segunda-feira, junho 24, 2013

In Memoriam

 
Manuel António Domingos - 1957 - 2013

Nestes dias em que o coração dos Entradenses foi abalado pela inesperada partida do nosso conterrâneo Manuel António Domingos, eu e o Fernando Guerreiro, resolvemos calcorrear de bicicleta, o território que aos três nos viu nascer.

Levámos no coração e no pensamento o nosso Manuel António. Fizemos mesmo deste périplo uma homenagem ao nosso comum amigo, repartindo histórias, que de tão intensas e verdadeiras, nos pareceu que ele (qual maltês libertário da nossa infância!),  poderia sair-nos ao caminho a qualquer momento.

Ribeira de Cobres


Napoleão Mira e Fernando Guerreiro na Ribeira de Cobres - 22 Junho 2013

O mar dos alentejanos é a ribeira. E, a de Cobres, é no imaginário dos Entradenses um oceano. Um oceano só nosso!
É, como diria Alberto Caeiro “o maior rio do mundo que passa na minha aldeia”. É a esta ribeira que nos referimos quando, em contos de contar de inverno, invocamos façanhas da heroicidade alentejana assim a modos que a roçar o delírio; como aquela de um dos nossos, homem destemido que em noite de ribeira cheia e não sabendo nadar, a atravessou caminhando debaixo de água puxando também um imerso cavalo que por sua vez puxava uma imersa carrinha carregada de imersas mercadorias.
E o que o Manuel António gostava desta história!

Logo ali à frente avistamos S. Marcos da Ataboeira, terra irmã da nossa, mas sempre ao despique, como convém àqueles que muito se querem. Demos volta à aldeia na solarenga manhã de sábado. Alguns habitantes desta terra saúdam-nos à passagem. Atarefadas mulheres limpam casas e ruas como se de pratas se tratassem. Por estas bandas a limpeza, mais do que tarefa diária é quase obsessão genética das mulheres da campina alentejana.
 E o que o Manuel António gostava de limpeza! Se visse um papel, uma lata ou outro qualquer objecto conspurcando o campo, parava para o apanhar e trazia-o para casa. Não é verdade Fernando?

Fernando concorda sorrindo e propõe que nos dirijamos ao Salto. Boa ideia. Bora Lá!
Na estrada mais estreita que conheço, somos confrontados com um tráfego fora do comum de ceifeiras debulhadoras (duas!) cujas alfaias ultrapassam as margens do caminho, mais nos parecem, monstros mecânicos vindos dum planeta distante.

Chegados ao Salto o meu companheiro de viagem, repara que a antiga escola está aberta. Grita para dentro de casa. À porta aparece uma simpática Saltense limpando as mãos ao avental, sinal de que a sua lida tinha sido interrompida. O Fernando partilha com a senhora Rosa o nosso plano: — “Vamos ali à Senhora de Aracelis e no regresso queríamos petiscar qualquer coisa. Pode ser?” — "Alguma coisa se há de arranjar." — Replica a simpática senhora, regressando aos seus afazeres.
O meu companheiro revela-me então: — “A última vez que aqui estive com o Manuel António, depois de irmos a Aracelis, também petiscámos aqui. Julgo que ele há de gostar que o façamos por ele. Isto, se não estiver aqui connosco!"

 Napoleão Mira - Sra de Aracelis

 Subimos então ao altar dos céus, significado de Aracelis, um santuário localizado na fronteira territorial entre Castro Verde e Mértola. Aí chegados a vista é merecedora do esforço que foi pedalar até lá. Há todo um Alentejo aos nossos pés e outro até onde a vista alcança. Fizemos algumas fotos para eternizar o momento. Apreciámos em silêncio os sons da terra e pensámos em simultâneo: — "O Manuel António havia de gostar de estar aqui connosco!"

Fernando Guerreiro e Napoleão Mira - Salto - 22 de Junho de 2013

 Regressámos ao Salto e aí devorámos o petisco que dona Rosa nos preparara. Uma salada de atum com cebola e tomate, entremeada com umas minis. O Fernando refere então que era exatamente o mesmo petisco que aí comera com o Manuel, aquando do último passeio ciclístico deles, o que o deixa algo emocionado.

Regressados à estrada e já de regresso a Entradas, somos confrontados com o primeiro dia de brasa a valer. Devem estar uns 35º, o Sol estala-nos  na pele e seca-nos a garganta. Sombra... só a que vem do céu e hoje os deuses não estão definitivamente para aí virados.

Porto do Malagão. Nova paragem na ribeira. Sempre este fascínio alentejano pelos cursos de água. Pela minha parte faço um ligeiro passeio pelas margens à procura de poejos para cheirar e para esfregar nas mãos. Esta erva ribeirinha, é a forma de me transportar para latitudes que não vos posso revelar, sob pena de divulgar publicamente o estado da minha saúde mental.

Pelo serpentear dos caminhos que nos conduzem à nossa terra reparamos numa seara por ceifar. É a pequena propriedade do nosso amigo, chamada de Vale da Roça. As espigas ondulam a cada brisa soprada, esperando que o Manuel lá de onde agora está, dê as ordens necessárias à sua colheita.

Ao final da manhã regressámos a casa cansados e empoeirados. Prometemos repetir esta viagem e fazer outras que entrementes nos lembremos, mas juramos que o espírito do amigo que hoje quisemos homenagear nos há de sempre por esses caminhos acompanhar.

Escrito por pulanito @ junho 24, 2013   2 comentários

quinta-feira, junho 20, 2013

Silêncio...Hoje Morreu-Me Um Amigo!

 Manuel António Domingos - 1957 -2013

Sinto que tenho necessidade de o fazer, mas não sei como traduzir em palavras a dor que me perpassa.

O meu amigo Manuel António Domingos, colocou hoje termo à sua existência terrena. Chegou para ele o fim desta grande viagem a que chamamos... vida.

Ao escrever estas linhas e, como se de um filme se tratasse, assomam-me à lembrança os episódios marcantes que partilhámos.

Na nossa infância ingénua e traquina compartimos e cimentámos uma indestrutível amizade que perdurou até ao dia de hoje.

Na película que passa na minha memória, revejo-o a bradar por mim de modo a irmos para o seu quintal construir casas de barro e palha como se fôramos andorinhas encarnando imberbes humanos.

Ainda o vejo ordenar às irmãs que nos trouxessem água para prepararmos a argamassa para a nossa brincadeira favorita: construir sonhos em forma de casas, que se transformavam em miniaturas de aldeias e vilas, nunca atingindo o estatuto de cidade imaginária, porque ao tempo nenhum dos dois sabia o que isso era.

Depois... eu tive de partir e o Manel ficou. Mesmo no abismo temporal que mediou a nossa separação, nunca me esqueci deste amigo, nem ele de mim, coisa que me confidenciou quando nos reencontrámos passados uns bons 35 anos.

Repeti-lhe então as palavras duma amiga minha, psicóloga de profissão, que me disse um dia, que as verdadeiras, as genuínas, as indestrutíveis amizades são as que se constroem na infância.

Quando regressei a Entradas voltei a conviver mais estreitamente com ele e com a sua família, reatando deste modo, a nossa sanguínea amizade.

O Manel era um homem culto, bom e preocupado com o seu semelhante. Nos anos em que esteve à frente da Junta de freguesia de Entradas (1993/2005) desenvolveu um trabalho que considero exemplar. Foi ainda membro fundador e presidente do Lar Frei Manoel das Entradas, a menina dos seus olhos, que mostrava em cada visita guiada com inusitado orgulho Entradense.

O Manel António vai-nos fazer muita falta, especialmente à Maria Lucília, ao Hugo e à Ana Rita com quem me solidarizo neste momento de profundo pesar.

Adeus amigo...Até lá.

Escrito por pulanito @ junho 20, 2013   1 comentários

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