segunda-feira, abril 21, 2008

Coisas minhas!

Parece que os deuses querem que eu fique aqui por casa, em vez de queimar quilómetros em cima da bicicleta.
Cheguei a Entradas (na passada sexta-feira) com uma vontade férrea de fazer três dias de intensivos treinos e por consequência pôr nas pernas mais um pouco de resistência para a viagem a Santiago que se aproxima a passos largos.



Curiosa perspectiva de Entradas com a igreja matriz ao fundo



Como a vontade dos deuses não se deve contrariar sob pena destes nos penalizarem de forma exemplar, fico-me aqui por casa a ouvir o excelente disco de Rodrigo Leão, na forma de banda sonora de uma admirável série que há poucos meses passou na televisão: Portugal Um Retrato Social, que o sociólogo António Barreto tão bem soube fotografar.
Desde as sete da manhã que não pára de chover, o que confesso seria do meu agrado, caso não tivesse em mente outros planos.
Assim tenho alternado prolongadas estadas em casa com passeios com os meus “velhotes” que estando a percorrer a estrada do ocaso da vida, merecem que disponibilizemos com eles tempo de qualidade.
Como só o meu pai estava em Entradas na sexta-feira aproveitei para o convidar a dar um passeio (como ele tanto gosta) pela verdejante charneca alentejana que por esta altura é simplesmente um regalo para os olhos de quem passa.
Meu pai vai comentado desde a pedra à seara, passando pelos grandes rebanhos, que pela sua quietude afirma parecerem ter sido plantados.
No caminho comenta-me o momento politico e a vontade de esganar “ aquela corja de bandidos”, momento sempre hilariante porque na lista de preferências não há lugar para mais que dois ou três nomes, sendo que todos os restantes sem excepção deveriam de ser fuzilados, coisa que mentalmente já levou a cabo umas boas dezenas de vezes.
Percorrendo as estradas do Alentejo de Baixo vamos dar à Salvada, que é uma terra que para quem não conhece Beja fica-lhe nos arredores, conforma chalaçam os locais de modo a dar uma maior importância ao seu amado quinhão.
Desembocámos no Café do Mercado, uma espécie de restaurante que funciona nas instalações do antigo mercado e onde se comem os melhores achigãs escalados da região, que depois de grelhados são temperados com um molho de azeite, alhos e coentros.
É na verdade um pitéu de se lhe tirar o chapéu este prato que torna conhecido o António do Café do Mercado.
De regresso por outros caminhos a Entradas passámos na Cabeça Gorda – terra de que as mulheres gostam mais, sendo Ponta Delgada aquela de que menos gostam – gracejo brejeiro que se conta nas tertúlias machistas desta terra.
A chuva não parou em toda a tarde, ia vinha em esgarrões e trovoadas e assim se fez noite. Com ela veio mais chuva e vento, que no aconchego do madeiro que pus ao lume me dava uma sensação de paz e conforto, até porque vim sozinho para o Alentejo.
Quando no Sábado me levanto ainda me vesti com roupas de bicicletar, mas depressa tirei daí o sentido. A incessante chuva e vento pareciam não dar sinais de amainar.
Gosto muito de ouvir estórias antigas. Como sou de um época intermédia entre a modernidade e o arcaísmo de uma época recente, consigo ainda tocar-lhe e sentir-lhe a rudeza de um tempo que aos olhos de hoje só o posso apelidar de heróico.
Ao almoço lá vêm as comparações, sendo inevitável que os episódios de antanho venham à baila.
À pergunta de onde eram naturais os meus avós maternos, minha mãe intervêm e diz-me que minha avó Chica (Francisca da Encarnação) era natural de Vale de Camelos e seu pai (meu bisavô) de Vale de Cavalos.
Minha mãe diz que não conhece nem uma nem outra terra, que afinal são também torrões donde descendo e de onde descendem os meus. Logo ali decido que depois de almoço iremos a Vale de Camelos que sei onde fica por ter visto na estrada de Mértola uma placa indicadora.
Vale de Cavalos ficará para uma próxima oportunidade.
Logo ali começámos a imaginar como seria Vale de Camelos. Se seria um monte perdido nas cercanias da Ribeira de Cobres, se uma aldeia abandonada ou se, pelo contrário, seria uma terra que por via da construção dos imigrantes havia crescido e prosperado.
Montámo-nos na viatura todo o terreno e lá fomos os cinco levar minha mãe, que já conta 81 longos anos à terra desta minha avó, emocionados com a descoberta de que afinal Vale de Camelos que até ali tinha tida 81 anos de silêncio estava ali, à distância de um “ bora lá”.
Pelo caminho dou comigo a sentir um inusitado frenesim de quem vai à descoberta.
Penso que pisarei o chão onde nasceu a bisavó dos meus filhos e mãe da minha mãe, que apesar de todas as facilidades de hoje nunca tinha visto as paisagens que fizeram sonhar a sua progenitora.
Aí chegados, damos com um Monte perdido entre a terra ondulante que circunda a Ribeira de Cobres, com umas quantas casinhas térreas caiadas de branco e com barras multicores o que não é muito usual por estas bandas.


Vale de Camelos



Metemos conversa com uma habitante local cujas feições me faziam lembrar a minha mãe. Pensei que teríamos sorte e desdobraríamos ali o novelo da minha avó Chica, mas não tivemos sorte. Soubemos que só lá moravam sete idosos, mas ninguém sabia que tal pessoa havia lá nascido, o que me deixa de algum modo triste.
Na perspectiva de podermos beber um café dirigimo-nos ao Monte das Figueiras ali perto onde entabulámos conversa com uma simpática habitante que possuía uma minúscula taberna, onde soubemos então noticias de outros parentes, que há muito partidos, ainda constavam do rol das memórias de Dona Lídia que nos indicou o caminho para Corte de Cobres, onde parámos para beber o nosso adiado café.
Aqui decidimos apesar da perigosidade do percurso, fazer o caminho de volta por terra batida e enlameada, o que de certeza foi o que minha avó Chica fez quando partiu de Vale de Camelos para vir ceifar a Entradas e aí se deixar enfeitiçar por um tal de Amândio Santiago que viria a ser o único avô que não cheguei a conhecer.
Atravessámos a Ribeira de Cobres que levava alguma altura de água, depois foi galgar aqueles cerros por trilhos onde ninguém passa desde há muito.
Logo no bico do primeiro cerro deparamo-nos com um casal de perdizes, mais á frente outro e depois outro, e assim foi por alguns quilómetros.

Abetarda ( otistarda), a grande ave da planicíe - chega a pesar mais de 20 Kg. a colónia Entradense ultrapassa os 1000 individuos.


Ao passarmos por um campo de ervilhas, temos o privilégio de assistir ao lento despegue terreno e ao apressado bater das enormes asas das maiores aves da planície: as abetardas.
Regressados a Entradas, fico com a certeza que fiz feliz minha mãe que por acaso passa por aqui agora mesmo e me continua a falar desses parentes de que até agora nunca tinha ouvido falar.
Hoje é Domingo. Lá fora a chuva cai cada vez com mais intensidade. Resta-me escrevinhar estes episódios em forma de partilha alentejana com quem me lê, mas acima de tudo, de deixar aqui (especialmente aos meus) e quem sabe se a quem ainda não nasceu pistas suficientes para que possa desenrolar o novelo dessa caminhada que é a vida, da qual só sabemos para onde vamos, se soubermos de onde vimos.

Escrito por pulanito @ abril 21, 2008   5 comentários

terça-feira, abril 15, 2008

Não tenho passado por cá!



Não tenho passado por cá, coisa que alguns dos meus leitores mais atentos têm notado, tendo-me feito chegar mensagens de preocupação.
Se este fosse um blogue de actualidades, onde levado pela espuma dos acontecimentos fosse debitando faladura, palpites e comentários, teria matéria diária para postar até várias vezes ao dia.
Acontece que este é um blogue pessoal, de impulsos e sem obrigações, logo tanto posso escrever duas vezes por dia, como ter períodos como o que vem acontecendo onde penso que o que tenha a compartilhar não tem nada de interessante.
Tenho andado arredado das postagens por inadiáveis afazeres profissionais que me têm consumido muitas das minhas energias, mas como estamos no inicio do dia vou aqui resumir os acontecimentos da minha ausência.
Desde a última postagem em que dava conta da viagem a Santiago de Compostela que iniciei um plano alimentar de modo a retirar alguns dos muitos quilos que vinham arredondando as minhas formas.
Já lá vão 7 desses excedentes quilos o que fez com que tivesse que renovar algum do meu guarda-roupa, já que até agora perdi 2 números no que diz respeito ás calças.
Neste interlúdio estive alguns dias na Áustria em trabalho com o meu eterno amigo Carlos Zabala que se fez acompanhar da sua directora de produto Cecília Barbieri, uma Argentina simpatiquíssima.


Carlos Zabala - Cecilia Barbieri e Pulanito em Salzburgo - Austria



Em relação a treinos para a grande viagem e por motivo desta viagem, a semana passada não treinei, mas na anterior fiz 260 Km de treino com um furo pelo meio, que é sempre uma chatice do camandro.
Este fim-de-semana estarei seguramente pedalando afincadamente pelas estradas do Alentejo quer faça vento ou faça frio, contando fazer uma média de quilómetros interessante de modo a meter nas pernas o andamento necessário para as estiradas que aí vêm.
De facto tenho sempre viajado só. Esta será a minha primeira experiência acompanhado, o que me dá a ideia de que a coisa é mais amenizada. Menos pensamentos circulares, mais entreajuda, menos jogos mentais com o conta-quilómetros e também muito menos peso na bicicleta. Contudo, estou ansioso que passem estas pouco mais de mil horas que faltam para de novo me fazer à estrada e usufruir desse prazer único que é pedalar em direcção ao infinito sabendo que não tenho de regressar ao mesmo local de partida, que é para mim das coisas mais chatas no desporto que abracei.
Gosto do desafio de vencer a montanha à força de músculo e de ranger dente. Gosto de chegar lá acima e saborear o vento na face e depois descer vertiginosamente a montanha que acabei de conquistar.
Tenho apreço pelo silêncio das estradas esquecidas que vão dar a aldeias distantes, muitas delas localizadas noutra latitude temporal que admiro.
Gosto de beber a água cristalina das fontes plantadas à beira das estradas, como se fossem benesses divinas a sequiosos viajantes.
Arrepia-me a sinceridade do gesto de quem passa pedalando em sentido contrário assinalando o nosso cruzamento com um sorriso e os dedos em V.
Anseio por esse encontro com o eu que sou, e o tempo que disponibilizo a pensar nos meus enquanto galgo quilómetros, uns atrás de outros.
O Joaquim Miguel e o Joaquim Pinheiro (do grupo de Évora) têm-me feito chegar mensagens de alento e companheirismo. Aqui vos deixo uma foto desses indefectíveis das biclas, pedalando em direcção a Santiago de Compostela em anterior tirada.


Grupo de Évora pedalando afincadamente

Escrito por pulanito @ abril 15, 2008   3 comentários

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