Tenho Fome de Inverno
Gosto dos dias quando começam a empequenecer.
Daqueles que quando chego a casa e já só uma réstia de claridade sobra no horizonte a dizer-me que para lá do que vejo só existe o que posso imaginar.
Esta noite trovejou. Acordei com o ribombar dos trovões e com as primeiras notas de uma música sincopada a derramar a melodia da água bendita que anuncia o final do verão. Eram quatro da manhã. Uma hora insuspeita para quem irrompe pelo silêncio da madrugada, fazendo-se anunciar como se de irados deuses se tratassem, sem pedir favores nem licença. Fiquei acordado experimentando o medo que sempre sinto quando a revolta da natureza nos resolve presentear com avisos deste calibre.
Penso nos dias frios que estão para chegar, no aconchego do lar e no crepitar da lenha que me há de fazer companhia nos tempos que aí virão.
Penso na sincopada dança das labaredas que de tanto as fixar me hipnotizam e transportam para mundos que nem ouso aqui relatar. E sinto, que mais um ciclo se encerra para outro de novo se nos escancarar, e assim, cumprirmos o ritual da vida que não é mais do que andarmos de estação em estação no Expresso da Existência, até que um dia nos apeemos na estação terminal desta viagem.
Tenho fome de inverno e do cheiro a lenha queimada que perfuma o entardecer quando aos fins-de-semana aporto à minha aldeia.
Tenho fome de inverno, com ribeiras a transbordar, mais o perigo de as atravessar.
Tenho fome de inverno, com ventanias a zunir por buracos e frestas tentando entrar sem que para tal haverem sido convidadas.
Tenho fome de inverno, altura em que a poesia da vida e aquela que se traduz em letra de forma me visita mais amiúde, e isso, é privilégio que todos os dias agradeço, mesmo naqueles em que esta parece definitivamente de mim afastada.
Tenho fome de inverno, com comida de panela e camisolas de gola alta.
Tenho fome de inverno, com bolotas assadas no fogo debaixo da trempe.
Tenho fome de inverno, com natais de mesa farta e lengalengas de contar a petizes ao colo sentadas com a perna a fazer de cavalinho. Lá vai o Manel ceguinho, em cima dum burrinho, o burrinho é fraco, em cima dum macaco……
Tenho fome de inverno para te amar ao anoitecer e em todas as noites de insónia em que desenho com a ponta dos dedos vezes sem conta a silhueta da tua nudez.
Tenho fome de inverno para me poder sentar ao postigo e ver a vida que passa em tons de cinza prata. Tenho fome de inverno, para mergulhar no meu próximo livro que já me baila na cabeça há tanto tempo, mas que, confesso, tenho medo de nele me afogar.
Tenho fome de inverno, para poder voltar a abraçar-te sejas lá tu quem fores.
Tenho fome de inverno, porque… tenho fome de ti!
1 Comments:
Então esta a hibernar?
(a.m)
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