Mestre Elesiário partiu!
Recebi há pouco um telefonema que me deixou verdadeiramente triste. O amigo e vizinho Mestre Elesiário (como sempre o tratei) havia-nos deixado para sempre. Não que fosse alguma coisa que os seus oitenta e tantos anos não adivinhassem poder vir a acontecer mais dia, menos dia.
Mas como fisicamente o sentia em boa forma para a idade que tinha, sempre pensei que o haveria de ver por alguns anos mais.
Agora já não lhe posso fazer as perguntas que havia planeado, e cujas respostas haveriam de enriquecer o trabalho que queria escrever e do qual seria protagonista.
Sendo assim, curvo-me perante a sua memória e revejo mentalmente aquela figura simpática a quem me dirigia primeiramente sempre que ia a Entradas e sempre que este estava sentado à sua porta.
Gosto muito de Entradas. Gosto do cheiro das coisas. Gosto das pessoas e das casas. Gosto do cheirinho a comida feita na lareira, que pela tardinha, assim ao anoitecer, empresta ao ar uma atmosfera que me obriga a recuar no tempo, e a viajar a outras latitudes temporais, que me trazem à lembrança um gosto raro de felicidade olfactiva.
Gosto desta coisa do antigamente. Gosto de conversar com os velhos, de beber no seu saber oral, ouvindo intermináveis histórias que às vezes me cheiram mais a inventadas do que vividas.
Duas portas abaixo da minha vive Mestre Elesiário, homem que já ultrapassou os oitenta anos, mas que continua a fintar a vida ocupando-a com tarefas a dizer o quanto ainda por cá é necessário.
Até há tempos, tinha uma pequena horta nas traseiras da sua casa, onde plantava, tratava e colhia praticamente de tudo. Para a regar fazia questão de fazer inúmeras viagens ao poço da vila, carregando em cada braço um jarro de água, tarefa que repetia até saciar a sede dos seus cultivos.
Bem, isto não teria nada de especial, se ele não tivesse uma torneira no seu quintal junto à pequena horta a que poderia ligar uma mangueira e regar o que tivesse que regar.
Mestre Elesiário era de facto único. Em dias de Verão, sentava-se à porta logo pela manhã . À medida que, pedra atrás de pedra, o sol ia engolindo a frondosa sombra matinal, Mestre Elesiário perfumava a Avenida com a sua límpida voz, entoando modas que abrilhantavam a paisagem envolvente.
Aos Sábados pela manhã, mal saía de casa, o meu olhar dirigia-se instintivamente para a sua porta, caso não estivesse, já estaria a sua cadeira a marcar a posição que haveria de durar até à hora de almoço.
Muitas vezes entabulávamos conversa. Perguntava-me se conhecia esta ou aquela moda. Perguntava-me ainda se sabia quem a havia criado. Como a resposta era geralmente negativa, apontava o dedo indicador no direcção do coração e sorrindo dizia-me que estava na presença do seu criador.
Parecia-me que Mestre Elesiário divagava um pedaço neste particular, mas francamente, que importância é que isso teria. Pela minha parte adorava estes devaneios do animador da Avenida.
Dizia-me que possuía uma colecção de vassouras. Penso mesmo que algumas delas voadoras, pois quando me contava a história da autoria das modas, sentia que ia montado numa delas e quando descia desatava a varrer aquilo que à frente lhe aparecia dentro dos limites do seu território, que era afinal o passeio em frente à sua casa, esse imenso espelho de pedra em que via e revia aquilo que mais ninguém enxergava.
Das vezes que naveguei no seu olhar, Mestre Elesiário dispensou-me o corcel dos sorrisos. Galgámos nuvens em formas de seara e cantámos à sombra dum monte imaginário com um coro de anjos vindos especialmente para a ocasião. Depois, regressámos pela tardinha, assim à hora do café com peixe frito cujo cheiro imperava na Avenida, ao mesmo tempo que o sol começava a dar tréguas população.
Soube agora que nos deixou. Aposto que andará por aí montado na sua vassoura especial, rodopiando em manobras de arrepiar ao mesmo tempo que inventa novas modas, para que um dia alguém volte a animar a Avenida.
Mas como fisicamente o sentia em boa forma para a idade que tinha, sempre pensei que o haveria de ver por alguns anos mais.
Agora já não lhe posso fazer as perguntas que havia planeado, e cujas respostas haveriam de enriquecer o trabalho que queria escrever e do qual seria protagonista.
Sendo assim, curvo-me perante a sua memória e revejo mentalmente aquela figura simpática a quem me dirigia primeiramente sempre que ia a Entradas e sempre que este estava sentado à sua porta.
Gosto muito de Entradas. Gosto do cheiro das coisas. Gosto das pessoas e das casas. Gosto do cheirinho a comida feita na lareira, que pela tardinha, assim ao anoitecer, empresta ao ar uma atmosfera que me obriga a recuar no tempo, e a viajar a outras latitudes temporais, que me trazem à lembrança um gosto raro de felicidade olfactiva.
Gosto desta coisa do antigamente. Gosto de conversar com os velhos, de beber no seu saber oral, ouvindo intermináveis histórias que às vezes me cheiram mais a inventadas do que vividas.
Duas portas abaixo da minha vive Mestre Elesiário, homem que já ultrapassou os oitenta anos, mas que continua a fintar a vida ocupando-a com tarefas a dizer o quanto ainda por cá é necessário.
Até há tempos, tinha uma pequena horta nas traseiras da sua casa, onde plantava, tratava e colhia praticamente de tudo. Para a regar fazia questão de fazer inúmeras viagens ao poço da vila, carregando em cada braço um jarro de água, tarefa que repetia até saciar a sede dos seus cultivos.
Bem, isto não teria nada de especial, se ele não tivesse uma torneira no seu quintal junto à pequena horta a que poderia ligar uma mangueira e regar o que tivesse que regar.
Mestre Elesiário era de facto único. Em dias de Verão, sentava-se à porta logo pela manhã . À medida que, pedra atrás de pedra, o sol ia engolindo a frondosa sombra matinal, Mestre Elesiário perfumava a Avenida com a sua límpida voz, entoando modas que abrilhantavam a paisagem envolvente.
Aos Sábados pela manhã, mal saía de casa, o meu olhar dirigia-se instintivamente para a sua porta, caso não estivesse, já estaria a sua cadeira a marcar a posição que haveria de durar até à hora de almoço.
Muitas vezes entabulávamos conversa. Perguntava-me se conhecia esta ou aquela moda. Perguntava-me ainda se sabia quem a havia criado. Como a resposta era geralmente negativa, apontava o dedo indicador no direcção do coração e sorrindo dizia-me que estava na presença do seu criador.
Parecia-me que Mestre Elesiário divagava um pedaço neste particular, mas francamente, que importância é que isso teria. Pela minha parte adorava estes devaneios do animador da Avenida.
Dizia-me que possuía uma colecção de vassouras. Penso mesmo que algumas delas voadoras, pois quando me contava a história da autoria das modas, sentia que ia montado numa delas e quando descia desatava a varrer aquilo que à frente lhe aparecia dentro dos limites do seu território, que era afinal o passeio em frente à sua casa, esse imenso espelho de pedra em que via e revia aquilo que mais ninguém enxergava.
Das vezes que naveguei no seu olhar, Mestre Elesiário dispensou-me o corcel dos sorrisos. Galgámos nuvens em formas de seara e cantámos à sombra dum monte imaginário com um coro de anjos vindos especialmente para a ocasião. Depois, regressámos pela tardinha, assim à hora do café com peixe frito cujo cheiro imperava na Avenida, ao mesmo tempo que o sol começava a dar tréguas população.
Soube agora que nos deixou. Aposto que andará por aí montado na sua vassoura especial, rodopiando em manobras de arrepiar ao mesmo tempo que inventa novas modas, para que um dia alguém volte a animar a Avenida.
2 Comments:
ola Napoleão! muito obrigado pela homenagem aqui prestada ao meu avo. eu e todos os netos conhecemos de cor algumas das historias e das modas que o meu avo contava e cantava pois fazia questão de as contar ao netos mais de mil vezes... muitas vezes sentado há mesa ou mesmo a lareira dizia para algum dos netos que ali se encontravam, "queres ouvir uma história? conheces esta moda?" nós podíamos simplesmente nem responder mas ele contava... a todos nos o gostávamos de ouvir pela manha cantar as suas modas que apesar dos seus 87 anos, fazia 88 em Abril próximo, fazia questão de cantar sempre sentado a sua porta ou no quintal enquanto tratava das suas colheitas. e citando o Napoleão: " aposto que andará por aí montado na sua vassoura especial" ficará para sempre nos nossos corações.
beijos Bruna António
Pois é amigo Napoleão! Mais uma figura típica da nossa vila que desaparece! repito : uma figura típica e não um "cromo" no sentido depreciativo da palavra. Foi uma justíssima homenagem da tua parte. Não sei escrever mais nada. É sempre difícil reduzir a escrito os nossos sentimentos e as nossas emoções ou se dizem coisas a mais ou fica algo por dizer.
Um abraço do
José mestree
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