Feira de Castro no Inicio do Século XX
A 19,20 e 21 de Outubro terá lugar mais uma Feira de Castro.
Já escrevi e fotografei de tanto ângulo este evento anual que corro o risco de me repetir.
A contagem decrescente começa-se logo a fa
Agora que a feira se engalanou, onde o espaço em que esta decorre ganhou outra dignidade sem perder pinga da anárquica compostura a que nos habituou ao longo dos anos, faz deste fim-de-semana de Outubro um dos mais desejados do ano.
Podia aqui falar-vos do que aqui se pode encontrar. Dos produtos que permaneceram ao longo dos tempos como os figos, no
Podia falar-vos das atracções que foram desaparecendo; umas com o tempo, outras por via de disposições legais, mas hoje prefiro deixar-vos com um texto do início do século XX, para que possam verificar, que nós mudámos muito mais que a própria feira.
Uma velhota, dobrada pelos annos e de cabellos alvos, rosto comprido e enrugado, saia e casaco cós de pinhão, já no fio, e chapéu sobre o lenço, uma dessas velhinhas que só o Alemtejo ainda conserva como relíquias, apreça uma arca de ferrolho batido, talvez para guardar um bragal de linho grosseiro – único bem que legará aos seus.
Um casal da região, typos do sul, deixando transparecer meia abastança, conduz pela arreata o macho – de ceirões de esparto, retesados pela carga, jaez á alentejana e colcha de Santa Clara, azul ferrête, a cobrir lhe a garupa – que das bandas d’ Almodôvar, os trouxe a feira.
Sob um toldo de grossaria usado, que duas ripas de pinho só por milagre mantêem de pé, instalou-se com o fito de atrair mais farta concorrência, a loja improvisada dum barbeiro local.
Dois caixotes cobertos de toalhas, em ar de mesas, e duas cadeiras de tábua, já carunchosas, constituem todo o mobiliário do estabelecimento, junto do qual larga clientela, por escanhoar, aguarda pacientemente vez.
Mais além junto ao gado, um moiral tem em respeito uma manada de novilhos inquietos – o corpo curvado sobre o boeiro de azinho, a tez queimada pelos soes ardentes dos estios, calça de burel, samarra e safões de pelle de ovelha, polainas de coiro, estamenha ao hombro e enorme chapelão preto, de abas reviradas, desbotado pelo tempo.
À feira de Castro nos só concorrem os produtos regionaes mass egualmente os de todo o Alemtejo e do Algarve:
São chocalhos das Alcáçovas de todos os tamanhos, cujo som quebra o slencio dos valles de pastagem; trempes; grelhas; tenazes; ferrolhos; aldavras e toda a sorte de ferragens forjadas, ainda em voga, de mistura com relhas, sacholas, roçadorias e outros instrumentos de lavoira.
Á sombra da lona das barracas arreios à alemtejana , enfeitados com cores berrantes; xaireis de pelle de cabra ou de raposa; estribos de nogueira, chapeados de latão; loiçaria de cobre e de arame, com seus tachos enormes, para as migas dos ganhões, cafeteiras estanhadas, brazieiras e candieiros de três bicos.
Mais além, o mobiliário de Évora, affirmando a arte espontânea dos pintores cadeireiros e o de Monchique, de bom castanho, com uma infinidade de arcas, mesas, portas, cantareiras, taboleiros e taboas de tender.
A um canto da feira, a loiça, a loiça de barro vermelho de Beringel, mostrando as formas airosas das quartas, infusas, tigellas e cangiroes, e os potes e tarefas pèsgadas, de Reguengos, em que se curtem azeitonas e se guarda o porco de salmoira.
Alinhadas nas ruelas mais movimentadas, as tecedeiras procuram compradores ás mantas – estamenhas, de riscas brancas que usam os moiraes e os ajudas, e os alforges rebordados de baeta vermelha ou carmezim.
Aqui e alli cestões enormes de vime, carregados de romãs, nozes, castanhas de Portalegre, peros e maçãs de espelho.
Em alegre mostruário regional, o Algarve exhibe também os seus productos: cordoaria de esparto, esteiras e alcofas de pama, ceirinhas pintadas e bordadas, figo, amêndoa e alfarroba.
Um violeiro de Beja dá os últimos retoques numa viola em forma de 8, do typo baixo-alemtejano , feita para acompanhar tristes canções do sul, enquanto uma velhota curvada sobre o sacco de estopa, verde cardo para coalho, ainda com o cheiro intenso a mato.
Abafados pela vozearia, mal se ouvem os pregões das vendedeiras ambulantes e o grito estridente d’um rapazito:
Oh freguez, merca pão!
Quem merca pão?!
Já de volta, campina fora breve se apagam os últimos vestígios da feira. Na charneca, ao cair dessa tarde de outumno, tudo é quietação e recolhimento…
D. Sebastião Pessanha
Novembro de 1914
PS: Tentarei fazer uma reportagem fotográfica da feira, abusando da imagem e poupando nas palavras, para contrariar o meu estilo habitual.
6 Comments:
Segundo tenho ouvido dizer a feira não seria assim tão anárquica. Teria até uma certa arrumação. Não teria decerto o perfeccionismo geométrico da baixa pombalina de Lisboa ou da também pombalina Vila Real de Santo António, de ruas rectilíneas, paralelas e perpendiculares entre si, desenhadas a régua e esquadro, mas os produtos que se vendiam estavam em lugares certos aqui os cesteiros, ali os latoeiros e caldeireiros, além o barro, acolá os cadeireiros etc. Mas o que interessa é que a Feira de Castro continui sem transformar-se na Expo Castro Verde ou na Expo Campo Branco.
José Mestre
Lá estarei mais um ano. Talvez nos encontremos.
Paulo
Já começou a contagem decrescente.
Já tenho a lista das mercas para feirar este ano.
Se calhar compro umas botas este ano.
Bruno
Olá,
Obrigado por ter passado lá onde ninguém lê. Foi um pouco por acaso que descobri, este verão, Entradas. Gostei muito, um dia volto mas antes voltarei aqui também com mais tempo porque gostei muito do que li!
João
Estamos quase na Feira...
Cá espero essas fotos.. :)
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