Faz hoje 33 anos
Há 33 anos o dia 24 de Abril calhou á quarta-feira, que por acaso era o meu dia de folga. Havia saído às 8.00 da manhã e como sempre cumpri o ritual do desfardar, vestir a roupa civil e dirigir-me á tasca do João na Av. Duque D’Ávila mesmo em frente ao Hotel Príncipe que de resto era o meu local de trabalho.
Nesta tasca onde um ano antes havia presenciado a prisão de Palma Inácio e seus comparsas que se preparavam para assaltar o Banco de Angola que ficava na esquina seguinte a este estabelecimento.
Foi um episódio e peras, mas ficará para outras núpcias. Hoje quero falar-vos dessa porta chamada liberdade que se nos havia de escancarar na madrugada seguinte.
Ao tempo, contava 18 anos e um inusitado número de sonhos por cumprir, vivia em casa de meus pais no subúrbio lisboeta de que nunca gostei, mas como era o que se podia arranjar lá fui “ gramando a pastilha”.
Acordei pelas 3 da tarde, e como sempre, depois de preparado lá fui até Lisboa, onde entre umas cigarradas e umas bilharadas lá gastava a nota de cinquenta que tinha metido de vale à caixa.
Já não me lembro onde jantei, mas dei comigo à porta do café Monumental a conversar com uma amigo. Nisto chega a ramona, encosta a porta do café e foi tudo “dentro”.
Por sorte. Por estar de folga. Por milagre. Porque não me viram, ou porque não lhes apeteceu levar-me; não cumpri a minha sétima noite de xelindró, coisa a que já estava habituado tanto mais que em seis outras vezes já me tinha tocado esta humilhação, paradigma do estado policial em que vivíamos; mal eu sonhava que já estava em marcha o movimento que finalmente terminou com o deboche fascista instalado.
Já depois da meia-noite sigo para o Hotel Príncipe (onde trabalho) e vou fisgado na ceia que eu e os companheiros fazemos a cada noite que passa.
Estão de serviço o Carlos Correia e o Serras, como estou de folga toca-me a cozinhar. Apesar dos cozinheiros esconderem as chaves do frigorifico, nós damos sempre com elas e tratamos de nos banquetear caso a ceia por estes deixada não ter aspecto comestível.
Por essa altura ouvíamos sempre “ A Noite é Nossa” programa de Rui Castelar e penso que estava de serviço o Ubirajara Brasil, um dos primeiros radialistas brasileiros da nossa praça. Como deixámos de ouvir repentinamente a rádio, ainda tentámos ligar para lá, mas o telefone estava permanentemente interrompido.
Quando nos preparávamos para arrumar a loiça, eis que à porta aparecem uma dezena de soldados comandados por um sargento ou coisa que o valha que irrompe hotel adentro o que nos deixa estupefactos, até porque entretanto haviam começado as marchas militares no RCP, o que nos deixa com a pulga atrás da orelha.
Os militares ocupam postos no terraço do hotel que fica a poucas dezenas de metros do Quartel General e á pergunta sobre o que se estaria a passar, encolhiam os ombros e diziam – também não sabemos. Só cumprimos ordens.
O tal sargento lá nos acalma e pede cooperação. Apesar de não nos querer dizer lá foi adiantando que era um levantamento militar com vista a derrubar o governo, mas que guardássemos segredo, coisa que não cumprimos, até porque a adrenalina era tanta que só queríamos compartilhar este empolgante acontecimento com os nossos amigos.
Ao tempo namoriscava uma telefonista da Rádio Marconi, outro dos pontos estratégicos a tomar, mas quando os soldados lá chegaram, não beneficiaram do efeito surpresa porque este vosso amigo já tinha metido a boca no trombone e telefonado para a locatária do meu coração, que fez o favor de espalhar a noticia.
Voltemos ao Hotel Príncipe, onde os acontecimentos flúem em catadupa. Na rádio o primeiro comunicado. “ Aqui posto de comando das Forças Armadas…..pedimos à população que se mantenha em suas casas…..etc..etc.." entretanto já tínhamos quebrado o gelo com os militares encarregados de defender agora o nosso posto, quer no terraço, quer noutras posições como seja, no túnel de acesso à porta de serviço.
Aí pelas 4.30 o Abílio Padeiro alheio ao que se passa á sua volta, prossegue a sua entrega rotineira desse que se designou chamar “ nosso de cada dia”.
A sua Ford Transit invade como sempre o passeio numa manobra repetida vezes sem conta. O Abílio saca o cabaz com o pão encomendado e com os braços elevados aos céus segura o cesto que transporta ao ombro. Nesse momento, um dos soldados suspeitando desta movimentação, intercepta o pobre Abílio com uma ordem de mãos ao alto, ao que o Abílio responde – e onde é que você acha que eu as tenho?
Risota geral, estupefacção do padeiro e o vinho e a cerveja não paravam de correr. De alguma forma celebrávamos o melhor dos dias das nossas vidas, o dia que a partir desse se passou a designar por “dia da liberdade”.
O Serras que havia regressado do ultramar havia poucos meses e já com os vapores etílicos a comandar as hostes, desafia um dos militares a montar e desmontar a sua G3 em 4 minutos, o que o outro aceitou, até porque a aposta incluía mais bebida.
Bem, desmontar foi fácil, mas o que sei é que eram 7 da manhã quando me fui embora e a arma ainda não estava montada.
No caminho para casa tento dissuadir os meus concidadãos de irem trabalhar, explicando que está a decorrer uma revolução que nos há-de retirar as algemas do cinzentismo em que todos vivíamos. É claro que sou mandado para casa, vaiado e aconselhando-me a ir curti-la para outro lado.
Quando chego a casa transmito a boa nova à minha mãe que sem perceber o que se passa desata a chorar e de mãos cruzadas elevadas às alturas me disse – Eu já pressentia que andavas metido na politica. Ai filho que te desgraças! Lá lhe expliquei que eu não tinha nada a ver com aquilo, mas que estava muito contente por tal estar a acontecer.
É claro que não dormi, vim para a rua continuar a celebrar a liberdade que se pressentia e que tinha tido o privilégio de viver por dentro.
Nesta tasca onde um ano antes havia presenciado a prisão de Palma Inácio e seus comparsas que se preparavam para assaltar o Banco de Angola que ficava na esquina seguinte a este estabelecimento.
Foi um episódio e peras, mas ficará para outras núpcias. Hoje quero falar-vos dessa porta chamada liberdade que se nos havia de escancarar na madrugada seguinte.
Ao tempo, contava 18 anos e um inusitado número de sonhos por cumprir, vivia em casa de meus pais no subúrbio lisboeta de que nunca gostei, mas como era o que se podia arranjar lá fui “ gramando a pastilha”.
Acordei pelas 3 da tarde, e como sempre, depois de preparado lá fui até Lisboa, onde entre umas cigarradas e umas bilharadas lá gastava a nota de cinquenta que tinha metido de vale à caixa.
Já não me lembro onde jantei, mas dei comigo à porta do café Monumental a conversar com uma amigo. Nisto chega a ramona, encosta a porta do café e foi tudo “dentro”.
Por sorte. Por estar de folga. Por milagre. Porque não me viram, ou porque não lhes apeteceu levar-me; não cumpri a minha sétima noite de xelindró, coisa a que já estava habituado tanto mais que em seis outras vezes já me tinha tocado esta humilhação, paradigma do estado policial em que vivíamos; mal eu sonhava que já estava em marcha o movimento que finalmente terminou com o deboche fascista instalado.
Já depois da meia-noite sigo para o Hotel Príncipe (onde trabalho) e vou fisgado na ceia que eu e os companheiros fazemos a cada noite que passa.
Estão de serviço o Carlos Correia e o Serras, como estou de folga toca-me a cozinhar. Apesar dos cozinheiros esconderem as chaves do frigorifico, nós damos sempre com elas e tratamos de nos banquetear caso a ceia por estes deixada não ter aspecto comestível.
Por essa altura ouvíamos sempre “ A Noite é Nossa” programa de Rui Castelar e penso que estava de serviço o Ubirajara Brasil, um dos primeiros radialistas brasileiros da nossa praça. Como deixámos de ouvir repentinamente a rádio, ainda tentámos ligar para lá, mas o telefone estava permanentemente interrompido.
Quando nos preparávamos para arrumar a loiça, eis que à porta aparecem uma dezena de soldados comandados por um sargento ou coisa que o valha que irrompe hotel adentro o que nos deixa estupefactos, até porque entretanto haviam começado as marchas militares no RCP, o que nos deixa com a pulga atrás da orelha.
Os militares ocupam postos no terraço do hotel que fica a poucas dezenas de metros do Quartel General e á pergunta sobre o que se estaria a passar, encolhiam os ombros e diziam – também não sabemos. Só cumprimos ordens.
O tal sargento lá nos acalma e pede cooperação. Apesar de não nos querer dizer lá foi adiantando que era um levantamento militar com vista a derrubar o governo, mas que guardássemos segredo, coisa que não cumprimos, até porque a adrenalina era tanta que só queríamos compartilhar este empolgante acontecimento com os nossos amigos.
Ao tempo namoriscava uma telefonista da Rádio Marconi, outro dos pontos estratégicos a tomar, mas quando os soldados lá chegaram, não beneficiaram do efeito surpresa porque este vosso amigo já tinha metido a boca no trombone e telefonado para a locatária do meu coração, que fez o favor de espalhar a noticia.
Voltemos ao Hotel Príncipe, onde os acontecimentos flúem em catadupa. Na rádio o primeiro comunicado. “ Aqui posto de comando das Forças Armadas…..pedimos à população que se mantenha em suas casas…..etc..etc.." entretanto já tínhamos quebrado o gelo com os militares encarregados de defender agora o nosso posto, quer no terraço, quer noutras posições como seja, no túnel de acesso à porta de serviço.
Aí pelas 4.30 o Abílio Padeiro alheio ao que se passa á sua volta, prossegue a sua entrega rotineira desse que se designou chamar “ nosso de cada dia”.
A sua Ford Transit invade como sempre o passeio numa manobra repetida vezes sem conta. O Abílio saca o cabaz com o pão encomendado e com os braços elevados aos céus segura o cesto que transporta ao ombro. Nesse momento, um dos soldados suspeitando desta movimentação, intercepta o pobre Abílio com uma ordem de mãos ao alto, ao que o Abílio responde – e onde é que você acha que eu as tenho?
Risota geral, estupefacção do padeiro e o vinho e a cerveja não paravam de correr. De alguma forma celebrávamos o melhor dos dias das nossas vidas, o dia que a partir desse se passou a designar por “dia da liberdade”.
O Serras que havia regressado do ultramar havia poucos meses e já com os vapores etílicos a comandar as hostes, desafia um dos militares a montar e desmontar a sua G3 em 4 minutos, o que o outro aceitou, até porque a aposta incluía mais bebida.
Bem, desmontar foi fácil, mas o que sei é que eram 7 da manhã quando me fui embora e a arma ainda não estava montada.
No caminho para casa tento dissuadir os meus concidadãos de irem trabalhar, explicando que está a decorrer uma revolução que nos há-de retirar as algemas do cinzentismo em que todos vivíamos. É claro que sou mandado para casa, vaiado e aconselhando-me a ir curti-la para outro lado.
Quando chego a casa transmito a boa nova à minha mãe que sem perceber o que se passa desata a chorar e de mãos cruzadas elevadas às alturas me disse – Eu já pressentia que andavas metido na politica. Ai filho que te desgraças! Lá lhe expliquei que eu não tinha nada a ver com aquilo, mas que estava muito contente por tal estar a acontecer.
É claro que não dormi, vim para a rua continuar a celebrar a liberdade que se pressentia e que tinha tido o privilégio de viver por dentro.
1 Comments:
suspense, aventura, romance, história. Um pouco mais de acção e uns efeitos especiais saía daí grande filme :)
eu não estive lá... mas agradeço a quem esteve.
e viva a Liberdade
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