Arqueologia em Forma de Escrita
Quando o carteiro me colocou na secretária a correspondência do dia, que normalmente não passa de contas para pagar, extractos bancários, ou ameaças de penhoras por parte da DGCI como pistolas apontadas ao futuro do contribuinte, reparo que no meio destas vem um envelope amarelo e amarelecido cujo remetente era o meu velho mestre Fernando Eugénio Dias Pinto.
A última carta escrita à mão e que guardo ciosamente veio do meu amigo Carlos Zabala por altura do meu quinquagésimo aniversário, há quatro anos atrás.
Hoje voltei a receber outro objecto arqueológico em forma de letra do homem que foi para mim a maior influência da minha vida, coisa que me deixou deveras satisfeito.
No meio de tanta correspondência impessoal, receber um documento escrito pelo punho do autor é nos dias que correm coisa tão rara que não resisto a partilhá-la com os leitores deste pouco recomendado estaminé.
As cartas escritas à mão dizem-nos muito de quem as escreveu. Pela qualidade da caligrafia vejo que mestre Pinto continua com uma escrita segura, o que quer dizer que apesar dos muitos anos que conta, ainda não foi atacado pelos tremores próprios da velhice.
Reparo ainda que não dá erros nem faz correcções, outro sinal de que a sua saúde mental está em óptima forma, coisa que me apraz de sobremaneira.
O papel timbrado foi feito em casa da especialidade, portanto anterior à utilização da máquina onde debito estes pensamentos que no meu caso são ao correr das teclas, no de mestre Pinto, ao correr da pena, o que é uma diferença substancial.
O meu eterno mestre, continua a dar-me lições, desta feita em forma de recomendação para que leia determinada obra de Umberto Eco, diz ainda que vai pintar um quadro para me oferecer (coisa que me encherá de orgulho e vaidade) e que gosta da capa do AO SUL, e se ele o diz, então, é porque é mesmo bonita.
Sou de facto um sortudo por passados tantos e tantos anos, ainda que esporadicamente, continuar a contar com a amizade e o conselho certeiro deste que foi o homem que mais influenciou a minha existência.
Espero que ele não se zangue por revelar o conteúdo da sua missiva e vou-lhe responder com o meu punho, convidando-o para almoçar aquando da minha próxima visita à capital.
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