Duelos de espadachim com sombrinhas de chocolate
Nesta altura do ano, impõe-se escrever uma crónica sobre o Natal, tanto mais que o espírito da quadra já por cá está instalado desde meados de Novembro e prolongar-se-á até meados de Janeiro, o que bem feitas as contas, perfaz quase dois meses de natal.
De qualquer modo, esta é uma época sempre esperada, em que o reencontro é uma realidade na maioria das famílias, especialmente gente nossa que viaja cá para o interior à procura dos seus, das suas raízes, dos seus sabores e das suas tradições.
Pela parte que me toca, tenho especial apreço por esta época. Gosto do fumegar da lareira e da azáfama do mulherio na cozinha em alegre algazarra preparando os pitéus especiais que havemos de comer na consoada e nas refeições que se lhe seguirão, até porque nesta quadra a mesa quer-se farta e sempre posta.
É aqui, no aconchego do madeiro no lume, que revivemos memórias de menino, do que se celebra e do que se lembra, de outros natais, que não são mais, que sinais intemporais, de um tempo que já não volta.
Gosto desta coisa de chegar, sorrir e abraçar. Gosto deste gosto pátrio ao alvorecer e pelo dia avante; e ao anoitecer, naufragar em memórias nossas, com histórias de bruxas e encruzilhadas com rezas e mezinhas a condimentar.
Gosto de pensar, que um dia hei-de deter todos os Continentes, Feiras Novas, Jumbos, Modelos e Carrefoures, essas catedrais de consumo desenfreado onde a populaça se acotovela para conquistar a última Barbie.
Gosto de pensar que um dia poderei acabar com todos os pais e mães natal, mais os trenós, duendes, renas, bolas, fitas e enfeites das árvores dos natais cada vez mais fúteis e banais.
Nunca acreditei na figura impingida do pai natal, esse velhote exageradamente gordo, vestido de fanático do Benfica e com barbas assustadoramente grandes que nunca me convenceu dos seus poderes de multiplicação e muito menos da sua capacidade de descer por uma chaminé por muito larga que esta fosse.
Na criança que em mim resiste, prefiro a companhia de um outro menino que desce pela chaminé dos meus sonhos. É um garoto igual a tantos, com o sorriso da eterna inocência enrodilhada no dourado dos seus caracóis.
Visita-me sempre por esta altura para me emprestar os olhos por onde o mundo se filtra, depois jogamos ao arraiol noite adentro e rimos desalmadamente como só as crianças o sabem fazer. Quando a manhã se aproxima e o sonho começa a desvanecer ainda sobra tempo para a nossa brincadeira favorita: fazer duelos de espadachim com sombrinhas de chocolate.
11 Comments:
Que belo texto. revejo-me completamente nele.
Pedro E.
Adorei a mensagem e o seu conteudo
não podia ser mais certo,há quem queira transformar o Natal num consumismo desenfreado...mas felizmente tambem existem aqueles que contrariam essa tendência e não perdem tempo em centros comerciais,por vezes a gastar o que podem e o que não podem.
Que bela crónica de Natal...sem palavras
Conheço isto de algum lado. É um belíssimo "pedaço" de sensibilidade. Como diria o Vítor encarnação, "um prosema". Abraço. ajb
Para o António José Brito,
Claro amigo, que conheces, mas o facto de ter sido publicado uma vez, não inibe que o seja outra noutro contexto.
De qualquer modo obrigado por te lembrares do conteúdo.
Uma bela crónica de Natal, sem dúvida! Gostei de tudo, menos daquele "Gosto do fumegar da lareira e da azáfama do mulherio na cozinha".
No entanto, compreendo que sempre foi essa a tradição: mulheres na cozinha.
Felizmente, há casas onde as coisas já são diferentes.
Um abraço. Gosto deste seu espaço...
Lá pelas minhas bandas, as mulheres expulsam os homens da cozinha. Não existe aqui nenhum machismo velado, até porque pela minha parte, tenho como um dos meus passatempos preferidos, cozinhar... e isso, normalmente, faz-se na cozinha. Quanto á palavra "mulherio", quando elas são mais do que 3, vai-me perdoar mas é mesmo um mulherio.
Aparece...
Eu conheço bem as mulheres da zona de Castro Verde. A minha querida Maria, comadre dos meus pais (mas comadre mesmo, porque os meus pais são padrinhos de dois filhos dela)é de lá e com aquela mulher não há como levar a melhor. Ela é que manda na cozinha.
Pelo que a minha mãe conta, eu odiava sopa quando era miúda mas adorava a sopa da comadre Maria. Pelos vistos, comecei cedo a apreciar os sabores do Alentejo...
Conheço isto do mesmo lado do anónio José de Brito e faço minhas as palavras dele.
Um abraço do amigo
José Mestre
Adorei o Slides - retratos da cidade branca, o que me levou a procurar novas pérolas, eis senão quando descubro este espantoso texto que tem um final que só uma pessoa com alta sensibilidade poderia conseguir.
Fiquei fã. Vou voltar
olá! boas noites, deu-me para vir ver, a curiosidade mata me um dia, ate lá, surpreende-me sempre. Li sombrinhas de chocolate e entrei, 4 de dezembro de 2006 a amiga faz anos e aqui fala-se de Natal, foi a partir deste ano q ponderei no aspecto família junta mesa farta, porque até aqui era frio e chuva e os vizinhos ciganos na mata. nao gostava quase nada, e o pai natal então nem menciono, acho que disseste tudo.
Bem, e é quase Natal, mas até lá, bom feriado!)
elisa b. almeida
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