A Rainha da Pradaria
Parece nome de filme de cowboys, mas é pura ilusão.
De cada vez que passava ao Monte dos Merendeiros, era obrigatório parar e visitar a Senhora Cristina Lança, mulher que aprendi a admirar, tanto pela sua coragem, como pela sua bondade, mas também pela serenidade da sua beleza.
Era uma mulher corajosa. Resistiu sempre a mudar-se para a aldeia. Dizia-me que ali, no monte, havia passado a sua vida, criado os seus filhos Luís e Ana, ali vira morrer o marido e ali queria passar o resto dos seus dias.
Garantia que o medo não a assustava!
Para o espantar, mostrava-me as espingardas que tinha à cabeceira da cama sempre carregadas e prontas para o que desse e viesse, coisa que fazia acariciando-lhes a cronha, sinónimo de que sabia lidar com elas caso fosse necessário.
Das muitas visitas que lhe fiz, umas vezes só, outras com a minha família, Dona Cristina sempre me recebia com a satisfação de quem tem prazer em repartir com o próximo o que tem de seu.
Costumávamos bebericar chá em chávenas domingueiras que ela trazia no bule das visitas. Depois, abria a lata dos bolos sortidos e ficávamos ali a escolher os sabores que estavam escondidos por debaixo das pratas de cores variadas e a ver descer o sol, que se assim se punha para lá do outeiro, anunciava mais uma noite de solidão à última resistente da pradaria.
Era impensável de lá sair sem provar os múltiplos licores da sua lavra, fruto de remota e apurada alquimia, cuja fórmula insistia em comigo partilhar, mas que eu recusava ouvir para não arruinar a magia que o momento proporcionava.
Não sei quantas vezes me contou a história da arca com moedas de ouro. Tesouro este, algures enterrado no enfiamento dos vários montes que da sua porta se viam apenas num determinado ângulo, mas que abrangia um território tal, que mesmo que um homem tivesse várias vidas e mesmo cavando todos os dias, do nascer ao pôr-do-sol, jamais o conseguiria encontrar.
Dei comigo a pensar que, se um homem cavasse todos os dias da sua vida e se na terra cavada semeasse o fruto que daí germinasse, mesmo que nunca encontrasse a tal arca misteriosa, teria encontrado o tesouro que era o fruto do seu trabalho.
Talvez fosse esta a moral da história de que Dona Cristina insistia em contar-me mais das vezes que por ali passava.
Quando era tempo das túberas e sabendo-me apreciador, fazia sempre questão de me guardar um pequena porção, para me poder deleitar com esta iguaria que só o olho treinado de quem trata por tu a terra sabe descobrir.
Vir embora dos Merendeiros sem qualquer presente era absolutamente proibido. Certo dia disse que me queria oferecer um galo, mas que teria de ser eu a apanhá-lo.
Lá fui para dentro do galinheiro tentar o impossível. Havia galinhas a esvoaçar, milhares de penas pelo ar e a respetiva caca nas mãos e cara para os que assistiam se poderem deleitar. Passada meia-hora desisti. Foi então que Dona Cristina entrou no galinheiro e em menos de trinta segundos trazia preso pelas asas o galo que fez questão em me ofertar.
Ainda hoje, quando por lá passo, revisito o espírito da mulher com olhos cor de mar, que me acena lá do alto e, que de espingarda ao ombro, continua a proteger este imenso território.
Não fosse ela a minha rainha da pradaria!
Crónica a publicar na Revista 30 Dias de Novembro de 2011