Toni Forever
“Eu não quero que a morte me mate. Quero ser eu a matar-me para me poder rir da morte.” Assim falava o meu amigo Toni, incontornável personagem que conheci nos idos anos setenta e que nunca mais voltei a ver.
Toni era um daqueles “ cromos” fascinantes, que sem ter qualquer tipo de instrução
(julgo mesmo que era analfabeto) nos surpreendia com frases como aquela com que comecei esta crónica e ainda nem sei bem porquê.
No inicio da década de 70 houve uma nítida onda de mau gosto, que desde a música ao cinema, da moda ao design e até a própria arquitectura e construção tem o seu período mais sombrio nessa época, onde nasceram como cogumelos, os famosos “ patos bravos” de que até hoje não nos conseguimos livrar.
Mas, era no vestir que as pessoas mais se distinguiam. Olhando para algumas fotos desses anos, não posso deixar de questionar o ridículo das nossas tristes figuras, de que o amigo Toni era o expoente máximo. Do alto do seu pouco mais de metro e meio, montava-se nuns sapatos com cerca de 15 centímetros de salto previamente cobertos pela invariável negra calça à boca de sino. Quando se lhe olhava para o pescoço, este quase não se distinguia de tão enorme que era o nó da gravata e para compor o ramalhete, um justo casaco de veludo laranja eléctrico, sobre cujos ombros repousava uma farta cabeleira arredondada, que condizia com a bigodaça em forma de vassoura que lhe cobria os dentes amarelecidos do tabaco.
Toni vivia do expediente, era uma espécie de assessor dos chulos e carteiristas que paravam na Barbearia Ideal, cujo proprietário para além de lavar cabeças e fazer penteados a meliantes, também era receptador de objectos furtados e desdobrador de chaves do totobola nas horas vagas.
Era ali na barbearia que o Toni esperava pela boleia de táxi que o havia de levar até à cidade. Esta boleia era normalmente dada por quadrilhas de carteiristas que se deslocavam em trios até à primeira boca do metro, sobrando sempre um lugar no táxi que os transportava da periferia para a estação escolhida, para iniciar a arriscada lide de meter os dedos em bolsos alheios.
Toni nunca enveredou por estas malas artes. Preferia pedinchar, ou quando realmente necessitava de dinheiro combinava um jantar em restaurante movimentado, onde dava o único golpe que lhe conheci e que consistia em fugir sem pagar a conta. Recebia a parte de todos os convivas e esperava que estes saíssem ficando na mesa à espera que desaparecessem, depois, fingia ir à casa de banho, deixava na mesa um objecto sem valor e dava às de vilalva batendo com os calcanhares no rabo e o coração a querer fugir-lhe pela boca. Quando tinha dinheiro, regressava ao local do crime e saldava as contas, desfazendo-se em amabilidades e culpando sempre alguém do grupo que o havia entalado.
A noite invariavelmente terminava no 2001, poiso onde o Toni se sentia como peixe na água, saltando de um só golpe para a pista logo que o DJ de serviço colocava a sua música preferida “ the lamb lies down on the brodway” dos Génesis. Depois ficava por ali a abanar a cabeleira e a bater cadenciadamente com a mão fechada na perna, modismo dançante que substituiu as famosas guitarras invisíveis que invadiram as pistas de dança durante anos.
Depois lá viria o calvário da boleia para casa, no dia seguinte recomeçaria a mesma azáfama, mas desta vez com o casaco de veludo azul marinho com que tinha mais sorte ás garinas, segundo a sua crença.
Um dos nossos últimos contactos, aconteceu em vésperas do meu primeiro casamento, cerimónia onde não queria ver o Toni nem pintado, mas a que este fez o favor de aparecer sem ser convidado, desculpando-se com uma das suas famosas frases.
“ Deves ter-te esquecido de me convidar e para não te envergonhares quando nos encontrarmos decidi fazer o favor de aparecer, para além disso estou-me borrifando para o teu casamento, o que eu gosto mesmo é de bolos com fartura”Restam dele as suas desconcertantes frases e a fotografia por onde passei os olhos e que me fez mudar de agulha em relação ao assunto que tinha planeado para esta postagem.
Publicado no Jornal O Campo 2002
2 Comments:
Muitos parabéns !! que este aniversário lhe de mais criatividade para os textos que nos deliciam e "força" para continuar nas suas aventuras ciclistas !!
Um grande abraço
Diogo
o Pulanito tem esta capacidade incontornável de nos presentear com os seus "fantasmas" de uma forma enternecedora.
Sou fã das suas histórias, quer sigo com atenção....
Já há algum tempo que não nos presenteia com uma nova...fico á espera.
Abraço
Rui R.
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