No Comboio
Este texto foi escrito no dia 26 de Setembro de 2008, sem ter a mínima intenção de alguma vez o publicar. Como tenho andado um bocado falho de ideias e com uma dose de preguicite que não sei se vos diga se vos conte, fui desencantar este texto que serve unicamente para encher chouriços, ou seja, se não o lerem não perdem rigorosamente nada. Por outro lado, se acharem que devem continuar (depois não digam que não os avisei), gabo-vos a coragem, desejo-vos sorte e espero que consigam chegar ao fim sem vomitar.
São poucas as viagens de médio curso que fiz de comboio, já que de longo curso, nunca tive a possibilidade de fazer qualquer uma. Das que me lembro, quase que as conto pelos dedos. Uma ou duas vezes De Lisboa ao Porto, mais umas três ou quatro vezes de Tunes a Lisboa e não me lembro se houve lugar a vice-versa. Ainda uma ou outra viagem de comboio em países que visitei, mas nada de apoteótico. Esta é a história da minha relação com este mítico meio de transporte.
Lembro-me sim da mais excitante viagem de comboio que alguma vez fiz em plena revolução dos cravos, mesmo ali naquela altura em que os ricalhaços deste país imitaram por uma vez os pobres e desafortunados e também eles foram obrigados a passar a fronteira a salto.
A viagem iniciou-se em Lisboa e teve como destino Portalegre. Eu, o Zé António e o Afonso, estes mais conhecidos por “organização pinga amor e balha meninas”, dada a sua especial aptidão para estas duas áreas.
Foi uma noite inteira a andar de comboio-correio, que parava em tudo o que era estação, apeadeiro, palanque ou mesmo casa de ferroviário. Enfim, demorámos toda uma noite até chegarmos á estação que servia o nosso destino nas aforas de Portalegre se a memória não me atraiçoa.
Na vertigem da juventude tudo é novo, tudo é belo e até as trigémeas que íamos visitar se nos afiguravam ser moçoilas (que para além da particularidade de serem as três iguaizinhas), dignas de tão excitante aventura.
Já não me lembro muito bem da cara delas, mas na minha lembrança persiste esta magnifica epopeia que terminou com a nossa detenção, para não lhe chamar prisão, no posto fronteiriço de Marvão, pelo facto de termos atravessado a fronteira luso-espanhola sem autorização policial, ou seja, tínhamos feito o mesmo que os ricaços que escapuliam ao comunismo que se avizinhava, só que nós, só tínhamos ido comprar caramelos e respirar ares espanhóis que como se sabe, tinham (ao tempo) aquele elán de que afinal havia mais mundo para lá das serranias de Portugal.
Escrevo para me entreter no Alfa Pendular em direcção a Lisboa, onde pernoitarei, para que amanhã cedinho (sábado 27/09) regresse a terras do sul, mas desta vez montado na minha bicicleta que a semana passada deixei em casa de minha filha Catarina.
Vai ser uma aventura e peras. Reencontrar os companheiros de recentes aventuras pedalantes, vai concerteza fazer com que seja menos penosa a jornada molhada que se avizinha.
Isto de nos sentarmos no selim duma bicicleta durante nove ou dez horas permite-nos pensar em quase tudo. Pessoalmente procuro concentrar-me no que me rodeia, e ver com olhos de comer, aquilo que me é dado a provar.
Aqui e agora, também tenho tempo para rebobinar passagens, até porque ainda são umas horas de Tunes a Lisboa.
Lembro-me do meu amigo Norberto, mais conhecido por Béubéu (vá-se lá saber porque é que baptizei assim este amigo de há 37 anos), quando no outro dia em maré de “recordar é viver” me tentou relembrar uma passagem que a mim se me varreu completamente da memória.
Dizia-me o Béubéu que me encontrou no Metro, (que também é comboio e assim fazer pandan com o post) na companhia de uma moçoila toda de encher o olho. Eu como vinha trabalhar passei “a pasta” ao meu decano amigo, recomendando-lhe que fosse com ela passear até porque este estava de folga.
Até aqui nada de anormal, e até era possível que nenhum dos dois se lembrasse de tal episódio. Acontece que o Norberto me disse que nesse dia em que lhe entreguei aquele feitiço em forma de mulher, esta o havia levado a uma sapataria e o houvera iludido a comprar um par de sapatos.
De lembrar que um par de sapatos, se não custava o salário de um mês de trabalho, talvez andasse por lá próximo, especialmente em sapatarias finas da baixa. Ainda a levou a lanchar e esta foi a primeira e última vez que viu tal sirigaita por mim apresentada e mesmo depois de tentar recordar-me, uma e outra vez, não encontro qualquer ligação a este episódio e a esta pessoa que este meu amigo confirma e afirma a pés juntos haver sido por mim apresentada.
É por estas e por outras que me entretenho a pôr no papel aquilo que da memória ainda se não me varreu. Esta é outras das muitas lições que aprendi com o Manuel Faria que me disse que uma das razões porque escreveu o livro “ Por Detrás do Palco”, ou seja a história e estórias do Trovante, antes que ele e os restantes integrantes do projecto ficassem senis e já ninguém se lembrasse exactamente como as coisas se passaram.
Gosto de viajar de comboio, e pronto!
Escrevo assim á laia de quem engata carruagens umas nas outras. Uma levam memórias, o equivalente ao vagão das bagagens, outras levam pensamentos vários como se fossem carruagens de segunda pejadinhas de gente vestida para a função do dia.
Muitos dos passageiros de hoje, utilizam os gadjets do momento para se entreterem. Uns sacam do portátil (que nem eu) e vá de se distraírem a engatar as letrinhas umas nas outras como se estas fossem intermináveis comboios em desmedidas gares de infindáveis cidades brancas.
"Anda p'raqui!! Não vás por aí..descreve lá mais uns quantos tipos de pessoas de que os leitores gostem e deixa-te desses resquícios do LSD da tua juventude", recomenda-me ao ouvido o grilo da consciência, animal a que cada vez presto mais atenção, não fosse este recomendador profissional, um proeminente conselheiro que já conta 52 primaveras.
Seguindo o seu conselho: À minha frente encontra-se uma senhora, que mal me vê chegar e ocupar um espaço que pensava ser só seu, me devolve em olhares praguejantes a metade da mesa que me pertence. Constato ser uma médica de Faro em viagem para Lisboa. Pelo caminho deve ter feito umas dez consultas. O fluxo telefónico diz-me que será profissional reputada no meio. Fiquei a saber que existe uma virose naquela parte do país, mas que não devem entupir as urgências dos hospitais, já que pelos sintomas debitados, é coisa de grande aborrecimento e mau estar, mas de cura fácil e relativamente rápida, afiança a minha companheira de viagem.
Entretenho-me a escrevinhar estas baboseiras para matar o tempo e também por saber que hoje em dia só mesmo os indefectíveis leitores é que terão paciência para chegar a este ponto da viagem.
Como ainda faltam umas largas dezenas de quilómetros para chegar à estação do Oriente (local de onde partiremos amanhã em direcção a Entradas), ainda me sobra tempo para observar a panóplia de passageiros que comigo viajam em direcção a Lisboa.
Chego ao bar e reparo num casal que pela troca de olhares, pela cumplicidade dos gestos, pelo arrolar dos mimos, pelos segredinhos partilhados e pela maneira como cruzam uma na outra a mão de cada um, diz-me que estão para lá de Bagadad no que se refere às palpitações do músculo fundamental. Estão enamorados, demonstram-no e sabem que aquela estranha força que os une, é uma força capaz de mover a maior das vontades com a mesma destreza que o comboio irrompe montanha dentro para de novo surgir vitorioso do outro lado da mesma.
Mando vir um café enquanto saúdo o momento.
No regresso ao meu lugar dou conta de que o número de prédios vai aumentando, o que me dá a entender de que a grande cidade está ali ao virar de uma agulha.
Vou ter de começar a arrumar a tralha e deixar para outras núpcias uma descrição mais elaborada duma viagem de comboio.
De qualquer modo, os que aqui chegaram, pelo menos viajaram comigo na confusão em que o meu pensamento está instalado e assim me ficaram a conhecer ligeiramente melhor.
São poucas as viagens de médio curso que fiz de comboio, já que de longo curso, nunca tive a possibilidade de fazer qualquer uma. Das que me lembro, quase que as conto pelos dedos. Uma ou duas vezes De Lisboa ao Porto, mais umas três ou quatro vezes de Tunes a Lisboa e não me lembro se houve lugar a vice-versa. Ainda uma ou outra viagem de comboio em países que visitei, mas nada de apoteótico. Esta é a história da minha relação com este mítico meio de transporte.
Lembro-me sim da mais excitante viagem de comboio que alguma vez fiz em plena revolução dos cravos, mesmo ali naquela altura em que os ricalhaços deste país imitaram por uma vez os pobres e desafortunados e também eles foram obrigados a passar a fronteira a salto.
A viagem iniciou-se em Lisboa e teve como destino Portalegre. Eu, o Zé António e o Afonso, estes mais conhecidos por “organização pinga amor e balha meninas”, dada a sua especial aptidão para estas duas áreas.
Foi uma noite inteira a andar de comboio-correio, que parava em tudo o que era estação, apeadeiro, palanque ou mesmo casa de ferroviário. Enfim, demorámos toda uma noite até chegarmos á estação que servia o nosso destino nas aforas de Portalegre se a memória não me atraiçoa.
Na vertigem da juventude tudo é novo, tudo é belo e até as trigémeas que íamos visitar se nos afiguravam ser moçoilas (que para além da particularidade de serem as três iguaizinhas), dignas de tão excitante aventura.
Já não me lembro muito bem da cara delas, mas na minha lembrança persiste esta magnifica epopeia que terminou com a nossa detenção, para não lhe chamar prisão, no posto fronteiriço de Marvão, pelo facto de termos atravessado a fronteira luso-espanhola sem autorização policial, ou seja, tínhamos feito o mesmo que os ricaços que escapuliam ao comunismo que se avizinhava, só que nós, só tínhamos ido comprar caramelos e respirar ares espanhóis que como se sabe, tinham (ao tempo) aquele elán de que afinal havia mais mundo para lá das serranias de Portugal.
Escrevo para me entreter no Alfa Pendular em direcção a Lisboa, onde pernoitarei, para que amanhã cedinho (sábado 27/09) regresse a terras do sul, mas desta vez montado na minha bicicleta que a semana passada deixei em casa de minha filha Catarina.
Vai ser uma aventura e peras. Reencontrar os companheiros de recentes aventuras pedalantes, vai concerteza fazer com que seja menos penosa a jornada molhada que se avizinha.
Isto de nos sentarmos no selim duma bicicleta durante nove ou dez horas permite-nos pensar em quase tudo. Pessoalmente procuro concentrar-me no que me rodeia, e ver com olhos de comer, aquilo que me é dado a provar.
Aqui e agora, também tenho tempo para rebobinar passagens, até porque ainda são umas horas de Tunes a Lisboa.
Lembro-me do meu amigo Norberto, mais conhecido por Béubéu (vá-se lá saber porque é que baptizei assim este amigo de há 37 anos), quando no outro dia em maré de “recordar é viver” me tentou relembrar uma passagem que a mim se me varreu completamente da memória.
Dizia-me o Béubéu que me encontrou no Metro, (que também é comboio e assim fazer pandan com o post) na companhia de uma moçoila toda de encher o olho. Eu como vinha trabalhar passei “a pasta” ao meu decano amigo, recomendando-lhe que fosse com ela passear até porque este estava de folga.
Até aqui nada de anormal, e até era possível que nenhum dos dois se lembrasse de tal episódio. Acontece que o Norberto me disse que nesse dia em que lhe entreguei aquele feitiço em forma de mulher, esta o havia levado a uma sapataria e o houvera iludido a comprar um par de sapatos.
De lembrar que um par de sapatos, se não custava o salário de um mês de trabalho, talvez andasse por lá próximo, especialmente em sapatarias finas da baixa. Ainda a levou a lanchar e esta foi a primeira e última vez que viu tal sirigaita por mim apresentada e mesmo depois de tentar recordar-me, uma e outra vez, não encontro qualquer ligação a este episódio e a esta pessoa que este meu amigo confirma e afirma a pés juntos haver sido por mim apresentada.
É por estas e por outras que me entretenho a pôr no papel aquilo que da memória ainda se não me varreu. Esta é outras das muitas lições que aprendi com o Manuel Faria que me disse que uma das razões porque escreveu o livro “ Por Detrás do Palco”, ou seja a história e estórias do Trovante, antes que ele e os restantes integrantes do projecto ficassem senis e já ninguém se lembrasse exactamente como as coisas se passaram.
Gosto de viajar de comboio, e pronto!
Escrevo assim á laia de quem engata carruagens umas nas outras. Uma levam memórias, o equivalente ao vagão das bagagens, outras levam pensamentos vários como se fossem carruagens de segunda pejadinhas de gente vestida para a função do dia.
Muitos dos passageiros de hoje, utilizam os gadjets do momento para se entreterem. Uns sacam do portátil (que nem eu) e vá de se distraírem a engatar as letrinhas umas nas outras como se estas fossem intermináveis comboios em desmedidas gares de infindáveis cidades brancas.
"Anda p'raqui!! Não vás por aí..descreve lá mais uns quantos tipos de pessoas de que os leitores gostem e deixa-te desses resquícios do LSD da tua juventude", recomenda-me ao ouvido o grilo da consciência, animal a que cada vez presto mais atenção, não fosse este recomendador profissional, um proeminente conselheiro que já conta 52 primaveras.
Seguindo o seu conselho: À minha frente encontra-se uma senhora, que mal me vê chegar e ocupar um espaço que pensava ser só seu, me devolve em olhares praguejantes a metade da mesa que me pertence. Constato ser uma médica de Faro em viagem para Lisboa. Pelo caminho deve ter feito umas dez consultas. O fluxo telefónico diz-me que será profissional reputada no meio. Fiquei a saber que existe uma virose naquela parte do país, mas que não devem entupir as urgências dos hospitais, já que pelos sintomas debitados, é coisa de grande aborrecimento e mau estar, mas de cura fácil e relativamente rápida, afiança a minha companheira de viagem.
Entretenho-me a escrevinhar estas baboseiras para matar o tempo e também por saber que hoje em dia só mesmo os indefectíveis leitores é que terão paciência para chegar a este ponto da viagem.
Como ainda faltam umas largas dezenas de quilómetros para chegar à estação do Oriente (local de onde partiremos amanhã em direcção a Entradas), ainda me sobra tempo para observar a panóplia de passageiros que comigo viajam em direcção a Lisboa.
Chego ao bar e reparo num casal que pela troca de olhares, pela cumplicidade dos gestos, pelo arrolar dos mimos, pelos segredinhos partilhados e pela maneira como cruzam uma na outra a mão de cada um, diz-me que estão para lá de Bagadad no que se refere às palpitações do músculo fundamental. Estão enamorados, demonstram-no e sabem que aquela estranha força que os une, é uma força capaz de mover a maior das vontades com a mesma destreza que o comboio irrompe montanha dentro para de novo surgir vitorioso do outro lado da mesma.
Mando vir um café enquanto saúdo o momento.
No regresso ao meu lugar dou conta de que o número de prédios vai aumentando, o que me dá a entender de que a grande cidade está ali ao virar de uma agulha.
Vou ter de começar a arrumar a tralha e deixar para outras núpcias uma descrição mais elaborada duma viagem de comboio.
De qualquer modo, os que aqui chegaram, pelo menos viajaram comigo na confusão em que o meu pensamento está instalado e assim me ficaram a conhecer ligeiramente melhor.
4 Comments:
Também gosto de viajar de comboio e lembro-me sempre de uma viagem (muito antes dos alfa-pendulares),em que o comboio ,chamado o correio,saía do Barreiro à meia noite e chegava a Tunes às sete da manhã,éramos três e só um lugar,íamos-nos revesando.Logo ao entrar saltou-me uma soka para a linha é lá fui eu a caminho do Algarve ao pé coxinho.
Mas às quatro da manhã,na Funcheira, comi umas bifanas que ainda hoje me fazem crescer água na boca e nunca mais esqueci esta viagem.Passaram 36 anos...
Beijinhos da prima
Ganda Napoleão,
enquando estudei na Invicta,antes do 25 de Abril/74,fiz dezenas de viagens no correio da noite,entre o Porto e Borba(quantas estórias).
Não é disso que te falarei agora.
Estamos a pensar dar mais umas pedaladas em breve,entre a estação do Oriente e a estação da Graça do Divor...cento e poucos kapas.
O Carneiro oferece-se para cozinheiro...bacalhau verde,ou coisa parecida.
"ESTÁS CONVOCADO!
Haja Saúde.
jm
PS:o nosso amigo Zé do Pedal está a chegar à Mauritânia.
Tem um novo blog:www.zedopedal.skyrock.com
Sempre gostei de viajar de comboio. E tenho uma certa nostalgia das viagens em 3.ª classe em que se sacava do farnel transportado na cesta muitas vezes adquirida na fêra de Castro e iam também galinhas.
Quanto à imagem que ilustra este post tem algo de onírico.
Pulanito
As viagens de comboio são sempre aquelas viagens que proporcionam alguma contemplação tanto paisagística como humana. Porque apesar da evolução ainda se viaja muito de comboio. Adoro apanhar o intercidades em Beja em direcção a Lisboa com aquelas paragens incriveís, onde podemos escutar conversas mirabolantes de gente interessantíssima que vai de Cuba, Vila Alva, Baronia ou Casa Branca até ao Pinhal Novo ou a Lisboa a alguma consulta, delicioso e nostalgico. Porém outras viagens de comboio em outras paragens com imensas pessoas de samblante carregado que ainda agora nos conseguem transportar para memórias traumatizantes, mas verdadeiras.Fiz há 2 semanas uma viagem de comboio da cidade de Tychy (Polónia), para Mikolov em direcção a Auzchwitz......esta última parte da viagem já em autocarro.Não é possível transmitir o que de facto "observamos" daquelas janelas, apenas linhas, muitas linhas de caminho de ferro a convergir para um único sítio, o campo de concentração.Nesta viagem de comboio os passageiros sem frenezim nem algazarras, entram mudos e saem calados por isso não sabemos o que pensam, nem porque vão naquele comboio. Enfim estas são outras viagens as que certamente não deixam saudades, nem serão recordadas daqui a uns anos com nostalgia.
Se não nos emcontrarmos antes. para toda a família um feliz Natal.
MªLucília
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