando e por mais que gostasse de ali ficar a ouvir as deliciosas conversas que bailavam de boca em boca, estava na hora de abalar.
Como isto foi escrito de rajada, deve estar uma grande bosta, mas vou correr o risco e publicá-la mesmo assim.
Depois tratarei de lhe dar uns retoques. Portanto e para os mais perfeccionistas, poderão vir aqui vários dias, que sempre terão acesso a uma versão melhorada de uma noite há muito anunciada, e em que me lembrei do facínora que era enquanto pré-adolescente, e onde me diverti no meio de gente verdadeira, vertical (só até ás primeiras 15 minis, depois já não me responsabilizo).
A rapaziada presente veio de Entradas, Castro Verde, S. João dos Caldeireiros.
Pró ano há mais...
PS: Não tenho fotos de jeito, por isso aqui fica aquela que afinal foi mote e razão deste post.
Etiquetas: àgua santa, caldeirada de rãs, Castro Verde, entradas, figueirinha, Maritnhanes, Mértola, Penilhos, SPA alentejo, Tacões, vizeus
6 Comments:
espero que tenhas lavado as unhas ao petisco...
Gosto dessa tua caçada à rã. Sempre pensei que se pescavam, mas se tu o dizes é porque sabes.
Consigo vislumbrar esses dois pilantras a escoar a água do charco para matar as pobre rãs, que é animal que nunca comi, mas conheço quem já tenha comido e dizem que gostam.
Bruno S.
Tomatada tem que ser com tomates hortículas.Lá para os lados de Moura aos outros também lhe chamam colhoada!
Nap. estás a combinar muito bem, o viver agora, com as recordações do passado. Para pouco mais de meio século de existência não está nada mau. Força companheiro Nap...
NAP,
o Carneiro é de Lisboa.Essa de lavar as unhas,só mesmo na capital.Aqui vai tudo à unha,porque"quando a cabeça não tem juizo,a unha é que paga".
E as coxinhas das pequenas"ranas escolentas" bem temperadas são uma delícia.
Nos meus tempos de Mértola,do lado do Além Rio,à noite com uma lanterna e uma pressão de ar,caíam que nem tordos(qualquer dia vais postar uma caçarola dessas aves depenadas e tão saborosas,e então ...a canção será:"a azeitona já está preta,já se pode armar aos tordos").
Tudo serve companheiro,tudo inspira quem tem memória e idade(Kuotas)para se divertir anadando Por AÍ...
Ps.O Carneiro amanhã vai ter connosco a Almeirim;queres uma "malga " de sopa de pedra?...Depois até Torres Novas só já faltam 40 Km. e para alguns umas 2 ou 3 minis e as empadas do Maurício( o tal cangalheiro).Estás convocado!
Haja Saúde
Joaquim Miguel
O carneiro não é de Lisboa. Está imigrado em Lisboa. è diferente.
Quanto às rãs, ainda sou capaz de inventar um prato... Os túbaros faz-me confusão, mas olha que as rãs nem por isso.
Napoleão,
faltáste à convocatória(estás perdoado).
O Carneiro,imparável,foi por nós encontrado na Rapousa.Estava recolhido no restaurante/café/tasca a "desancar" mais uma sandocha de presunto e mais uma água frize,daquelas que fazem os Xiclistas felizes(hidratava-se).Deixou a Kuota de fora e por isso o localizámos.
Foi com a malta até Torres Novas.Jantou mas não dormiu.O nosso Carrajola e o Cangalheiro(espero que dos outros),o nosso Maurício foram,com a sua habitual disponibilidade,levá-lo a Lisboa.
Regressaram tarde e muito alegres.O Hélder cometeu o erro de lhes entregar 3 garrafas da afamada ginjinha artesanal
(paternal),parida no Bombarral.
Chegaram só com uma já aberta e com um grande rombo no casco.Riam e ainda vão afirmando ,sem qualquer pudor,que o álcool se foi evaporando e que não tinham nada a ver com o assunto.
Ainda a conseguimos provar, no alto da serra de Aire,como recompensa pelo esforço efectuado na subida. Esta foi que nem ginjas,já que resolvemos desta vez subir ao ritmo do que ia menos bem,todos juntos,"cantando e rindo"---uma papa à Nap.
O Carneiro tem razão a magana da ginjinha é mesmo boa.Mas a malta quer mesmo beber e não só provar.Ou arranja um almude dela ou a gente fica sem saber"comié".E o estafeta tem que ser Gnroses que me parece ser o único de confiança...e mesmo assim não sei,o gajo anda muito arrebitadinho(mas eu vou por-me a pau).Eu que saiba!ehehehehe.
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