Esta Lisboa que eu Amo!
Como sempre e desde sempre, quando vou a Lisboa tenho que cumprir um solitário ritual. Ir à Baixa, meter pela Ruas das Portas de Santo Antão, beber um Eduardino no minúsculo estabelecimento a este licor dedicado e onde não cabem mais que meia dúzia de pessoas em pé, olhar o Rossio com olhos de ver, aspirar o perfume das castanhas assadas e sentir o pulsar daquela amalgama multicor que vai da negritude deambulante ao turista passageiro. Tudo isto enquanto engraxo os sapatos e escuto a opinião avalizada deste profissional do lustro que me deixa os sapatos como se fossem um espelho.
Esta operação é regra geral rematada com uma ginja (com elas) antes de me dirigir (quer eu queira ou não) à “ Casa do Alentejo”.
Existem lugares nesta cidade que exercem sobre mim um fascínio desconcertante e a “ Casa do Alentejo” é disso exemplo perfeito.
Aí entrar, é como para um muçulmano entrar na melhor das mesquitas, até porque, os traços árabes desta magnifica representante da pátria alentejana está cheia de referências que casam na perfeição com o exemplo encontrado.
Escrevo à mesa do restaurante cuja decoração é densamente povoada por azulejaria que preenche na totalidade as paredes até ao tecto. O motivo decorativo é a vida rural nos seus variados momentos, passando também por várias regiões. Um regalo para a vista enquanto não nos servem o repasto que se quer agora e sempre alentejano.
“ Facinhas de Porco com migas de batata” ou “Cação no Pote” são as sugestões do solícito empregado de mesa. Decido-me pelas “Facinhas” sabendo que estou a pecar, mas tudo o que sabe bem, ou engorda ou é pecado, por isso venha o diabo e escolha.
Já aqui vim outras vezes, diria mesmo dezenas senão centenas delas, mas foi em 1982 que aqui passei um bom bocado.
Aqui, neste espaço, decorreram parte das filmagens de uma obra ( que haveria de resultar num enorme fiasco de bilheteira) de seu nome “ To Catch a King” com Robert Wagner e Terry Gar como protagonistas e onde tive uma pequena participação como figurante no excitante mundo do cinema e logo numa produção com actores deste gabarito.
Nunca vi o filme, até que, graças á Internet o consegui localizar e adquirir, 25 anos depois de nele ter participado. Tudo isto me vem à memória enquanto petisco as entradas e passo cinematograficamente os olhos pelos convivas das outras mesas.
À minha frente um casal cinquentão de notória ascendência anglo-saxónica consulta o insubstituível guia das cidades da American Express. Com a ajuda deste, podem aqui degustar verdadeiras surpresas para o seu palato sem terem de partir á aventura do desconhecido. Quando viajo para cidades que não domino levo-o sempre comigo.
Mais á esquerda três holandesas encalhadas, mergulham nos prazeres da cozinha alentejana, ao mesmo tempo que (primeiro o branco e depois o tinto) as fazem gargalhar cada vez mais alto. Olham para mim como se adivinhassem que escrevo sobre elas, mas a minha preocupação neste momento vai inteirinha para o meu queijo curado que acompanho com um tinto bastante aceitável que me deixa de olhos fixados neste minúsculo bloco onde escrevinho estas baboseiras.
Ao meu lado sentam-se agora dois tipos com pinta de apaniguados do regime, seja ele qual for.Há gajos assim, jogam sempre a meio campo, nada de ataque nem defesa excessiva.
Discutem o menu e a seguir discutirão as doenças, penso eu!
Engano-me redondamente. São dois velhos amigos. Um vive na cidade mas é oriundo da mesma aldeia que o outro sentado á sua frente e que ainda lá vive.
O eterno desbloqueador de conversa “ pois é!” é repetido quatro ou cinco vezes, mas esta faísca que deveria fazer arrancar o motor da "palheta" não resulta porque o aldeão da aldeia continua mudo e quedo mas não desinteressado, até porque os seus olhos também vagueiam pela beleza deste singular espaço o que lhe provoca o seu quê de admiração.
A conversa finalmente arranca e os dois lá continuaram a desbobinar memórias que só a eles dizem respeito.
Quando saio do espaço do restaurante gosto sempre de dar uma volta pelo resto deste palácio que está aberto a quem o quiser visitar e dele usufruir nas múltiplas actividades que aqui se organizam e que seria fastidioso enumerar.
Ao descer a majestosa escadaria lembro-me do saudoso Manuel Geraldo, prestigiado jornalista alentejano que conheci nesta casa e que soube haver desaparecido recentemente.
O ar fresco da rua, devolve-me de novo a Lisboa, a esta Lisboa que eu amo.
4 Comments:
Lisboa, a cidade onde nasci, onde vivo e onde morrerei.
Gostei do post e da casa do alentejo que bem conheço.
gosto do seu blog.
É realmente muito bonita a casa do Alentejo,só lá fui 2 vezes e fiquei maravilhada com a construção
que me transporta para outras paragens não muito distantes...o
sempre apaixonante Marrocos.Acho que deviam reparar as wc,pois em nada dignificam um espaço tão belo.
Tchau e bom fim de semana.
Vieste á baixa e não disseste nada ...
nem quero acreditar!
Imagina que era eu a ir a Entradas...
E logo com 3 holandesas para desencalhar...
Carneiro,
Ora viva...é verdade fui de fugida a Lisboa...da próxima quando for telefono-te para nos encontrarmos.
Um abraço
Pulanito
Enviar um comentário
<< Home