quarta-feira, outubro 27, 2010

Hip Hop Pessoa - Um Disco e um Documentário no Baú do Esquecimento

"Hip Hop Pessoa" (excerpts from the documentary) from Sara Esteves on Vimeo.



A 13 de Junho de 2008, acabadinho de chegar da minha primeira epopeia ciclística a Santiago de Compostela, completava-se nesse dia o 120º aniversário de Fernando Pessoa. Para celebrar tão redonda data foram programados diversos eventos sob o patrocínio da Câmara Municipal de Lisboa e também da Casa Fernando Pessoa.
Em boa hora o Rui Miguel Abreu se lembrou de trazer para a rua o príncipe dos poetas e dá-lo a conhecer às gerações mais novas.
Como a rapaziada do Hip Hop não são apenas aqueles grupelhos de boné ao lado e que rimam agarrando os genitais, maioritariamente negros e oriundos dos guetos periféricos, foi-lhes concedida a honra e o desafio de desmontarem as palavras do poeta, vestindo-as de novas roupagens sonoras e linguísticas.
O resultado está gravado em disco, mas nunca viu a luz do dia. O Documentário está acabado mas nunca foi exibido, aparecendo agora na net um excerto desse mesmo documentário, onde a convite do meu filho Samuel (SAm The Kid) tive o grato prazer de participar tanto no disco, como no espectáculo que teve lugar no Terreiro do Paço no dia do nascimento do poeta dos poetas.
Agora é só deitar o olho, comentar e fazer força para que tanto disco, como documentário vejam a luz do dia.

Escrito por pulanito @ outubro 27, 2010   0 comentários

segunda-feira, outubro 25, 2010

Pai





Meu pai numa extraordinária foto da minha filha catarina


«Se virem o meu filho sem um livro debaixo do braço eu pago uma rodada a toda a gente.» Assim falava em jeito de aposta, lá por esses idos anos sessenta, o meu orgulho pai para uma plateia de bebedores de vinho rasca na taberna do Vilas nas aforas de Lisboa, local onde este jovem escriba costumava juntar as letras com que ia moldando e bebendo o seu parco saber. É claro que nem sempre me apetecia ler, mas como a jura em forma de aposta havia sido feita à minha frente, não poderia deixar ficar mal o meu progenitor, pelo menos até que os outros habitués se lembrassem de tão invulgar afirmação e, tanto quanto me lembro, nunca tal rodada foi por ele paga.
Lembro-me e rio-me sozinho deste quase anedótico episódio, no caminho de regresso a Entradas vindo do hospital de Beja, onde passei parte do dia agarrando a mão deste fio de gente em forma de vida, que comigo comunica numa espécie de código morse inventado no momento e que só nós conhecemos. Também comunicamos com os olhos, esses faróis de luz baça e mortiça que ainda me encandeiam em sucessivos pedidos de ajuda.
Nos trinta e três quilómetros que agora percorro, deixo correr o pensamento, como se de um rio que serpenteando os obstáculos naturais, desenha a geografia do seu trajecto correndo desenfreado à procura da foz.
Como esse leito de água que se repete em cada fortuito encontro da estrada, também eu me recordo de marcantes episódios que este homem feito rio que correndo à desfilada no meu peito, desagua na memória da minha existência.
Quando ainda era apenas um riacho de gente, desenhava-me toscos porcos em pedaços de papel pardo, entretenga em forma arte quase rupestre esboçados à luz do candeeiro a petróleo. Coisas de gente pobre, que rebusca na imaginação as inúmeras formas que o afecto tem para se manifestar.

Samuel com o avô trocando de bonés

Depois, já ribeiro de pelo na venta, era nas suas margens que buscava a protecção para as tropelias cometidas. Lembro-me assim a talhe de foice de algumas tareias fictícias que me aplicou e de que destaco a famosa “não tareia” por ter, entre outros impropérios chamado puta à madrinha da minha primeira namorada.
Nas turbulentas águas da juventude foi na sua cumplicidade que encontrei porto de abrigo e, se muitas vezes não sabia como as contornar, lá no seu íntimo tinha a certeza de que haveria de voltar a esse leito familiar onde apesar dos naturais desencontros, sempre acabámos por nos encontrar.
Deixando as analogias fluviais em que sempre viemos a confluir, vêem-me à lembrança os mil episódios que repartimos, mais como cúmplices malteses, do que como pai e filho.
Já com a torre sineira de Entradas no horizonte recordo-me de certo episódio vivido em Alcanhões, terra por onde passou alguns anos da sua vida. Como vivia no campo, o transporte que nos levava e trazia da vila era uma velha motorizada. Era tempo de São Martinho e segundo reza o ditado: vai à adega e prova o vinho; o problema é que as adegas em Alcanhões eram mais que as mães e em cada uma delas era obrigatório o respectivo penalty da prova.
Já noite serrada e com o equilíbrio em mau estado decidiram estes dois ébrios malteses regressar a casa já a noite era uma senhora. Para compor o ramalhete a motorizada não tinha luz e a noite era um manto de breu onde nada se distinguia para além de dois palmos do nariz.
Como o que tem de ser tem muita força lá nos fizemos os três ao caminho: eu, ele e a motorizada. A única iluminação que dispúnhamos era, de uma lanterna que meu pai sentado à pendura, com uma das mãos abraçava-me a cintura e, com a outra, alumiava o sinuoso caminho. A estrada, se assim a pudéssemos chamar, mais parecia um cenário de bombardeamento do que trilho de gente.
Todo o trajecto era bordeado por um pequeno rio, que por aquelas bandas o povo chama de vala. Numa curva mal calculada, onde a memória pelo vinho novo conturbada, não conseguiu guiar-nos a preceito, e zás; fomos os três em queda livre parar à vala.
Lá nos levantámos como pudemos e deus sabe, seguindo encharcados e às apalpadelas o resto do caminho que faltava calcorrear. A motorizada, só a resgatámos no dia seguinte!
Destas cumplicidades feitas tropelias de moços pequenos fomos construindo o nosso espólio da memória, de que continuo a retirar particular prazer.
Ir aos ninhos, à xinxada, à caça fortuita e tantas outras actividades menores mas ilegais, fazia de nós uma espécie de fora-da-lei de trazer por casa, que esta coisa de viver nas margens da legalidade, mais do que uma necessidade era uma espécie de afirmação.
Um dia trouxe-lhe um pequeno painel de azulejos que mandara a propósito pintar para lhe oferecer.
À medida que desembrulhava o presente, media-lhe no sorriso o contentamento que o invadia. Quando concluiu o puzzle dos azulejos, e sem que trocássemos palavra, li-lhe nos olhos a satisfação que lhe ia na alma.
«Vamos colocá-lo já de seguida.» Afirmou!
Lá fizemos o cimento necessário à colocação do painel e a entrada da sua pequena propriedade passou a ostentar então o nome de que se orgulhava.
Ainda de colher e talocha na mão, dava vários passos atrás para noutra perspectiva analisar a conclusão da obra e bandeando o pescoço para um e outro lado, tentava descortinar algum erro na aplicação.

A famosa placa ainda por lá persiste 20 anos depois!

Na placa podia ler-se: Casal do Maltês. Estava baptizado o seu abrigo, casa e quartel.
Sei que não voltaremos a viver tempos como esses. Sei e sinto que o seu tempo se está a findar e por muito que tal me custe, tenho (eu e os meus) que resignadamente aceitar os tempos de dor e revolta que estão para vir e admitir a minha impotência face ao previsível desenlace.
Sei que falo da morte do meu pai enquanto vivo, mas esta, é para mim, a forma de lhe dizer: Obrigado velho maltês…ainda um dia voltaremos juntos a “roubar cavalos!”

Meu velhote todo contente na Feira de Castro admirando um pão de 13 Kg..horas antes do acidente vascular cerebral.

PS: meu pai sofreu um novo AVC no passado Domingo que o deixou deveras abalado e com prognóstico bastante reservado. Esta é a minha forma de o homenagear e convosco partilhar alguns episódios do homem que sonhava ser maltês.

Escrito por pulanito @ outubro 25, 2010   21 comentários

quarta-feira, outubro 13, 2010

Baptismo de Fogo

Diploma de baptismo


Era no tempo do cinzentismo, altura em que Portugal era um território a preto e branco, uma espécie de país adiado, à espera que um velho senil tombasse duma cadeira e, com esse tombo, caísse também um regime que durante décadas e décadas cerceou a vontade e os sonhos de milhares de portugueses.

Esta pequena história relata o dia em que um petiz de nove anos foi obrigado a frequentar a catequese.

De igrejas não percebia nada, só sabia que gostava de subir à torre sineira da igreja matriz lá da sua aldeia para ouvir o barulho ensurdecedor das badaladas que anunciavam mais das vezes a partida de um dos seus e, também, para ver se conseguia vislumbrar Lisboa que sempre lhe haviam jurado se situar um pouco para lá das cercanias da terra, ou seja, na lonjura possível da sua jurisdição visual; mas mesmo semi-cerrando os olhos, colocando a mão em pala à moda dos índios, nem assim conseguia visualizar a grande metrópole, coisa que o fazia desconfiar que afinal a grande cidade seria bastante mais longe do que lhe diziam. Até que um dia, também ele teve de abandonar o seu território de afeição e na companhia dos seus, demandar o futuro, esse porvir chamado: Lisboa.

Já na capital, não percebia porque tinha de (para além da escola), assistir aquela beata lengalenga que, apesar da tenra idade, se lhe assemelhava mais a patranha inventada do que a uma história vivida, sobretudo, aquela do deus estar em todo o lado; era assim uma espécie de Belmiro de Azevedo dos nossos dias, mas com um negócio distinto!
Essas sessões religioso-educativas chamadas de catequese (que nunca soube o que queria dizer!) tinham lugar numa dependência da igreja da Charneca do Lumiar.
Padre Cristiano era o educador espiritual e Antonino, o sacristão, a sua sombra e seu ajudante.
Numas dessas secantes sessões, padre Cristiano (talvez por descargo de consciência!) perguntou se havia algum menino na sala que não tivesse sido baptizado e, quem o não fosse, que pusesse a dedo no ar.
Naquela pequena sala deveriam de estar umas duas dezenas de rapazes, o pequeno alentejano à frente sentado, era o único com o dedito no ar.

«Ai que o menino é mouro!» Clamou Antonino elevando as mãos aos céus, num gesto em que implorava clemência ao concorrente do Belmiro.
Perante tão inesperado acontecimento, Cristiano nem hesitou, agarrou no gaiato pelo braço prendendo-o de modo a que este não se safasse e pediu a Antonino que fosse ver se a Idalina das limpezas estava por perto.
Padre Cristiano chispava pelos olhos, e aos cantos da boca acumulava-se uma certa gosma branca e raivosa que o clérigo não fazia questão de disfarçar.
O “pequeno mouro”( por assim dizer!), para além de confuso, estava cada vez mais assustado, até porque, aquele homem de negro vestido continuava a acusá-lo de infiel, de impuro e de outros impronunciáveis adjectivos que um rapazito de nove anos teria muita dificuldade em descodificar.
Decorria o mês de Maio de 1965 e também nesse dia vinte e nove desse mês e desse ano corria lentamente o tempo de espera pelo Antonino e pela Idalina que teimavam em não aparecer.
Talvez tenha passado uma hora, tempo que lhe pareceu uma eternidade quando Antonino entrou na sacristia anunciando que não conseguia encontrar a Idalina.
«Não faz mal!» Ripostou padre Cristiano
«Serás tu o padrinho e terás como comadre, nossa senhora de Fátima»

Encaminharam-se os três para a pia baptismal. Numa cerimónia absolutamente surreal e ao mesmo tempo celestial dada a importância da excelsa figura "convidada" para madrinha. Lá lhe despejaram uma concha de água sobre a cabeça enquanto padre Cristiano vestido a preceito oficinal tecia uma imperceptível ladainha que deveria de ter a ver com a ocasião.
O menino sentiu-se impotente para ripostar. Mas ripostar o quê, se nada lhe havia sido perguntado! Para além disso, não ser baptizado deveria ser uma coisa contra-natura e se calhar quem estava em falta era ele.
Aquilo de não ser baptizado, se calhar, era como ser canhoto, “defeito” de que também era portador e que a professora tentava corrigir à força de reguada ou mesmo atando-lhe às costas a sua manita “defeituosa”.
O Alentejanito sentia-se desgostoso, triste e perdido. Sentia dolorosas e doentias saudades da sua aldeia. Aí ninguém o obrigava a ouvir estórias de pessoas com asas, aparentemente sem sexo e demasiado brancas para o seu gosto.
Aí ninguém lhe dizia com que mão havia de escrever, ou de comer, ou de atirar pedras aos pássaros e aos outros moços, coisa que fazia parte do crescimento de qualquer menino aldeão, coisa que a si mesmo e em solene promessa, jurara ser!

Os anos passam. A memória perdura!
No outro dia andei a fazer uma busca arqueológica em casa de meus pais e de repente fui confrontado com o documento que atesta verdade histórica desta crónica escrita assim de um só fôlego e que me trouxe à memória um tempo de que não guardo gratas recordações.
Ah…quem era o menino?
Como diria o Tony Carreira: O menino era eu!

Escrito por pulanito @ outubro 13, 2010   7 comentários

domingo, outubro 10, 2010

Feira de Castro 2010



Ela aí está a marcar mais um ciclo nas nossas vidas. Falo-vos da inevitável Feira de Castro esse incontornável marco no calendário de uma certa estirpe alentejana.
Como as aves que todos os anos voltam ao seu ninho, também uma determinada casta transtagana acorre anualmente no terceiro fim-de-semana de Outubro a um chamamento quase irracional mas seguramente visceral, que marca na vida de cada um que aqui demanda, o virar de uma página onde se fazem balanços do ciclo que agora se fecha e dos projectos para o outro que certamente se abrirá.

O penetrante olhar duma jovem cigana revela-nos a magia secular desta feira, olhos esses que se escancaram como se fossem gelosias, por onde podemos ver muitos dos nossos ancestres, predecessores deste rito de culto e de encanto.

Descemos rua abaixo como quem navega mar adentro, deixando-nos levar por imaginárias ruelas desta medina de pano feita, onde o perfume outonal nos transporta a um tempo, onde o tempo, bem que podia parar.

Ele são: serrenhos que das longínquas brenhas do Caldeirão, Monchique ou Espinhaço de Cão, se fazem ao caminho para aqui mercarem o que a terra dá ou o que as suas hábeis mãos constroem.

Ele são: oleiros barristas de Beringel que derramam a sua arte em forma de objectos do nosso quotidiano.

Ele são: artistas, vigaristas e carteiristas e outros especialistas versados na arte de iludir o pagode com malabarismos cartomantes e outras manigâncias, sendo que o importante é sacar a nota a ingénuos incautos.

Ele são: cantarristas baldoeiros que no embalo do som de arame da viola campaniça, entoam arabescas melopeias vindas lá do fundo da alma e dos confins da planície; terra, onde sonho rima com gente e medronho com aguardente.

Ele são: vetustas prostitutas que numa lógica de “serviço público” despertam a libido de pastores, almocreves e outros tantos que tais, para céleres e breves prazeres carnais.

Ele são: vertiginosos e corajosos pilotos que fazem com que o mundo de repente fique de pernas para o ar no número do poço da morte, ou da sorte, consoante o ângulo de espectadores ou artistas.

Ele são: sapateiros Almodovarenses que num pedaço de papelão desenham a forma da bota que há-de um dia pisar este chão.

Ele são: ciganos de olhos de lume que num cantado queixume, expressam assim, a arte canora da raça calé.

Lavradores na Feira de Castro - Talvez anos 30 /40

Ele são: abastados e anafados lavradores que passeiam a sua abundância por entre a populaça e, se com o indicador e o polegar de uma das mãos afiam sistematicamente a ponta do bigode, a outra repousa no bolso do colete, só daí saindo para retirar o relógio de corrente com que confere o acerto do mesmo com as batidas do sino da igreja.

Ele são: barbeiros tendeiros que escanhoam barbas a fregueses que antes de se sentarem parecem malteses e quando este sacode o pano que lhe envolvia o pescoço dando por findo o seu trabalho, olham-se ao espelho, sorriem, parecem burgueses!

Ele são: tanta gente que até parece que todo o Alentejo deste mundo se mudou para aqui durante os dias de alegria que a feira representa.
Nos dias que correm, muitas destas figuras deixaram de existir, mas outras, ainda por lá vão mercando os seus sonhos em forma de coisas que fazem as pessoas felizes, o que faz com que a grande feira do sul, continue inexplicavelmente a fazer parte indissociável do calendário das nossas vidas.

Escrito por pulanito @ outubro 10, 2010   2 comentários

sábado, outubro 09, 2010

O Segredo de Miguel Zuzarte - Entradas em Alta.



A minha pequena pátria vai hoje e amanhã estar em alta na RTP1.
A série O Segredo de Miguel Zuzarte, foi em grande parte filmada em Entradas, o que quer dizer, que quando esta noite se confrontarem com os fabulosos cenários desta mini-série estarão a visualizar o torrão natal deste escriba.
Não vos vou falar do enredo, já que terão oportunidade de o conhecer com o desenrolar da história, mas tem essencialmente a ver com a implantação da República e mais não digo.
Serão dois dias em horário nobre, hoje às 21.15 horas e amanhã ás 21.00 horas.
Para todos aqueles que não conhecem uma aldeia genuinamente alentejana, é hoje o dia de viajarem no ecrã dos vossos aparelhos e conhecerem alguns dos recantos da terra onde nasci e onde volto sempre que posso, e ás vezes mesmo quando não posso, mas é assim: quem corre por gosto não cansa, e eu nunca me cansarei de propalar aos quatro ventos o sitio que mais gosto no mundo, e olhem que já andei por muito sítio.
Deixo-vos com esta sinopse do que irá acontecer e onde poderão desde já sentir o espírito, o ambiente, a atmosfera duma terra de gente orgulhosa, mas ao mesmo tempo afável e hospitaleira.
Bem-vindos a ENTRADAS!

Escrito por pulanito @ outubro 09, 2010   3 comentários

sexta-feira, outubro 08, 2010

100 000 Visitas - Um Marco Histórico.


Chegámos a um marco histórico no que diz respeito ao número de visitas para tão singelo estaminé.
Chegaremos hoje aos 100.000 visitantes o que quer dizer que muitos milhares de almas passearam os seus olhos pelo que aqui fui debitando ao longo destes anos.
Em hora de balanço posso dizer que este blogue já pariu um livro, já serviu de ponto de encontro para pessoas que não se sabiam, já emocionou muitos leitores, já terá feito rir outros tantos e a outros que pertencem à minha casta, fê-los sonhar com as paisagens aqui descritas dum certo Alentejo que só mesmo os mais fundamentalistas gostam.
Aqui divaguei, divulguei, criei e até por vezes me surpreendi com algum do resultado conseguido.
O Pulanito trouxe-me novos amigos, novos leitores, uns que não se coíbem de interagir com o autor, outros (muitos) só lêem e apenas deixam notícia da sua passagem através do contador de visitas.
Às vezes tenho umas crises de preguicite, outras de motivação, mas ao longo destes quatro anos aqui tenho vindo praticamente todas as semanas compartilhar com os meus fiéis leitores aquilo que me vai na alma, ou aquilo que achei interessante repartir com quem gosta de por aqui deitar o olho.
A todos muito obrigado pela perseverança, pelo apoio e pela sensação de que esta é uma gaveta onde guardo os meus escritos, mas que lá ao fundo está cheia de minúsculos leitores que aí acedem por secreto acesso para deste modo devorarem os meus segredos.
Não sei porquê! Apenas gosto de pensar que é assim que as coisas se processam.
OBRIGADO!

Escrito por pulanito @ outubro 08, 2010   6 comentários

sexta-feira, outubro 01, 2010

O Sopro do Coração


No caminho que me conduz ao Alentejo por estradas secundárias que atravessam povoações quase desertas, deparo-me com uma velha carrinha anunciando um espectáculo circense a levar a cabo “nesta bonita localidade”, conforme apregoava o speaker de serviço através do som rafeiro debitado pelos altifalantes instalados no topo daquele estranho veículo todo ele coberto de cartazes alusivos às atracções que o circo tinha para apresentar.
De repente, sou invadido por um estranho espírito que me faz recuar no tempo umas boas dezenas de anos e me faz lembrar dos tempos em que ser artista de circo era uma das coisas que queria ser quando fosse grande.
Tenho especial apreço por circos pobres, mais propriamente por saltimbancos (amo esta palavra!) sem eira nem beira, que se apresentam em palcos que normalmente são os terreiros ou praças centrais das aldeias em noites quentes de Verão.
Numa dessas noites de um Verão longínquo, assisti pela primeira vez a uma actuação de uma dessas trupes de nómadas que me deixaram a bailar nos olhos o desejo de com eles partir. Talvez fosse a minha alma cigana clamando por liberdade.
O único equipamento que possuíam era os pilares metálicos que sustentavam o trapézio voador, que lá mais para a noitinha haveria de me fazer sonhar, nas mirabolantes, arriscadas e vertiginosas manobras dos trapezistas de serviço.
No meio daquela alegre “tropa fandanga” havia uma menina, de seu nome Cláudia,
uma criança pouco mais velha que eu, que despertou no meu breve coração de petiz um batimento descompassado que então não sabia identificar. Só sabia que me sentia bem se estivesse ao pé dela!
Cláudia era equilibrista desde tenra idade conforme me confidenciou nos poucos momentos em que ficámos a sós, mas os suficientes para que nos entendêssemos por sorrisos e olhares cúmplices naquela noite que de tão eterna que foi ainda a tenho presente na lembrança.
Quando Cláudia subiu ás alturas e se propôs a atravessar a distância que separava os dois pilares metálicos em cima de um cabo de aço, o músculo fundamental parecia galgar-se-me do peito.
Lá em cima, onde o céu parece estar mais perto que a terra, Cláudia agradecia sorrindo para o extasiado público enquanto esfregava nas mãos o aderente pó branco que depois de aplicado soprou nitidamente na minha direcção, e que, com as luzes e a ajuda da minha imaginação, se me pareceu haver-se transformado em estrelas.
Foi então que segurando a enorme vara que todos os equilibristas possuem, iniciou com passos pequenos mas seguros a sua caminhada sobre o finíssimo cabo que a haveria de levar ao outro extremo do aéreo percurso.
Cláudia não andava. Pairava suavemente como se de um anjo descendo dos céus se tratasse.
Depois de receber os aplausos do público, veio a terreiro vender postais ilustrados com a sua figura, coisa a que a populaça acedia sem resmungar, até porque o espectáculo era gratuito e a venda destas recordações, a única forma de compensação monetária que recebiam.
Quando passou por mim, presenteou-me com um beijo na face e ofereceu-me o retrato que até hoje guardo ciosamente.
Da Cláudia nunca mais soube. Ficou apenas a memória presente dum menino que numa determinada noite de Verão descobriu que afinal o coração não serve apenas para bombear o sangue nas artérias.
Enquanto a velha furgoneta roncando desaparecia no aperto duma curva daquela minúscula aldeia, sobreveio-me a lembrança de uma estonteante noite de um longínquo Verão.

Artigo publicado na revista 30 Dias de Outubro de 2010

Escrito por pulanito @ outubro 01, 2010   1 comentários

Deixe aqui a sua opinião sobre o Fado!

Links

  • Jardins de Inverno
  • um e o outro - blog do Tim
  • Casa Das Primas
  • Oxiclista
  • correio alentejo - um jornal a ter em conta
  • Mokuna
  • Alojamento grátis em mais de 1300 hotéis. 17 países da Europa
  • Insomnia - Um blogue alentejano a visitar
  • Prova Escrita
  • Alvitrando
  • A Cinco Tons
  • NeuroNewz
  • Tricotar o Tempo
  • Entradas Anteriores

    • Lugar Nenhum Ed Hoster e Napoleão Mira
    • Passagem Para a Índia
    • Incongruências
    • Santiago Maior - Napoleão Mira & Sam The Kid
    • Napoleão Mira na RTP
    • A Fé e o Medo
    • Napoleão Mira - AS Portas Que Abril Abriu - (Ary ...
    • Esta Lisboa Que Eu Amo Houve um tempo (lar...
    • Ribeira de Cobres
    • A Velha Pasteleira
    • Reveillon

    Arquivo

    • agosto 2006
    • setembro 2006
    • outubro 2006
    • novembro 2006
    • dezembro 2006
    • janeiro 2007
    • fevereiro 2007
    • março 2007
    • abril 2007
    • maio 2007
    • agosto 2007
    • setembro 2007
    • outubro 2007
    • novembro 2007
    • dezembro 2007
    • janeiro 2008
    • fevereiro 2008
    • março 2008
    • abril 2008
    • maio 2008
    • junho 2008
    • julho 2008
    • agosto 2008
    • setembro 2008
    • outubro 2008
    • novembro 2008
    • dezembro 2008
    • janeiro 2009
    • fevereiro 2009
    • março 2009
    • abril 2009
    • maio 2009
    • junho 2009
    • julho 2009
    • agosto 2009
    • setembro 2009
    • outubro 2009
    • novembro 2009
    • dezembro 2009
    • janeiro 2010
    • fevereiro 2010
    • março 2010
    • abril 2010
    • maio 2010
    • junho 2010
    • julho 2010
    • agosto 2010
    • setembro 2010
    • outubro 2010
    • novembro 2010
    • dezembro 2010
    • janeiro 2011
    • fevereiro 2011
    • março 2011
    • abril 2011
    • junho 2011
    • julho 2011
    • setembro 2011
    • outubro 2011
    • dezembro 2011
    • fevereiro 2012
    • março 2012
    • abril 2012
    • maio 2012
    • junho 2012
    • julho 2012
    • agosto 2012
    • setembro 2012
    • outubro 2012
    • novembro 2012
    • dezembro 2012
    • março 2013
    • abril 2013
    • maio 2013
    • junho 2013
    • julho 2013
    • outubro 2013
    • janeiro 2014
    • fevereiro 2014
    • março 2014
    • abril 2014
    • maio 2014
    • junho 2014
    • agosto 2014
    • setembro 2014
    • outubro 2014
    • fevereiro 2015
    • março 2015
    • abril 2015
    • fevereiro 2016
    • março 2016
    • julho 2016
    • agosto 2016
    • setembro 2016
    • outubro 2016
    • novembro 2016
    • abril 2017
    • maio 2017
    • junho 2017
    • julho 2017
    • fevereiro 2018
    • outubro 2018
    • Current Posts

    Powered by Blogger


 

 visitantes online