terça-feira, abril 24, 2007

Faz hoje 33 anos


Há 33 anos o dia 24 de Abril calhou á quarta-feira, que por acaso era o meu dia de folga. Havia saído às 8.00 da manhã e como sempre cumpri o ritual do desfardar, vestir a roupa civil e dirigir-me á tasca do João na Av. Duque D’Ávila mesmo em frente ao Hotel Príncipe que de resto era o meu local de trabalho.
Nesta tasca onde um ano antes havia presenciado a prisão de Palma Inácio e seus comparsas que se preparavam para assaltar o Banco de Angola que ficava na esquina seguinte a este estabelecimento.
Foi um episódio e peras, mas ficará para outras núpcias. Hoje quero falar-vos dessa porta chamada liberdade que se nos havia de escancarar na madrugada seguinte.
Ao tempo, contava 18 anos e um inusitado número de sonhos por cumprir, vivia em casa de meus pais no subúrbio lisboeta de que nunca gostei, mas como era o que se podia arranjar lá fui “ gramando a pastilha”.
Acordei pelas 3 da tarde, e como sempre, depois de preparado lá fui até Lisboa, onde entre umas cigarradas e umas bilharadas lá gastava a nota de cinquenta que tinha metido de vale à caixa.
Já não me lembro onde jantei, mas dei comigo à porta do café Monumental a conversar com uma amigo. Nisto chega a ramona, encosta a porta do café e foi tudo “dentro”.
Por sorte. Por estar de folga. Por milagre. Porque não me viram, ou porque não lhes apeteceu levar-me; não cumpri a minha sétima noite de xelindró, coisa a que já estava habituado tanto mais que em seis outras vezes já me tinha tocado esta humilhação, paradigma do estado policial em que vivíamos; mal eu sonhava que já estava em marcha o movimento que finalmente terminou com o deboche fascista instalado.
Já depois da meia-noite sigo para o Hotel Príncipe (onde trabalho) e vou fisgado na ceia que eu e os companheiros fazemos a cada noite que passa.
Estão de serviço o Carlos Correia e o Serras, como estou de folga toca-me a cozinhar. Apesar dos cozinheiros esconderem as chaves do frigorifico, nós damos sempre com elas e tratamos de nos banquetear caso a ceia por estes deixada não ter aspecto comestível.
Por essa altura ouvíamos sempre “ A Noite é Nossa” programa de Rui Castelar e penso que estava de serviço o Ubirajara Brasil, um dos primeiros radialistas brasileiros da nossa praça. Como deixámos de ouvir repentinamente a rádio, ainda tentámos ligar para lá, mas o telefone estava permanentemente interrompido.
Quando nos preparávamos para arrumar a loiça, eis que à porta aparecem uma dezena de soldados comandados por um sargento ou coisa que o valha que irrompe hotel adentro o que nos deixa estupefactos, até porque entretanto haviam começado as marchas militares no RCP, o que nos deixa com a pulga atrás da orelha.
Os militares ocupam postos no terraço do hotel que fica a poucas dezenas de metros do Quartel General e á pergunta sobre o que se estaria a passar, encolhiam os ombros e diziam – também não sabemos. Só cumprimos ordens.
O tal sargento lá nos acalma e pede cooperação. Apesar de não nos querer dizer lá foi adiantando que era um levantamento militar com vista a derrubar o governo, mas que guardássemos segredo, coisa que não cumprimos, até porque a adrenalina era tanta que só queríamos compartilhar este empolgante acontecimento com os nossos amigos.
Ao tempo namoriscava uma telefonista da Rádio Marconi, outro dos pontos estratégicos a tomar, mas quando os soldados lá chegaram, não beneficiaram do efeito surpresa porque este vosso amigo já tinha metido a boca no trombone e telefonado para a locatária do meu coração, que fez o favor de espalhar a noticia.
Voltemos ao Hotel Príncipe, onde os acontecimentos flúem em catadupa. Na rádio o primeiro comunicado. “ Aqui posto de comando das Forças Armadas…..pedimos à população que se mantenha em suas casas…..etc..etc.." entretanto já tínhamos quebrado o gelo com os militares encarregados de defender agora o nosso posto, quer no terraço, quer noutras posições como seja, no túnel de acesso à porta de serviço.
Aí pelas 4.30 o Abílio Padeiro alheio ao que se passa á sua volta, prossegue a sua entrega rotineira desse que se designou chamar “ nosso de cada dia”.
A sua Ford Transit invade como sempre o passeio numa manobra repetida vezes sem conta. O Abílio saca o cabaz com o pão encomendado e com os braços elevados aos céus segura o cesto que transporta ao ombro. Nesse momento, um dos soldados suspeitando desta movimentação, intercepta o pobre Abílio com uma ordem de mãos ao alto, ao que o Abílio responde – e onde é que você acha que eu as tenho?
Risota geral, estupefacção do padeiro e o vinho e a cerveja não paravam de correr. De alguma forma celebrávamos o melhor dos dias das nossas vidas, o dia que a partir desse se passou a designar por “dia da liberdade”.
O Serras que havia regressado do ultramar havia poucos meses e já com os vapores etílicos a comandar as hostes, desafia um dos militares a montar e desmontar a sua G3 em 4 minutos, o que o outro aceitou, até porque a aposta incluía mais bebida.
Bem, desmontar foi fácil, mas o que sei é que eram 7 da manhã quando me fui embora e a arma ainda não estava montada.
No caminho para casa tento dissuadir os meus concidadãos de irem trabalhar, explicando que está a decorrer uma revolução que nos há-de retirar as algemas do cinzentismo em que todos vivíamos. É claro que sou mandado para casa, vaiado e aconselhando-me a ir curti-la para outro lado.
Quando chego a casa transmito a boa nova à minha mãe que sem perceber o que se passa desata a chorar e de mãos cruzadas elevadas às alturas me disse – Eu já pressentia que andavas metido na politica. Ai filho que te desgraças! Lá lhe expliquei que eu não tinha nada a ver com aquilo, mas que estava muito contente por tal estar a acontecer.
É claro que não dormi, vim para a rua continuar a celebrar a liberdade que se pressentia e que tinha tido o privilégio de viver por dentro.

Escrito por pulanito @ abril 24, 2007   1 comentários

quarta-feira, abril 11, 2007

Toni Forever

“Eu não quero que a morte me mate. Quero ser eu a matar-me para me poder rir da morte.” Assim falava o meu amigo Toni, incontornável personagem que conheci nos idos anos setenta e que nunca mais voltei a ver.
Toni era um daqueles “ cromos” fascinantes, que sem ter qualquer tipo de instrução
(julgo mesmo que era analfabeto) nos surpreendia com frases como aquela com que comecei esta crónica e ainda nem sei bem porquê.
No inicio da década de 70 houve uma nítida onda de mau gosto, que desde a música ao cinema, da moda ao design e até a própria arquitectura e construção tem o seu período mais sombrio nessa época, onde nasceram como cogumelos, os famosos “ patos bravos” de que até hoje não nos conseguimos livrar.
Mas, era no vestir que as pessoas mais se distinguiam. Olhando para algumas fotos desses anos, não posso deixar de questionar o ridículo das nossas tristes figuras, de que o amigo Toni era o expoente máximo. Do alto do seu pouco mais de metro e meio, montava-se nuns sapatos com cerca de 15 centímetros de salto previamente cobertos pela invariável negra calça à boca de sino. Quando se lhe olhava para o pescoço, este quase não se distinguia de tão enorme que era o nó da gravata e para compor o ramalhete, um justo casaco de veludo laranja eléctrico, sobre cujos ombros repousava uma farta cabeleira arredondada, que condizia com a bigodaça em forma de vassoura que lhe cobria os dentes amarelecidos do tabaco.
Toni vivia do expediente, era uma espécie de assessor dos chulos e carteiristas que paravam na Barbearia Ideal, cujo proprietário para além de lavar cabeças e fazer penteados a meliantes, também era receptador de objectos furtados e desdobrador de chaves do totobola nas horas vagas.
Era ali na barbearia que o Toni esperava pela boleia de táxi que o havia de levar até à cidade. Esta boleia era normalmente dada por quadrilhas de carteiristas que se deslocavam em trios até à primeira boca do metro, sobrando sempre um lugar no táxi que os transportava da periferia para a estação escolhida, para iniciar a arriscada lide de meter os dedos em bolsos alheios.
Toni nunca enveredou por estas malas artes. Preferia pedinchar, ou quando realmente necessitava de dinheiro combinava um jantar em restaurante movimentado, onde dava o único golpe que lhe conheci e que consistia em fugir sem pagar a conta. Recebia a parte de todos os convivas e esperava que estes saíssem ficando na mesa à espera que desaparecessem, depois, fingia ir à casa de banho, deixava na mesa um objecto sem valor e dava às de vilalva batendo com os calcanhares no rabo e o coração a querer fugir-lhe pela boca. Quando tinha dinheiro, regressava ao local do crime e saldava as contas, desfazendo-se em amabilidades e culpando sempre alguém do grupo que o havia entalado.
A noite invariavelmente terminava no 2001, poiso onde o Toni se sentia como peixe na água, saltando de um só golpe para a pista logo que o DJ de serviço colocava a sua música preferida “ the lamb lies down on the brodway” dos Génesis. Depois ficava por ali a abanar a cabeleira e a bater cadenciadamente com a mão fechada na perna, modismo dançante que substituiu as famosas guitarras invisíveis que invadiram as pistas de dança durante anos.
Depois lá viria o calvário da boleia para casa, no dia seguinte recomeçaria a mesma azáfama, mas desta vez com o casaco de veludo azul marinho com que tinha mais sorte ás garinas, segundo a sua crença.
Um dos nossos últimos contactos, aconteceu em vésperas do meu primeiro casamento, cerimónia onde não queria ver o Toni nem pintado, mas a que este fez o favor de aparecer sem ser convidado, desculpando-se com uma das suas famosas frases.
“ Deves ter-te esquecido de me convidar e para não te envergonhares quando nos encontrarmos decidi fazer o favor de aparecer, para além disso estou-me borrifando para o teu casamento, o que eu gosto mesmo é de bolos com fartura”Restam dele as suas desconcertantes frases e a fotografia por onde passei os olhos e que me fez mudar de agulha em relação ao assunto que tinha planeado para esta postagem.
Publicado no Jornal O Campo 2002

Escrito por pulanito @ abril 11, 2007   2 comentários

terça-feira, abril 03, 2007

Manitas de Oro

O potencial da Internet é uma coisa avassaladora e em muitos casos assustadora.
Nada será como dantes e a vertigem do futuro corre a uma velocidade estonteante. O que ontem era novidade, hoje já é coisa de um passado e o amanhã que se nos reserva é absolutamente galvanizante.
Para termos uma pequena ideia do potencial das novas ferramentas postas ao dispor dos utilizadores basta atentarmos nos números arrasadores de visitas deste pequeno vídeo.
17,795,183 ( não é engano, são mesmo dezassete milhões, setecentos e noventa e cinco mil cento e oitenta e três) de visitas e mais de 48647 comentários. ( a 03-04-07 16.00 horas)
Tudo isto a partir de uma pequena câmera instalada no quarto do pequeno prodígio que nos deleita com as suas “ Manitas de Oro”
Vejam e acrescentem mais alguns aos 48647.

Escrito por pulanito @ abril 03, 2007   2 comentários

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