In Memoriam
Manuel António Domingos - 1957 - 2013
Nestes dias em que o coração dos Entradenses foi abalado pela inesperada partida do nosso conterrâneo Manuel António Domingos, eu e o Fernando Guerreiro, resolvemos calcorrear de bicicleta, o território que aos três nos viu nascer.
Levámos no coração e no pensamento o nosso Manuel António. Fizemos mesmo deste périplo uma homenagem ao nosso comum amigo, repartindo histórias, que de tão intensas e verdadeiras, nos pareceu que ele (qual maltês libertário da nossa infância!), poderia sair-nos ao caminho a qualquer momento.
Ribeira de Cobres
Napoleão Mira e Fernando Guerreiro na Ribeira de Cobres - 22 Junho 2013
O mar dos alentejanos é a ribeira. E, a de Cobres, é no imaginário dos Entradenses um oceano. Um oceano só nosso!
É, como diria Alberto Caeiro “o maior rio do mundo que passa na minha aldeia”. É a esta ribeira que nos referimos quando, em contos de contar de inverno, invocamos façanhas da heroicidade alentejana assim a modos que a roçar o delírio; como aquela de um dos nossos, homem destemido que em noite de ribeira cheia e não sabendo nadar, a atravessou caminhando debaixo de água puxando também um imerso cavalo que por sua vez puxava uma imersa carrinha carregada de imersas mercadorias.
E o que o Manuel António gostava desta história!
Logo ali à frente avistamos S. Marcos da Ataboeira, terra irmã da nossa, mas sempre ao despique, como convém àqueles que muito se querem. Demos volta à aldeia na solarenga manhã de sábado. Alguns habitantes desta terra saúdam-nos à passagem. Atarefadas mulheres limpam casas e ruas como se de pratas se tratassem. Por estas bandas a limpeza, mais do que tarefa diária é quase obsessão genética das mulheres da campina alentejana.
E o que o Manuel António gostava de limpeza! Se visse um papel, uma lata ou outro qualquer objecto conspurcando o campo, parava para o apanhar e trazia-o para casa. Não é verdade Fernando?
Fernando concorda sorrindo e propõe que nos dirijamos ao Salto. Boa ideia. Bora Lá!
Na estrada mais estreita que conheço, somos confrontados com um tráfego fora do comum de ceifeiras debulhadoras (duas!) cujas alfaias ultrapassam as margens do caminho, mais nos parecem, monstros mecânicos vindos dum planeta distante.
Chegados ao Salto o meu companheiro de viagem, repara que a antiga escola está aberta. Grita para dentro de casa. À porta aparece uma simpática Saltense limpando as mãos ao avental, sinal de que a sua lida tinha sido interrompida. O Fernando partilha com a senhora Rosa o nosso plano: — “Vamos ali à Senhora de Aracelis e no regresso queríamos petiscar qualquer coisa. Pode ser?” — "Alguma coisa se há de arranjar." — Replica a simpática senhora, regressando aos seus afazeres.
O meu companheiro revela-me então: — “A última vez que aqui estive com o Manuel António, depois de irmos a Aracelis, também petiscámos aqui. Julgo que ele há de gostar que o façamos por ele. Isto, se não estiver aqui connosco!"
Napoleão Mira - Sra de Aracelis
Subimos então ao altar dos céus, significado de Aracelis, um santuário localizado na fronteira territorial entre Castro Verde e Mértola. Aí chegados a vista é merecedora do esforço que foi pedalar até lá. Há todo um Alentejo aos nossos pés e outro até onde a vista alcança. Fizemos algumas fotos para eternizar o momento. Apreciámos em silêncio os sons da terra e pensámos em simultâneo: — "O Manuel António havia de gostar de estar aqui connosco!"
Fernando Guerreiro e Napoleão Mira - Salto - 22 de Junho de 2013
Regressámos ao Salto e aí devorámos o petisco que dona Rosa nos preparara. Uma salada de atum com cebola e tomate, entremeada com umas minis. O Fernando refere então que era exatamente o mesmo petisco que aí comera com o Manuel, aquando do último passeio ciclístico deles, o que o deixa algo emocionado.
Regressados à estrada e já de regresso a Entradas, somos confrontados com o primeiro dia de brasa a valer. Devem estar uns 35º, o Sol estala-nos na pele e seca-nos a garganta. Sombra... só a que vem do céu e hoje os deuses não estão definitivamente para aí virados.
Porto do Malagão. Nova paragem na ribeira. Sempre este fascínio alentejano pelos cursos de água. Pela minha parte faço um ligeiro passeio pelas margens à procura de poejos para cheirar e para esfregar nas mãos. Esta erva ribeirinha, é a forma de me transportar para latitudes que não vos posso revelar, sob pena de divulgar publicamente o estado da minha saúde mental.
Pelo serpentear dos caminhos que nos conduzem à nossa terra reparamos numa seara por ceifar. É a pequena propriedade do nosso amigo, chamada de Vale da Roça. As espigas ondulam a cada brisa soprada, esperando que o Manuel lá de onde agora está, dê as ordens necessárias à sua colheita.
Ao final da manhã regressámos a casa cansados e empoeirados. Prometemos repetir esta viagem e fazer outras que entrementes nos lembremos, mas juramos que o espírito do amigo que hoje quisemos homenagear nos há de sempre por esses caminhos acompanhar.
2 Comments:
Não conheci o falecido! Mas pelas tuas palavras e saudade...
Os meus pêsames à família.
Como lamento, não o conheci muito bem, mas o suficiente para me parecer um Homem muito sensível...
Enviar um comentário
<< Home